domingo, 30 de setembro de 2018

DOPAMINA: O FLUXO DO PRAZER

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Recentemente iniciei novamente minha luta para parar de fumar. Digo novamente, pois em torno do entre meus 26  e 39 anos havia deixado "de vez" de fumar. Pois é, eu que à época me achava livre do vício da nicotina arrogantemente voltei a dar pequenos tragos. De pequenos em pequenos tragos retornei ao antigo vício, inclusive com força redobrada, ao ponto de chegar a fumar até dois maços de cigarro por dia, e olhe lá: às vezes até um pouquinho mais. Hoje, reconheço, uma vez drogadicto sempre drogadicto. Cabe a nós, cada drogadicto, evitar o primeiro gole. Sim, sou um drogadicto (mas quem não é?, seja por café, álcool, rivotril, whatsapp, coca-cola, jogo, maconha, chocolate, corrida, séries, neosaldina... tem até quem se vicia em trabalho e sexo) e batalho arduamente para me tornar um drogadicto limpo (clean).

Resultado de imagem para dopamina, prazerMas não é da minha luta que quero tratar aqui no momento, mas do que contribui em muito para nos viciar que é essa tal da dopamina. Há quatro substâncias químicas que naturalmente nosso organismo produz: endorfina, serotonina, oxitocina e dopamina (uma espécie de quarteto da felicidade). Desses, a dopamina tem seu destaque e relevância. A dopamina é um neurotransmissor (catecolamina) que nos oferece sensações de bem-estar e prazer. Quem não quer se sentir assim? E é aí que mora o perigo.
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A dopamina faz parte da nossa bioquímica e participa do nosso circuito de recompensa do cérebro (circuito mesocorticolímbico), pequeno grupo de regiões cerebrais que tem como função promover e estimular comportamentos. Trata-se de um sistema que quando ativado proporciona sensações de prazer e satisfação. Quando nos deparamos com um estímulo gerador de prazer o cérebro produz mais dopamina. Isso cria um círculo vicioso que nos tende a repetir comportamentos e ações que primordialmente nos deram prazer.

Resultado de imagem para euforia, prazer, drogaEmbora provavelmente a dopamina não seja a única vilã da dependência, ela é fundamental no tocante ao vício e ao comportamento compulsivamente adicto. A dopamina, conjuntamente a serotonina, é um neurotransmissor ligado a sensações e sentimentos. Enquanto a serotonina está relacionada a sentimento de bem-estar, a dopamina está relacionada a sensações de euforia e entusiasmo. Estudos realizados com pessoas consumidoras frequentes de cocaína, por exemplo, demonstram que tal uso eleva os níveis orgânicos de dopamina. E quanto mais a pessoa consume a droga, mais o próprio corpo se habitua e ela passa a buscar cada vez a substância para voltar a ter as mesmas sensações de prazer, êxtase e euforia. Estabelece-se, assim, comportamentos repetitivos que levam ao vício. Evidente que existem outros fatores biológicos, biográficos e idiossincrático que se somam à questão, porém a dopamina tem aqui seu lugar de grande destaque.

Resultado de imagem para cigarroE o que ocorre no tocante ao cigarro? Fumantes têm em média menos 40% de monoamina oxidase B  (enzima responsável por degradar monoaminas como serotonina e dopamina) do que os não fumantes. Sãos dois os tipos de monoaminas, a A (MAO-A) e a B (MAO-B). Assim, o que temos é concentração sináptica. Quando se traga um cigarro leva-se cerca de menos de 10 segundos para a nicotina chegar ao cérebro e desencadear liberação de dopamina. O efeito pela presença de nicotina no organismo é de aproximadamente 50 minutos (daí um dependente químico de nicotina fumar às vezes mais de um cigarro por hora).

Resultado de imagem para nicotinaO princípio ativo do tabaco é a nicotina que, por sua vez é uma substância alcaloide básica. Os alcaloides geralmente atuam no sistema nervoso. Grande parte do poder viciante do cigarro vem da nicotina, que age sobre receptores específicos no cérebro que, quando ativados, geram sensações de prazer por liberarem maiores doses de dopamina. Por isso o cigarro é bastante viciante, pois tem sobre nós efeitos euforizantes.
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A dopamina vicia. Quanto mais a experimentamos mais queremos mais dela. Daí o termo dopamina, união dos vocábulos dopa (do verbo dopar) + amina (composto químico orgânico). Sim, dopamina nos dopa, deixa-nos chapado de prazer. Por isso é tão difícil deixar de fumar para quem depende da nicotina para gerar suas cotas diárias de dopamina.

Resultado de imagem para fissura, cigarroOs fumantes aliam o hábito de fumar como uma forma de relaxar dos estresses da vida. Mas os estresses da vida continuam mesmo para os que estão tentando deixar de fumar. Cigarro não é só uma relação bioquímica de dependência, mas é igualmente hábito e comportamento. Bate na gente (os que estão na luta para deixar o tabaco) aquela fissura (craving), que é uma intensa ânsia por fumar. O danado é aguentar. Mas ela passa, eu sei que ela passa, afinal anos atrás deixei por mais uma década de fumar. E a vida continuou...

Ah!, que saudade do meu traguinho.

Joaquim Cesário de Mello

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

DIÁRIO DE AULA: AMOR

SOBRE O AMOR:
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES


       Freud já no início do século XX dizia que a escolha do objeto amoroso na vida adulta parte em parte dos primeiros objetos amorosos da infância. Segundo a visão freudiana um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais: ele mesmo e a mãe.
     Creio que não se é preciso ter minimamente qualquer conhecimento de Psicologia para se reconhecer que primeira experiência amorosa do ser humano é com os pais, mais precisamente com a mãe ou quem ocupe o lugar da função materna.

       Ninguém nasce amando. Os afetos inatos ou primários são a ansiedade, o medo e a raiva. Afetos secundários – chamados pelos americanos de “afetos sociais”, visto serem desenvolvidos através de experiências interpessoais – são ciúme, pudor, vergonha, culpa, gratidão e amor, entre outros. São emoções complexas construídas sob o contato com os outros e a cultura, e que têm como base as emoções primárias. Nossa primeira escola afetiva é a infância e é de lá que trazemos muito de nossa bagagem emocional à vida adulta.

                O ser humano nasce sem ainda conhecer o mundo que o circunda e muito menos as pessoas que nele habitam. A mente humana primariamente é solitária, isto é, vazio de pessoas. A mente rudimentar é, portanto, anobjetal e amúndica, sem qualquer noção da existência de qualquer coisa que não seja ela mesma. Sabemos que isto é uma pura ilusão da mente que originariamente continua funcionando fora do útero materno como se fetal ainda fosse. Como bem descreve Margaret Mahler, o nascimento psicológico vem depois do nascimento biológico. No início da existência humana além do útero a noção de Eu é tão somente um potencial a se realizar. E o Eu nasce, posteriormente ao nascimento biológico, através da relação com o ambiente cuidador. 

   O bebê vai gradualmente descobrindo-se dependente de alguém. É como se o psiquismo fosse aos poucos se dando conta de que não é uma solidão existencial. A mente descobre a mãe, ou mais precisamente seu primeiro objeto, seu primeiro não-eu.

    É através dos cuidados maternos, no interjogo das gratificações e frustrações, que surge o objeto externo frente aos olhos infantis. É a mãe quem o sustenta, é a mãe quem o alimenta, é a mãe quem o protege, é a mãe quem o agasalha, é a mãe quem atende suas mínimas necessidades, é a mãe...
       É com este objeto materno que o ser humano toma contato e desenvolve seus primeiros afetos secundários. Decididamente, a mãe é o primeiro objeto para onde a energia psíquica e atenção do bebê se dirige. A mãe é o objeto que satisfaz, ou frustra, nossos mais íntimos desejos de então.

         No principiar da vida é da natureza psíquica humana ser narcísica. Narcisisticamente nos “achamos” ou nos sentimos TUDO. Pensamos (e aqui o pensamento ainda não é linguístico ou simbólico, nem regido por qualquer Princípio de Realidade, mas sim pelo Princípio do Prazer, um pensar primitivo e sensório-motor) que somos AUTO SUFICIENTES, ONIPOTENTES, COMPLETOS, enfim PERFEITOS. Contudo isto não condiz com a realidade, pois na verdade um bebê humano é DEPENDENTE ABSOLUTO, IMPOTENTE e frágil frente à satisfação de suas próprias necessidades, INCOMPLETO, enfim IMPERFEITO. Eis aí nossa primeira adaptação psíquica, que conjuga-se ao se ajustar a um mundo extrauterino, nosso primeiro e fundamental conflito entre o Princípio de Prazer e o Princípio de Realidade. Caso o bebê não venha ao mundo com nenhum “defeito de fábrica” a realidade sempre vence, ao menos em grande parte.

Resultado de imagem para SIMBIOSE, MÃE BEBE                O descobrir-se dependente, vulnerável, incompleto e imperfeito não deve ser uma tarefa mental fácil ao psiquismo ainda em formação. Aos poucos vai se desvanecendo as ilusões narcísicas, e a realidade, o mundo, a mãe e os outros vão tomando forma e contorno no campo perceptivo e sensível do aparelho psíquico. Mas a mente ainda vai lutar para manter a ilusão narcísica de onipotência, completude e plenitude. Descoberta a mãe, e sua dependência em relação a esta, a mente que antes se “achava” TUDO cede espaço à mãe ilusoriamente fálica, isto é, se antes o psiquismo de um bebê se considerava TUDO, agora – reconhecida a existência do objeto cuidador – ele é TUDO para a mãe.   

        Mais um vez nossa mente nos engana, ilude-se. Embora possa ser a criança a coisa mais importante da vida de uma mãe, ela não é TUDO para a mãe. Saudavelmente mesmo que um filho represente a realização de muitos dos desejos maternos, o filho não é a realização de todos os desejos maternos. Estamos, pois, no âmbito da simbiose.




       Acima retratamos a capa do livro “O Nascimento Psicológico da Criança”, de Margaret Mahler. Reporto, pois, o leitor àquele livro, bem como "O Processo de Separação-Individuação", publicado no Brasil pela ARTMED, tempo em que me utilizarei um pouco de suas ideias e construtos teóricos.

                Mahler chama os anos iniciais de vida de ‘Processo de Separação-Individuação”, que são anos determinantes na estruturação psíquica do indivíduo. Vamos resumir alguns conceitos básicos de sua compreensão e que nos dão luz a esta área do estudo psicológico chamada de ENDOPSIQUISMO:


FASE
FAIXA ETÁRIA
CARACTERÍSTICAS
AUTISMO NORMAL
Primeiras 4 semanas
Inexistência de percepção de objeto
Ausência de noção de EU
SIMBIOSE NORMAL
¾ semanas a 4/5 meses
Percepção rudimentar do Objeto
Ainda não há senso de individualidade
Bebê e mãe são um só, como se existisse uma barreira entre o par e o resto do mundo
SEPARAÇÃO-INDIVIDUAÇÃO
5 meses a 24 meses
Desenvolvimento de limites e diferenciação bebê-mãe
Desenvolvimento do senso de identidade
Consolidação do EGO
Desenvolvimento de habilidades cognitivas
Saída da “concha simbiótica” com abertura para conexões humanas
                 Sugeriria, também, a leitura do seguinte artigo: “OS PRIMÓRDIOS DA CONSTRUÇÃO DO PRÓPRIO NO CONTEXTO DA INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ”, de Bárbara Figueiredo, através do link http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/4230/1/Os%20prim%C3%B3rdios%20do%20pr%C3%B3prio%20%282003%29.pdf.


                  Creio que temos agora algumas ideias de como funciona a mente em seus primórdios e que muito nos auxiliará na compreensão da dinâmica tanto da paixão quanto do amor, assunto este que continuaremos no próximo post-aula, 

Joaquim Cesário de Mello