domingo, 29 de maio de 2016

Mais Uma...

O recente ocorrido com a modelo Ana Hickmann traz com frequência a mesma demanda de perguntas e de temores: se o agente do ato  era mentalmente são, e se, sendo insano -  ou “louco” - , esse tipo de insanidade  levaria com mais frequência a atos violentos. Não me aprofundei  nem me aprofundarei neste episódio específico, mas posso afirmar  que foi um ato criminoso passional e, crimes passionais, não nos faltam no dia-a-dia, no entanto, quando, como nesse caso, ocorrem dentro da perspectiva delirante, são mais midiáticos.  O que dá  fama é o aspecto bizarro do acontecimento -  o bizarro é, sem dúvida, mais noticioso. Em cima dessas bizarrices surgem os preconceitos ou as caricaturas dos “loucos” desvairados. Aqui, cabe uma reflexão: a proximidade entre as palavras loucura e paixão deixa os seus estudiosos a arrancar cabelos, pois como bem afirmou Blaise Pascal, “o amor tem razões que a própria razão desconhece”. Pois, por que tentamos, infrutiferamente,  encontrar essa racionalidade em território tao movediço? talvez, as teorias do amor sejam mais uma dessas ilusões necessárias.

Por muito tempo se pensou a loucura como fruto da irracionalidade; de um lado estavam as mentes “sãs” ou racionais  e, do outro, os sujeitos insanos irracionais. Contudo, se partirmos da ideia de indivíduo  “normal” como plenamente racional, chegaremos a um  sujeito inexistente e impossível - diria até desagradável - e, essa simplória conclusão, nos levaria a famosa frase de Caetano Veloso, que, “de perto ninguém é normal”. Se não existem parâmetros seguros de normalidade, se somos uma aldeia habitada pela irascível irracionalidade, como funcionaria, enfim,  a mente dos loucos. Respondo:  diferente, mas não tão diferente  da alma dos pretensiosos normais. Tudo que se sabe a respeito dos quadros de psicose é ainda superficial, assim como tudo que se refere ao psiquismo supostamente normal.

Embora que aqui não vamos dar destaque,  não  devemos  desmerecer as importantes teorias neuroquímicas e neuropsiquiátricas que, do mesmo modo que as hipóteses psíquicas, tem importantes esboços  teóricos  da mente humana.   Vejamos alguns acontecimentos:  Há cerca de vinte anos, uma conhecida atriz brasileira anunciava seu casamento com já o consagrado ator George Clooney, chegou, inclusive, a esmiuçar os detalhes da cerimônia em programa de televisão.   Dias depois, talvez meses, o equívoco se revelaria, Clooney sequer havia conhecido essa “senhora” e estranhara ideia tão estapafúrdia. Anos antes, em 1993, um psicanalista  seria assassinado por sua paciente que acreditava estabelecer relações íntimas de forma telepática e, ainda, contra a sua vontade. Na mesma época,  o namorado também de uma celebridade cometeu suicídio, por acreditar que sua mulher teria sido infundadamente  infiel e se envolvera com vários parceiros de profissão. Sob a alegação de que "o mundo é sujo" comete o ato na frente da atriz. Todos esses casos envolvem paixão e, eventualmente, ideação delirante mas nem sempre são considerados "loucos de carteirinha", alguns nunca se trataram ou sequer tiveram alguma consulta com especialista, e mais uma vez, ganharam fama por conta da bizarrice do ato. 

 O psiquiatra  Gaëtan Gatian de Clérambault  em meados do século XX sintetizou um curioso quadro de comportamento delirante, do qual nomeou como delírio erotomaníaco - posteriormente chamado de síndrome de Clérambault. Nesse quadro, o sujeito, em sua maioria do gênero feminino,  se via envolvido amorosa e “secretamente” com pessoas de destaque ou de evidência públicas. Essa relação segue os mesmos padrões superlativos da paixão  - não tão diferente dos apaixonados normais, mais intensa, contudo. As únicas e marcantes diferenças estão no fato de que é uma construção inteiramente, e, toma o cotidiano do seu acometido, como se tudo que ocorresse no seu entorno, fossem sinais, senhas ou  codificações que apontam para a essa bizarra relação passional. Na maioria das vezes, as pessoas acometidas por síndrome erotomaníaca são pessoas solitárias e convivem, ou conviviam,  de forma reservada com sua paixão proibida. Falei conviviam, porque, hoje, em se tratando da realidade de redes sociais, o espaço de reserva, o espaço privado, vem se reduzindo e se submetendo as exposições públicas. No passado o alvo da paixão poderia receber um ou outro telegrama, ou correspondência de correiros anônimas, hoje  é  importunado a toda hora, por todo tipo de pessoa, inclusive, por esses reservados delirantes - Uso a palavra "reservado" porque, nesse caso, corresponde a maioria.  

O mundo delirante não tem o mesmo compromisso com a realidade que o não delirante. Se vivemos conflitos, sofremos com nossas renúncias, nossas feridas narcísicas, com o nosso orgulho, e na síntese de suas soluções,  o  pensamento delirante suplanta esses desacordos,   reportando ao mundo da infância de todos nós. Cria-se, como naquele tempo, tramas  de ideias sobrevaloradas que só o tempo e a experiência vão dilapidando. Se quando criança acreditamos que um homem ou uma mulher adultos, sejam eles professores, parentes ou amigos dos mais velhos, correspondiam a nossa admiração com paixão,  por muito tempo esperneamos ao imaginar que toda essa história partiu única e exclusivamente de nosso desejo e de nossas fantasias - no pensamento delirante, a fantasia ganha o “status” de realidade e, mais, sustentam provisoriamente parte da vida mental. Frente à desgraça ou a ruína de cada um, o delirante não encontra escoras que suportem seus impasses pessoais, a sustentação se dá pela recusa da realidade. O amor delirante tenta dar um novo sentido, embora que com muito sofrimento, as questões vivenciais do seus acometidos - um bom exemplo disso está no formidável texto de Gogól, na Rússia do século XIX," O Diário de um Louco". contudo, não precisamos ir tao longe no tempo nem no espaço. Folheando o livro de poemas Meio-dia Eterno do escritor pernambucano Austro-Costa, deparo-me com vestígios de Clérambault no seguinte soneto:

Mais Uma...

A que me escreve agora é Margarida
Margarida Isuré... Quem será ela?
Grafologicamente, o que revela
é que vai terminar doida varrida

É um caso grave e triste, o "caso" dela.
Lunática perfeita... Convencida 
de que só ela é o meu amor, na vida...
"Tua serei, ou morrerei donzela!;;;"

A letra dela, a da segunda carta
é a mesma letra da que assina Marta...
Maluquice? Freudismo? Ou brincadeira?

Sei lá... coisas, talvez de vitalina,
de solteirona que quer ser menina
e que ainda acaba na Tamarineira...

MARCOS CREDER


segunda-feira, 23 de maio de 2016

DIÁRIO DE AULA - FUNÇÃO PATERNA


             FUNÇÃO PATERNA


                Parece mais fácil compreender a função materna do que a função paterna, principalmente quando ela é descrita como tendo uma função dessimbiotizante. Chego a rever os olhares de atonicidade e confusão nos olhares dos alunos de antes frente ao termo quase palavrônico: dessimbiotização. Parecem surdamente perguntar “que danado é isso?”.
                É uma função que aumenta a complexidade à mente infantil em formação, pelo simples fato de representar uma terceira pessoa em jogo, uma nova e inédita função. Se a mãe é o primeiro não-eu da vida de uma criança, o pai é o primeiro não-mãe da vida da mesma. Lembremos que a relação inaugural mãe-filho uma relação psiquicamente (aos olhares infantis) fusional e simbiótica. É a primeira experiência humana de par. Nela a mãe é quem atende as expectativas, anseios, desejos e necessidades do bebê. É uma relação de completa e natural dependência do infante frente a seu cuidador original. Depois, bem depois, vem o pai, ou melhor, a função paterna.
                O pai, assim como os demais circundantes da vida de um bebê, conjugam-se em um ambiente narcisicamente materno. É como se todo o ambiente fosse uma grande e enorme mãe, embora muitas vezes seja a criança “pegada” de maneira diferente por este ambiente-mãe, bem como outras vezes o cheiro seja diverso e a barba espinhe a face da criança-filho. Aos pouco o pai, como pai e enquanto pai, vai retomando seu lugar junto ao objeto primário cuidador (mãe). Essa entrada na relação de estreita intimidade psíquica, afetiva e biológica, que é a relação mãe-bebê, vai sendo sentida como uma espécie de invasão e ameaça de separação do par idílico.
              A vida para um bebê, antes da “chegada” do pai, era mais simples, pois era uma díade de caráter simbiótico. A “descoberta” da existência do pai transforma a díade em tríade.  O mundo não é mais circular, mas triangular. É, entramos no âmbito do famigerado “complexo de Édipo”. Não custa nada lembrar que o tal do “complexo de édipo” transita na mente humana no campo do simbólico. O pai, a função paterna, deixará marcas psíquicas em seu filho, mesmo que não tenha sido esta sua intenção, afinal a função paterna (pai) retirará o sujeito infante da fase de alienação junto ao corpo materno. Por seu caráter limitador divide a relação imaginariamente simbiótica da criança. Daí ser comum encontrarmos expressões associativas à figura paterna como “Lei”. Sim, lei. E com L maiúsculo.



                Brincadeiras, estereótipos e caricaturas à parte, na problematização do complexo de Édipo entramos no período desenvolvimental freudianamente chamado de fase fálica, por volta dos 3 anos de idade aproximadamente É quando a criança começa a “encarar” o pai como um rival, rival na disputa do amor materno. Bem resumidamente falando é quando, na fantasia, a criança vê esta terceira pessoa (pai) como alguém que fica com a mãe que era dele (na ilusão narcísica dos primeiros tempo de vida) e que assim o impede de continuar mantendo seu desejo de ter a mãe só para si. A fantasia infantil do bebê do início da criança (de possui amor total e pleno da mãe) agora é “quebrada” com a realidade de que a pessoa da mãe não existe somente para ela. A pessoa da mãe também é do mundo de outros objetos. Corta-se um outro cordão umbilical. Eis a dessimbiotização.


        Claro que o pai (ou quem o represente) só funcionará de maneira dessimbiotizante caso a mãe assim o permita, ou seja, a gradual separação narcisista mãe-filho e a entrada do pai na cena edípica só se fará se ela vê a pessoa do pai como objeto de parte dos seus desejos. Caso uma mãe narcisicamente esteja vinculada ao seu filho, este pai, embora existente como pessoa concreta, não fará inscrição simbólica no psiquismo infantil, visto que ele não é objeto de desejo da mãe e, por isto, também não é rival no jogo triangularl do desejo. Caso ela não esteja emaranhada narcisicamente com seu filho este poderá sair do narcisismo psíquico natural da primeira infância para um outro estágio: o social.
                A ausência da função paterna na formação psíquica de uma criança nos leva ao campo de personalidade deficitária nas questões dos limites internos. Vide, por exemplo, A AUSÊNCIA DA FUNÇÃO PATERNA NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA JUVENIL, de Sandra Araújo, em http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000082005000200006

              Outro texto recomendável no tocante a ausência da função paterna durante o desenvolvimento de um filho também é encontrado em AUSÊNCIA PATERNA E SUA REPERCUSSÃO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; UM RELATO DE CASO, de Maria Eizirik e David Bergamann, em http://www.scielo.br/pdf/rprs/v26n3/v26n3a10.pdf

         Enfim, para fins de resumo, recapitulemos. Nos primeiros dias e meses a mente infantil vê a mão como um prolongamento de si. Aos poucos a realidade vai se impondo e esta mesma mãe começa a ser percebida não como um prolongamento psíquico da mente infantil, mas sim como alguém separado dela. Neste separação mãe-bebê a mãe também tem outros interesses que não somente seu filho, e outros desejos que não apenas o seu filho. A criança, assim, vai paulatinamente percebendo que não é ela o único alvo de interesse materno, e que existem outros objetos que a mão investe psicológica e libidinalmente. Uma mãe assim sadia propicia ao seu bebê a desilusão de que ela e ele não viverão eternamente uma relação fundida e/ou simbiótica. A função paterna – aqui representada pelos outros interesses da mãe que não unicamente seu filho – é como um interdito, uma intervenção limitante nas fantasias fusionais infantis. Este interdito, este corte, este limite, por sua vez, possibilita a inserção simbólica da criança no social. Tal interdição se faz fundamental, pois abre espaço para que o processo de individuação tome seu curso e vá se realizando. 
                O pai representa, pois, um libertar-se do colo materno e um lançar-se na vida do filho rumo ao desbravar do mundo e da vida. Ao se impor à mente infante a realização plena dos desejos narcísicos, dá-se essencial passo para a ordem e os limites da própria vida, tão fundamentais para um bom e saudável convívio social a posteriori. A função paterna, em conclusão, é parte essencial e saudável para o crescimento da criança como ser subjetivo e também social.
Joaquim Cesário de Mello







domingo, 22 de maio de 2016

POEMA DE AMOR AO CONTRÁRIO





Não quero te ver envelhecer ao meu lado
não te escolhi pra te perder
prefiro a permanência do breve instante
que a longevidade prometida das minhas ausências

Não quero que me vejas envelhecer ao teu lado
nem que chores em meu túmulo molhado
fiquemos juntos pois neste retrato
e que o hoje seja sempre sem nenhum amanhã

De que adianta filhos e casa
se tudo ao futuro deixaremos
que nos agarremos pois um ao outro no presente
este imenso inchaço infértil de tantas transitoriedades

Não te quero nem me quero
em lembranças e memórias
desejo-te agora como és e sempre serás
plena suave e morna assim
como assim é toda e qualquer eternidade.

Joaquim Cesário de Mello

quinta-feira, 19 de maio de 2016

TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE

Os transtornos de personalidade, segundo o DSM, podem ser subdivididos em 3 grupamentos, a saber:

GRUPO A (esquisitos, excêntricos)

Esquizotípico

Esquizóide


Paranóide

GRUPO B (dramáticos, imprevisíveis, irregulares)

Narcisista

Histriônico
Borderline
Antissocial

GRUPO C (ansiosos, receosos)

Esquiva
Dependente


Obsessivo-Compulsiva


domingo, 15 de maio de 2016

Oscar Wilde e Samba-canção

Depois de muitos anos,  alimentado por infundado preconceito, passei a ser um leitor assíduo de biografias. Qual seria a razão desse preconceito? Achava, entre outras coisas, que as biografias eram  um falso relato da vida de uma suposta pessoa que (não) existiu - um retrato sentimental e afetivo mais do biógrafo do que  do biografado. Tem biógrafos, inclusive,  que são tão agradáveis e conhecedor de seu personagem ilustre que, talvez, o próprio biografado não se reconhecesse no seus textos. Há uma modalidade de  biografia escrita pelo próprio biografado, enfim, um tipo de autobiografia, que assim não pode ser inteiramente classificada, por ter elementos de ficção. São  os interessantes “romances de formação”. Por muito tempo achei esse tipo de texto, apesar de inverídico, mais, bem mais, honesto que a escrita confessional. Li alguns.  Há maravilhosos textos de Goethe, Thomas Mann, Proust, Pedro Nava, Roth, autores que fizeram de suas recordações, elementos para um deslize ficcional - fato que dá beleza e  realidade ao texto. Realidade? Sim, realidade… Sou  adepto a certos paradoxos e não posso deixar de me recordar de Oscar Wilde num livro bastante instigante: “A Decadência da Mentira, Um Protesto”. afastando todas as ironias, chacotas e as provocações de Wilde, devo concordar com ele que a verdade é muito mais expressa na ficção do que nos supostos fatos verídicos. Diz Wilde que Platão ou Sócrates ao relatarem  passagens de suas vidas estavam contando verdades, contudo, verdades que não ocorreram.  Segundo esse escritor, os pensadores de nosso tempo contam mentiras que ocorreram - nada mais desagradável que a vida sem arte -  e arte sobretudo é invencionice. Eis o paradoxo. Minha formação em leituras de psicanálise faz concordar com Oscar Wilde. As pessoas trazem seus sofrimentos às sessões terapêuticas sem ter a menor ideia de que estão enganadas, iludidas e de que falam  dando ênfase, apenas, aos seus desejos e versões. Falar sob influência do desejo é criar e/ou mentir, mas nele, no desejo, há verdades. E assim fazem os biógrafos e cronistas, “criam” imaginando que estão narrando fatos verídicos e inquestionáveis.

Desse modo, comecei a admirar as biografias.


Se uma cidade brasileira pudesse ser personalizada numa pessoa biografável essa cidade seria o Rio de Janeiro. Imagino o Rio de Janeiro como uma mulher impulsiva - diriam no passado,  volúvel -  uma cidade inteligente, natural, insone, bela e assimétrica - com predileção pelo madrugada e pelo entardecer. Por que falo tão bem de uma cidade tão geradora de polêmicas - alguns dirão que minto, pois há por lá bandidagem, contravenção, sofrimento, desigualdade, injustiça. Enfim, minto dizendo verdades. E Ruy Castro poderia ser tão mentiroso quanto eu quando escreveu o recém-lançado  livro “A Noite do Meu Bem” , um texto que considero a biografia noturna do Rio de Janeiro. O livro é maravilhoso, cativante, sedutor. Interessante que, mesmo tendo preconceito com o samba-canção, ao ler a sua história, as suas origens, tenho vontade de procurar artistas e melodias daquela época, especialmente dos anos 1950. Achava - talvez ainda ache - o samba-canção uma modalidade musical muito melancólica. Mas a melancolia, por si só, não diz tudo,  tem beleza.  Nesse estilo musical, contudo,  transbordava-se, eventualmente,  de um certo pieguismo. Ruy Castro, convida-me a uma reconsideração  e assim como um bom samba-canção, pede-me "uma nova e boa chance" de ouvi-la novamente. Se eu pensava que a bossa-nova era o mais carioca dos estilos musicais surgidos no Brasil, hoje julgo, que antes, ainda de madrugada, reinava, com boa qualidade, o samba-canção, como se,  para  cantar uma paisagem carioca ao som da bossa-nova, tivéssemos  que  ter despertado de um sonho ruim e descortinado o dia claro que já amanhecera. Considero uma música emblemática que bem representa esse espírito carioca entre a bossa nova e o samba-canção, a música de Dolores Duran e Tom Jobim: Estrada do Sol. Se  o leitor se interessar em conhecê-la, não deverá somente ler os seus versos, deverá escutar a música, as palavras cantadas que formam essa bela canção - deixei abaixo uma versão interpretada por Elis Regina. 

Quem era dolores Duran? uma das rainhas do samba-canção. quem era Tom Jobim. um dos criadores da Bossa nova - se quiser saber mais, leia Ruy Castro. Dessa junção de talentos e de estilos,  surge a canção tão carioca, tão feminina. O livro de Ruy Castro é um primor, um texto que você teme por terminá-lo, uma história que se deixa adormecer e permitir-se sonhar com a biografia de uma cidade. 



Marcos Preder
   

domingo, 8 de maio de 2016

MEXERICOS & ZUNZUNZUNS

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Alguns podem dizer que vivemos em um tempo de boatos e fofocas, principalmente porque vivemos a "era da internet". Porém acaso alguém assim o diga está equivocado. Não, não vivemos um tempo de boatos. O boato e a fofoca acompanham a humanidade desde que a humanidade começou a existir. O professor e escritor de História, Yuval Harari, em seu instigante e recente livro "Sapiens: História Breve da Humanidade", afirma categoricamente: "O fogo deu-nos poder. O boato ajudou-nos a saber cooperar". O boato é por excelência um fenômeno social. Alguém chegou até a dizer que o boato é o meio de comunicação humana mais antigo. Quanto menos se conhece da realidade, ou quanto menos informações fidedignas temos, mais abre-se espaço para o boatar e o fofocar. Sabe aquele tal de "ouvir dizer...". Pronto, prepare-se, muito provavelmente você está frente a um boato ou uma fofoca. Mesmo antes do homo sapiens haver desenvolvido a escrita já havia a fofoca, o boato. 
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A revista Superinteressante certa vez disse que boatos estão presentes em todas as sociedades e "envolvem, na sua propagação, indivíduos de qualquer idade e estrato social. O conteúdo, a dimensão e as conseqüências da mensagem variam segundo as condições do momento em que ela circula. Se um boato se espalha é porque encontra eco nos ouvintes, ou seja, para eles, naquele instante, a história faz algum sentido – não soa como mentira, mas sim como algo crível. Os pesquisadores que estudam o tema não têm dúvidas: trata-se de um fenômeno universal, permanente e necessário para a organização social". E provavelmente tudo começou com o boca-a-boca, isto é, quando nossos ancestrais começaram a aprender a falar. E como o ser humano fala! Fala tanto pra fora quanto pra dentro.
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Sugestivo o título do livro do psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, "Tratado Geral Sobre a Fofoca: uma análise da desconfiança humana". Será que o referido título baseia-se na célebre percepção de Hobbes de que o homem é o lobo do homem? Para Gaiarsa cerca de 20% de nossa conversas são funcionais. As restantes (80%) são "conversa fiada", pura tagarelice. Para ele a fofoca é o mais fundamental dos fatos humanos e "acontece de tal forma que se esconde na medida que aparece", isto é, quase ninguém reconhece que está fofocando. Nos dizeres de Gaiarsa a fofoca "é uma rede pública secreta".
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Claro que existem boatos e fofocas que se iniciam de maneira maldosa e intencional, porém nem todo boato e fofoca tem sua origem na intencionalidade volitiva da maledicência, intriga e difamação. Muitas vezes - e não são poucas as vezes - o início da formação de um boato é involuntário. Lembremos que a base de um boato em seu nascedouro é a desinformação. No fundo no fundo gostamos de falar da vida alheia. E há na chamada natureza humana uma certa atratividade pela dramaticidade e pela tragédia (vide o sucesso dos programas de reality show e dos big brothers da vida). Some-se a isso uma outra necessidade que nos é intrinsecamente humana que é a de narrar e contar histórias. E, afinal, o que é uma fofoca ou um boato senão uma invencionice que se desdobra boca-boca a partir  de uma uma criação fantasiosa (intencional ou não) que começa lá atrás em alguém que não sabemos mais quem é ou foi. Difícil muitas vezes saber quem foi o primeiro boateiro. O psicólogo americano Gordon Alport, em seu clássico livro "The Psychology of Rumor", afirmava que um boato é um sintoma da má qualidade das comunicações. Para ele a fórmula da intensidade de um boato era: i = a x b, onde i (intensidade do boato) é resultado da ambiguidade da notícia (a) multiplicada pela importância da notícia (b).
Resultado de imagem para bisbilhotarFofocar é bisbilhotar, mexericar. O fofoqueiro não deixa de ser um xereta que adora especular sobre a vida alheia. De certa forma todos somos aqui e acolá, um pouco mais um pouco menos, fofoqueiros. Quando uma notícia corre de boca-em-boca sem veracidade confirmada e até mesmo sem origem conhecida, estamos frente a um boato. De vez em quando, sem que nos apercebamos, estamos contribuindo para propagar e prolatar um boato. Nos subterrâneos da psicodinâmica de uma fofoca podemos encontrar inveja e raiva que se encontram dissimuladas no prosaico ato de fofocar. Um fuxiquinho aparentemente despretensioso nada mais é no fundo do que um ataque e uma difamação disfarçadas de comentário. A principal diferença entre um boato e uma fofoca reside nas motivações e nas dimensões. Um boato se espalha por um largo espectro de pessoas, enquanto a fofoca concentra-se no grupo mais restrito de ouvintes e espalhadores. Para o cineasta e humorista Woody Allen a fofoca é uma espécie de nova pornografia. 
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Não há como não perceber o substrato perverso da alma humana. Mesmo que inconsciente a perversidade é o grande terreno fértil de onde brota boatos e fofocas. Naturalmente no dia-a-dia acreditamos em boatos, repassamos boatos. No corre-corre do cotidiano várias são as vezes que participamos de fofocas e fuxicos. Mentimos e caluniamos sem até nos darmos conta. Faz parte da luta diária da vida. É quase um passatempo. Respiramos fofoca diuturnamente, até quando estamos a ler jornais, revistas ou assistindo noticiários televisivos. Quantas notícias falsas, difamatórias ou manipulatórias somos submetidos através da roupagem jornalística? Afinal, como crer em um jornalismo "isento" quando no Brasil a grande mídia é controlada por uma nem meia-dúzia de famílias oligárquicas de pensamento único e hegemônico? (vide: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/asquatro-familias-midiaticas/) A verdade que bebemos como verdade é editorializada. Na internet então, nem se fala. Notícias fake é o que não faltam. Como disse o escritor e semiólogo italiano Humberto Eco "as mídias sociais deram o direito à fala a legião de imbecis" (mãe, ói nós aqui na foto!).
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Para o psicólogo americano Frank McAndrew, fofocar é uma maneira de controlar as pessoas e cada sociedade tem seu grau de tolerância à fofoca. Porque somos seres dotados de linguagem e fala inevitavelmente somos seres de fofocas e boatos. Histórias atiçam nossas mentes, fantasias e imaginações. Temos uma necessidade instintiva de entender o mundo, os acontecimentos e as pessoas. O disse me disse faz parte de nós. É da nossa natureza. Nossa imaginação é por demais tendenciosamente difamatória. Então, cuidado. Lembre-se dos versos de Mário Quintana: "não te abras com teu amigo/que ele um outro amigo tem./E o amigo do teu amigo/possui amigos também..."

Joaquim Cesário de Mello