domingo, 20 de maio de 2018

De Corpo e Alma




Sempre tive preconceitos com  filmes que trazem temas de doenças. Falo daqueles filmes como Rain Man, O Óleo de Lourenzo,  Shine, Uma Mente Brilhante e tantos outros, que traçaram dramáticos e heróicos protagonistas e, principalmente, as suas história de adoecimentos. Julgo esses filmes de soluções fáceis, excessivamente pedagógicas, para não dizer, politicamente corretas. Acho que o politicamente correto alargou ainda mais a o terreno da hipocrisia, trazendo a ideia de que, na essência, as pessoas não seriam preconceituosas ou intolerantes - não defendo esses esses comportamentos, contudo não acredito na ingenuidade de que deixarão de existir. Muito desses filmes de que falei, trazem "lição de moral e cívica" ou de etiqueta na lida com o “diferente”, as vezes recusando que muitos desses “diferentes” não precisem de qualquer suporte - como seus eventuais adoecimentos ou sofrimentos fizessem parte de um modo de ser. Merecem louros aqueles que defendem essas ideias com objetivos de fazer uma política de inclusão social. Ponderemos, contudo, nos exageros.










Assisti a um desses filmes que, inclusive, foi vencedor do último Urso de Ouro de Berlim. Trata-se do filme  "De Corpo e Alma', da diretora húngara Ildiko Enyedi, um longa que traz os percalços da relação entre diferentes, em que um dos impasses, problematiza, em especial, o contato corporal/sexual  entre pessoas - este filme apesar de trazer à tona a situação da diferença, evidencia as tensões relacionadas à sexualidade humana. Concordo com aforismo  do psicanalista Jacques Lacan de que: "não existe relação sexual". De fato, a trama instintiva, ou melhor, pulsional, no humano é ambivalente e capenga, fato que culmina em satisfações parciais, incompletas e idealizadas, e irrealizáveis, afinal existe relação sexual?. Lacan criou frases polêmicas que  e infelizmente foram levadas ao pé da letra por parte dos seus seguidores, Contudo, nesse caso se comparamos a relação sexual instintiva entre animais com a nossa satisfação pulsional, sobra-nos um resto, uma falta. No filme, esse fato é evidente: o contato físico só se dá sem tensão, em boa parte da trama, sob a mediação de um sonho. Sonho curioso por sinal: o casal  protagonista sonhava que eram dois animais - dois cervos que viviam numa floresta. se continuar dou spoilers. Bela metáfora, contudo.

filme recomendadíssimo.  

Guilherme Leão

domingo, 13 de maio de 2018

O MAIS SINCOPADO DOS DIAS

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Hoje é domingo, e tudo parece tão diferente do ritmo e dos sons dos outros dias. Domingo tem ares de nostalgia e de melancolia para alguns, enquanto para outros cheira a churrascos e a salinidade das praias. Ainda há aqueles que reservam o domingo para ver os pais ou avós. Para estes o domingo tem sabor de macarronada e lasanha. Decididamente domingo é um dia desigual e discordante. 

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Há uma inquietante lentidão nas horas dominicais onde se subverte a ordem natural das coisas. Porém quando o domingo acaba tudo volta a continuar na mesma. Então por que existem os domingos? Kafka já dizia que os outros dias é que são cruciais para se preparar para a chegada deste dia em que somos lançados no confundir dos nossos hábitos e rotinas. Inimaginável uma semana sem domingo. Domingo é um mal (ou um bem?) necessário.

Certo estava Proust quando afirmou que os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem. Creio que se os calendários pudessem falar diriam estranhar os domingos. 

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Uma existência humana não é feitas de dias, meses ou anos, mas de intervalos entre os domingos. Nossa alma não envelhece. Quem envelhece são os domingos da alma. Há domingos chatos e domingos alegres ou divertidos. Há domingos sonolentos e preguiçosos, e há domingos agitados e buliçosos. Existem aqueles que exalam aromas de livros, enquanto outros emanam olências de cravos. Todo domingo é igual, todavia todo domingo não é igual. Semelhantes são as missas e os jogos de futebol. Domingo não. Domingo é indisciplinado e rebelde. Representa a insurreição do tempo. Devia-se nascer e morrer aos domingos.

Domingo é dia de coçar pentelhos, tomar cervejas, rezar terços e rogar pragas. Domingo é um dia para esconder nosso anonimato e desaparecer.
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Os pássaros voam e cantam diferente. O vento sussurra segredos inaudíveis. O sol é mais quente e a chuva mais fria. Até o tédio é mais poético. Não há bocejos que não sejam ruidosos, ou cochilos que não sejam prolongados. A solidão dos domingos é a nossa melhor companhia, inclusive os minutos se tornam indiferentes. Nada se repete nos domingos que se repetem. 
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As pessoas param mais para conversar. As pessoas param mais para se isolar. Tem os que meditam e os que fogem. Tem os que acordam e os que adormecem. Os homens das segundas, das quintas e dos sábados não são os mesmos das horas dominicais. Até os beijos ficam mais deliciosos. 

Devia-se nascer e morrer aos domingos.

Joaquim Cesário de Mello