terça-feira, 28 de abril de 2020

DIÁRIO DE AULA - CLÍNICA I: TRANSFERÊNCIA/CONTRATRANSFERÊNCIA, PARTE 2

Raios de Sol: A TRANSFERÊNCIA E A CONTRATRANSFERÊNCIA, UMA DIALÉTICA



Em termos bem sucintos, a contratransferência é uma reação ou resposta do terapeuta à transferência do paciente, afinal uma relação é uma via de mão dupla e não uma via de mão única, ou seja, há duas pessoas, dois sujeitos, duas psiquês.


ESTUDOS DE PSICANÁLISE: Transferência e Contratransferência
Diferente da compreensão que fez Freud em relação à transferência (inicialmente vista como óbice ao trabalho terapêutico, mas depois entendida como a principal via do trabalho terapêutico), o mesmo não aconteceu com o conceito de contratransferência, visto por ele como inibidor do trabalho clínico do terapeuta. Freud considerava a contratransferência como uma incapacidade do psicoterapeuta em manejar adequadamente aqueles aspectos dos conteúdos do paciente que atingiam problemas internos dele, terapeuta. Neste sentido seria como uma resposta de problemas mal resolvidos do terapeuta que deveriam ser superados por este. 

Sobre a contratransferência - Heimann

A grande guinada tanto conceitual quanto operacional da contratransferência veio através de dois importantes nomes da história da psicologia, mais precisamente da psicanálise: a inglesa Paula Heimann e o argentino de origem polonesa Henrich Racker, ambos no início dos anos 1950. Para Heimann o encontro psicoterápico reencena o drama neurótico do paciente na situação relacional de tratamento, o inconscientemente o mesmo projetar na figura do terapeuta parte de seus conflitos internos mal resolvidos. O terapeuta, por sua vez, não é uma figura inerte e sem vida, pelo contrário, é igualmente um ser humano, razão pela qual deverá sentir e reagir, muitas vezes inconscientemente, às projeções a ele dirigidas. Isso transformaria a contratransferência (reação à transferência do paciente) em um valioso instrumento e ferramenta psicológica à disposição do terapeuta à compreensão da dinâmica interna e inconsciente de seu paciente. Em outras palavras, em termos psicodinâmicos, somos (terapeutas) chamados a atuar pelo inconsciente do paciente (transferência) papéis e funções em relação à figuras significativas do passado infantil na relação terapeuta-paciente, em uma espécie de rolling play ou psicodrama velado.

O Conceito de Transferência e Contratransferência no Coaching ...Racker, por sua vez, do outro lado do Oceano Atlântico, igualmente provoca uma revolução paradigmática quanto ao conceito de contratransferência, ao classificar a contratransferência em direta e indireta, bem como ser a contratransferência um fenômeno de identificação do terapeuta com o que nele é projetado. Neste sentido, afirma Racker, pode-se subclassificar a identificação em duas: concordante e complementar. A concordante seria aquilo que comumente chamamos de "empatia", Já a complementar seria a contratransferência propriamente dita, no sentido de o terapeuta vivenciar subjetivamente em si o lhe é colocado (através da identificação) pelo conteúdo (objeto interno) da projeção inconsciente por parte do paciente. Como o espaço aqui não nos permite alongar, remetemos os interessados aos seguintes textos:

CONTRATRANSFERÊNCIA, UMA REVISÃO NA LITERATURA DO CONCEITO

CONTRATRANSFERÊNCIA: DAS PRIMEIRAS CONCEITUAÇÕES À CONTRATRANSFERÊNCIA FAMILIAR

A CONTRATRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA CONTEMPORÂNEA 



LA CONTRATRANSFERENCIA” - Alternativas Psicoterapéuticas en Niños ...Enfim, hoje praticamente quase todos teóricos e psicoterapeutas que manejam com a contratransferência reconhecem ser ela um importante instrumento diagnóstico, no sentido que nos propicia informações da vida psíquica regressiva do paciente. Amplia-se, assim, a regra da atenção flutuante, ou seja, o terapeuta não apenas escuta o que lhe diz ou que lhe omite ou não diz o paciente, mas também suas reações psicológicas e emocionais que este pode estar provocando em si.
Contudo, é um campo a ser ainda mais explorado, e existem alguns importantes controvérsias, afinal será que a contratransferência é apenas uma criação do paciente (provocando uma resposta à mesma no terapeuta)? Considerando ser o terapeuta também um ser humano, falho, vulnerável, carente, incompleto, neurótico e igualmente detentor de vazio na alma e de conflitos internos não suficientemente superados, será que parte do que chamamos de contratransferência não inclui aspectos transferenciais do terapeuta? Decididamente a psicologia, mais precisamente a Psicologia Clínica e a Psicoterapia não são ciências exatas e completas. O mundo psíquico humano é muito mais complexo e vasto que pode supor nossa vã consciência e conhecimento até o momento. Quem quiser receita de bolo, fórmulas prontas, respostas definitivas, roteiros pré-estabelecidos, ou acha que em termos psíquicos 1 + 1 = 3, talvez esteja na hora de repensar outras profissões, não acham? 
Ou como se questionava Fernando Pessoa, em seu poema Tabacaria:

Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

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