quinta-feira, 16 de abril de 2020

DIÁRIO DE AULA - FAMÍLIA: DIVÓRCIO


              Em latim herdamos a palavra divortium que é derivada de divertêre. Divertêre significa separar-se, razão pela qual divórcio representa separação, no caso a separação conjugal. Embora quem pense em casar não esteja pensando em se separar, a realidade do divórcio é hoje uma significativa presença no cenário brasileiro. O divórcio cada vez mais está se tornando uma possibilidade no ciclo de vida familiar e menos uma acidentalidade.
                Evidente que com o caminhar pela vida ambos os parceiros, ou um deles, sofram transformações ou evoluam com o tempo, às vezes essas mudanças e crescimentos se façam em ritmos diferentes e não complementares. Tal “gap” (hiato) que vai surgindo pode ir levando até mesmo a necessidade de uma separação. Um bom casamento no inicio não é sinônimo de que será bom a vida inteira. Conjugalidades que não mais proporcionam níveis de satisfação geralmente levam a problemas de convívio e desajustes conjugais.
                O divórcio quando acontece é um dos momentos mais críticos à família dentro do contexto do ciclo de vida familiar. Todo o sistema familiar sofre um abalo, algumas vezes de proporções sísmicas. Por mais consensual que um divórcio possa ser, a separação do sistema conjugal traz uma complexidade nova à família como um todo, sendo este, portanto, uma época de adaptação e ajustes.    
                 Com base a partir de mais um texto de Terezinha Fères-Carneiro, SEPARAÇÃO: O DOLOROSO PROCESSO DE DISSOLUÇÃO DA CONJUGALIDADE (http://www.scielo.br/pdf/epsic/v8n3/19958.pdf) vamos tecer agora algumas considerações sobre este importante tema que faz parte de todo e qualquer estudo sofre à família.
                Lembremos da aula (post) passada, quando enfatizamos que no casamento 1 + 1 = 3, ou seja, que o casamento implica a construção de uma nova identidade, além da identidade dos cônjuges. Pois é, quando acontece de haver separação conjugal a identidade conjugal construída vai se desfazendo. É uma desfazimento, ou um luto, com o “morto” vivo, aliás reciprocamente são dois “mortos” vivos. A elaboração do luto pela separação conjugal passa por este “morrer” bilateral.
                O divórcio não representa uma falência da ideia de casamento. Pode representar a falência daquele casamento específico e único, mas não do que se busca nele. Sabemos que o casamento é uma área importante de auto realização social e afetiva, e o término de um casamento não significa o findar do desejo de ser feliz casado. O divórcio não desqualifica em si o casamento, pelo contrário abre espaço para que um casamento, que não mais corresponde às expectativas e exigência, dos cônjuges possa ser deixado para trás e se parta em busca de um outro que as atenda. Por isto cresce também o número de recasamentos.  

                  Várias são as causas que proporcionam o divórcio, mas talvez a mais importante possa ser o desamor. Nenhum relacionamento acaba por nada, e em matéria de amor principalmente. Ambos os parceiros, direta ou indiretamente, tem sua parcela de culpa, seja por ato ou por omissão. Embora o divórcio seja algo que se encontra na esfera do jurídico, as questões subjetivas como sentimento e afetos não fazem parte do Direito de Família. Por isto deixemos as questões jurídicas relacionadas ao divórcio de lado (ou melhor, aos operadores do Direito) e nos debrucemos nos aspectos psicológicos do fato em si.
                Toda separação é sempre um momento de perda e de luto, afinal se dedicou tanto tempo sonhando e projetando no outro e no casamento elementos relacionamos a apego, segurança e felicidade. Para muitos, até, fica evidente o sentimento de desamparo que a perda do casamento enseja. Frustrações e decepções estão no pacote chamado divórcio. 
Resultado de imagem para separação                     Um longo e doloroso processo de luto necessita ser elaborado, principalmente pelo cônjuge que não tomou a iniciativa da separação. Trata-se de um findar de um projeto de vida até então compartilhado e que ambos investiram. Até o cônjuge que tomou a iniciativa da separação tem também seu luto a elaborar. E estamos aqui a falar também do luto pelos desejos secretos de nossas almas que buscam no outro autoestima, idealização, anseios infantis, bem como demandas mal resolvidas com as figuras parentais.
O luto pelo vínculo antes criado acomete ambos os cônjuges. O que tomou à dianteira (decidiu se separar) começou primeiro e dentro da vigência do casamento. O que foi deixado, por sua vez, se vê em meio a um olho do furacão. O sentimento de ser deixado, ser rejeitado, pode ser avassalador, principalmente junto à ideia de que o outro está bem e feliz sem ele(a). Todo e qualquer vínculo de apego quando “quebrado” gera muita tristeza, raiva, medo e ansiedade. São estes sentimentos, muitos vezes até contraditórios, que necessitam serem elaborados.
                 O luto é trabalho psíquico, cuja tarefa mental o enlutado deve desempenhar. Psicodinamicamente falando o luto envolve a libido e a agressividade que o enlutado deve recolher e redistribuir concreta e simbolicamente. A energia psíquica antes catexizada no objeto interno (representação mental do cônjuge) precisa ser desinvestida para que, por outro lado, possa ser reinvestida em outros objetos, no mundo e na vida. A perda é o início de uma transição (luto) que requer reorganização de vida.
Luto Humano como processo: refletindo aspectos teóricos e ...                A primeira etapa é sempre a aceitação da separação. Nos momentos primeiros é bem possível que haja fenômenos psíquicos de negação, mas é pela dor da aceitação que começamos o processo de diminuição e extinção da dor. Superado o choque, inicia-se uma nova etapa que passar por lidar com os sentimentos ambivalentes de amor, tristeza e ódio. Enquanto persistir a raiva, por exemplo, alguma não aceitação reside. Conjugado a isto o enlutado passa a preencher o lugar vazio deixado pelo outro no cotidiano, inclusive assumindo tarefas e funções antes exercidas por este. Desenvolvem-se habilidades que antes não eram utilizadas. Na conciliação dos desejos e lembranças opostas (“fui feliz com quem hoje me fez infeliz”) a fase de reorganização se processa, pois uma nova vida precisa ser vivida. E quando menos se vê a dor da separação e da perda, chega-e o instante em que o dor não dói mais.
                Alguns estudos sobre o tema apontam que para a família supere o luto e volte a se reestruturar em seus padrões usuais de comportamento leva-se um tempo estimado em dois anos no mínimo aproximadamente para que as famílias voltem a estabelecer um funcionamento mais satisfatório. Vale a pena o leitor dá uma pesquisada no assunto, podendo começar com RELAÇÕES FAMILIARES NA SEPARAÇÃO CONJUGAL: CONTRIBUIÇÕES DA MEDIAÇÃO, de Corinna Schabbel (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872005000100002&script=sci_arttext).

Leituras complementares:


http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382011000100003

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=9079&n_link=revista_artigos_leitura
                
Joaquim Cesário de Mello          


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