sexta-feira, 29 de novembro de 2013

AVISO AOS NAVEGANTES




Quem minimamente me conhece sabe das minhas inquietações interiores. Pro bem ou pro mal "sofro" de ebulições. Minha mente parece não querer pausar nas pausas da minha vida. Acelero-me por dentro enquanto transito tranquilo na quietude dos meus passos. Ou como diz a letra da música de Cacaso "quem me vê assim cantando/não sabe nada de mim".
Pois é. Estão chegado as férias escolares de final de ano. O ritmo do cotidiano diminui. Eu não. Razão pela qual estou, em princípio temporariamente, abrindo um adendo no literalMENTE para dar vazão as minhas fervuras da alma. A aceleração do dia-a-dia amortece e me dá tempo e espaço pra melhor ver a paisagem. Um mundo inteiro com suas pulsões se descortina mais facilmente. Sou tão pequeno e passageiro pra uma vida tão larga e profunda. Gosto de contemplá-la. Gosto de vivê-la. 
O adendo a que faço menção é um outro blog que criei recentemente para brechar tanto a mim mesmo quanto o meu entorno. Por fugir à proposta do literalMENTE, com qual partilho com o amigo Marcos Creder, abro nele um atalho e inauguro o blog HUMANASBLOG no endereço: 
 http://www.litelmente-litermente.blogspot.com.br/

Um blog para passar as férias. Comentários, pensamentos, reflexões, análises, observações, leituras, apreciações, vivências, poesia e arte em geral. Um blog cuja proposta é a troca de ideias e experiências sobre a vida e o humano que nela habita. Venha, pois, debater, polemizar, discutir e criar. Que nossas férias sejam profícuas e gerem seus frutos presentes e vindouros.

Joaquim Cesário de Mello




quarta-feira, 27 de novembro de 2013

DIÁRIO DE AULA: FAMÍLIA HOMOAFETIVA

A família homoafetiva é hoje cada vez mais uma realidade social. Dentre as várias configurações familiares da contemporaneidade a família baseada em um casal do mesmo sexo é uma delas. Como entidade tanto o casal homossexual quanto a família homoafetiva têm tido um maior enfoque jurídico. Embora saibamos que o direito não regula afetos, porém regula as relações sociais geradas. O reconhecimento, portanto, dignifica ainda mais a pessoa humana em suas várias expressividades de sua sexualidade. 
"Todas famílias felizes se parecem", escreveu Tostói. Todas famílias felizes se parecem, pois a representamos como um espaço sócio-afetivo harmônico entre um casal, pais e filhos (família nuclear). É bem verdade que as coisas não são exatamente assim, mas basear a estrutura da família em um casal pode igualmente fundá-la em parceiros do mesmo sexo. Considerando, todavia, que duas pessoas do mesmo sexo biologicamente entre si não geram prole, a questão dos filhos é fortemente baseada na adoção.
Por muitos séculos a filiação encontrava eco no patriarcado. Porém, transformações sociais significativas foram acontecendo e contribuíram para o surgimento de novas formas de conjugalidade e de parentalidade. Embora pareça não haver evidências de diferenças significativas entre a heteroparentalidade e homoparentalidade, esta última é ainda impregnada de vários preconceitos que dão a ideia de efeitos negativos em relação à criação de filhos por um casal homo. Todavia estudos recentes não apontam para tal. Vide, por exemplo, o seguinte link: http://www.lespt.org/lesonline/index.php?journal=lo&page=article&op=viewFile&path%5B%5D=34&path%5B%5D=33
Adoção não é tarefa simples, assim como ter os próprios filhos biologicamente. Na adoção uma criança é levada para dentro do seio familiar por um ou mais adultos que, embora não sejam biologicamente pais, são juridicamente reconhecidos como tal. O que nos importa, todavia, é a adoção afetiva. Que a criança tenha um espaço na vida afetiva do casal para poder ser amada. Não temos, inclusive, qualquer pesquisa conhecida que aponte qualquer prejuízo para uma criança adotada por um casal homoafetivo. Se algum problema houver não parece estar no seio da homoparentalidade, mas sim da relação do entorno social com o mesmo. 
O grupo que em sala de aula passada ficou responsável pela condução da temática falou rapidamente dos mitos que envolvem a criação de crianças por casais homoafetivos. Foi citado um artigo da revista Superinteressante cujo texto na íntegra pode ser lido em: http://super.abril.com.br/cotidiano/4-mitos-filhos-pais-gays-676889.shtml
Outra forma de um casal de orientação homossexual ter um filho é a reprodução assistida, popularmente conhecida como "barriga de aluguel". A utilização da fertilização in vitro por casais homo não é uma coisa assim tão rara, embora ainda não seja uma coisa tão comum.  
A parentalidade não está necessariamente atrelada à sexo, mas sim a funcionalidade das pessoas envolvidas. O importante, friso novamente, é a presença de redes sociais de apoio em relação às famílias homoparentais. 
No Brasil, segundo censo do IBGE de 2012, existem cerca de 60 mil casais formados por pessoas do mesmo sexo. O tema adoção, portanto, tem entrado em pauta, principalmente após as várias conquistas de direitos em relação a união conjugal entre pessoas do mesmo sexo. Vide, por exemplo, a seguinte matéria e vídeo: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/05/29/filhos-revelam-como-e-crescer-em-lar-com-pais-gays.htm
No tocante a conjugalidade o mais significativo não é o gênero, mas sim a capacidade do casal em estabelecer relações mais estáveis e duradouras, sejam heteros ou não. A construção de uma família é para mim o mais importante em termos psicológicos e funcional. Que predomine o amor, portanto.
Joaquim Cesário de Mello

sábado, 23 de novembro de 2013

GARIMPEIROS DE AMANHÃS


"E amanhã eu vou ter de novo um hoje"
(Clarice Lispector)



Alguém poderia dizer que o futuro é um lugar que não existe, pois quando lá chegamos não é mais futuro, mas sim sempre presente. O filósofo Louis Althusser, em sua trágica autobiografia, titulou a mesma de “O Futuro Dura Muito Tempo”. Sim, por esta perspectiva o futuro dura muito tempo: a eternidade de uma existência. Ou como consta na Wikipédia, o futuro é o intervalo de tempo que se inicia após o presente e não tem um fim definido. Enquanto vida houver, haverá futuro. Mas a vida não é uma sequência infinita de agoras. Nela há o tempo único que é o espaço de tempo onde nasce, reside e se move a vitalidade de um ser. Esta pequena temporalidade de uma existência é como uma estrutura que se organiza de tempo passado, tempo presente e tempo futuro. Já escrevia o também filósofo Jean Paul Sartre (“O Ser e O Nada”), em relação a esta síntese: “encontraremos, em primeiro lugar, este paradoxo: o passado não é mais, o futuro ainda não é, quanto ao presente instantâneo, todos sabem que ele não é tudo, é o limite de uma divisão infinita, como o ponto sem dimensão.
     Quando Heidegger indaga: que é ser?, percebe que a entidade humana se destaca dos demais seres vivos, pois é capaz ele mesmo de questionar o ser. O ser humano, chama Heidegger, é um “ser-aí”, um ente que existe de imediato no mundo, um Dasein. Todos nós, seres humanos, somos uma história que está ocorrendo e se cumprindo. Somos seres de história e, portanto, somos igualmente um ser que aqui está para a morte. Mas a morte está sempre a frente de quem vive, lá no derradeiro e último futuro do sujeito. Embora caminhemos para ela, não morremos ainda. Estamos vivos. Continuamos. No lugar do tempo ontológico e linear das coisas, Heidegger nos propõe a temporalidade do sentido do ser do Dasein. Tanto o futuro quanto o passado não existem como forma determinada, pois o amanhã é expectância e o passado é lembrança, ou mais precisamente, o significado que damos a elas.  
        O futuro, para onde continuamente caminhamos, é o horizonte do ser. A cada horizonte alcançado, novo horizonte nós temos pela frente. Conquanto vivamos sempre no presente, marchamos incessantemente para o amanhã. O amanhã de hoje é o presente do amanhã, assim como o presente de agora será o ontem do porvir. Se o presente é sempre o estar aí, no presente do futuro ele se achará envelhecido.
                O economista e filósofo Eduardo Gianotti, em seu livro “O Valor do Amanhã”, trata do viver presente em relação ao futuro como uma inevitável operação de juros e troca, só que não é uma troca em ternos financeiros ou econômicos, mas uma troca em termos intertemporais. Escreve ele:  A vida é breve, os dias se devoram e nossas capacidades são limitadas... A tensão entre presente e futuro – agora, depois ou nunca – é uma questão de vida ou morte que permeia toda a cadeia do ser. Os juros, relaciona Gianotti, é o prêmio de quem soube esperar e aceitou adiar a realização de seus desejos para o futuro; já para quem optou pelo agora tão somente os juros é o custo de sua pouca paciência. Neste sentido assim exposto, há os credores (os que se limitaram no presente e pouparam para o futuro) e os devedores (os que gastam logo os recursos que poderiam utilizar mais adiante).
Acima dizia que o futuro dura a eternidade de uma existência. Sim, o futuro é o amanhã que está sempre porvir. Mas, lembremos, a cada dia estamos um pouco mais perto do incerto, porém inevitável, do último presente onde não haverá mais futuro. Ou como dizia o escritor português e Nobel de Literatura, José Saramago, de repente, o futuro tornou-se curto. Verdade, a vida passa, a vida, esta vida que cada um de nós vive, um dia acaba. Vivamos o instante sorvendo dele o que dele podemos sorver, mas não esqueçamos que a vida, ainda que passageira, não é feita num instante. 
            Somos inconstantes e mutáveis, e nesta nossa flutuação existencial vamos construindo, dia-a-dia, o futuro, pois, como afirma o escritor futurista americano Alvin Toffler, cada evento influencia todos os outros. O célebre pensador chinês Confúcio já nos ensinava, há mais de quatro séculos antes de Cristo, que se quisermos prever o futuro devemos estudar o passado. Por minha vez, entendo que o passado nos trouxe até o aqui-agora, e o aqui-agora nos levará ao futuro, incerto e indefinido, mas que traz as sementes e marcas do seu passado. Ou como dizia Gandhi: "o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente".
Olhemos, pois, ao redor, companheiros de caminhada, o terreno ainda é fértil. Plantemos sementes e reguemos cotidianamente, uma vez que mais adiante ela possa ser a árvore que nos sombreia quando  então estivermos já cansados. Não é à toa que quando nos despedimos de alguém no agora dizemos "até amanhã". E é no amanhã que minha despedida de hoje se encontra e se afirma. Quero-a como nos versos do poeta luso Eugénio de Andrade:

"Sei agora como nasceu a alegria, 
como nasce o vento entre barcos de papel, 
como nasce a água ou o amor 
quando a juventude não é uma lágrima. 

É primeiro só um rumor de espuma 
à roda do corpo que desperta, 
sílaba espessa, beijo acumulado, 
amanhecer de pássaros no sangue. 

É subitamente um grito, 
um grito apertado nos dentes, 
galope de cavalos num horizonte 
onde o mar é diurno e sem palavras. 

Falei de tudo quanto amei. 
De coisas que te dou 
para que tu as ames comigo: 
a juventude, o vento e as areias". 


Até amanhã...



(dedico este texto aos meus companheiros e companheiras de jornada)

Joaquim Cesário de Mello

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

DIÁRIO DE AULA: PSICOTERAPIA DA FAMÍLIA

A Psicologia é um ramo do conhecimento humano multifacetado, principalmente no campo da clínica. São várias e inúmeras as escolas, teorias e abordagens psicoterápicas, e isto também resvala quando o assunto é psicoterapia da família. Tal abrangência e diversidade enriquece o olhar sobre a alma humana, suas relações e vivências, mas também se corre o risco de empobrecer, mormente quando se fixa em uma única forma de entender e abordar o ser humano em toda sua complexidade e trama. Estreitar a visão sobre o tema é apequenar o que é profundo, amplo e que contém incontáveis elementos, ângulos e variáveis. 
O campo da psicoterapia familiar, mais conhecido como terapia de família, possui vários enfoques até agora desenvolvidos. Alguns deles são: a cibernética, a psicanalítica, a estrutural, a construtivista, a estratégica, a sistêmica, apenas para citar as mais referidas. Urge diminuirmos as divergências e polarizações e melhor articularmos os diferentes ramos e suas diversas contribuições. 
Falar em terapia de família é pensar a família como unidade sócio-afetiva. É uma forma de entender e tratar os problemas humanos e seus conflitos. É um método de tratamento do grupo familiar como um todo e a vincularização entre seus membros. Em termos bem gerais a família pode ser considerada um sistema cujo equilíbrio (homeostase) pelas regras do funcionamento familiar. Toda e qualquer terapia familiar é sempre aquela que se centra mais no sistema (figura) do que nos elementos individuais que o compõe (fundo). Neste sentido é um outro paradigma (para muitos um novo paradigma) onde a perspectiva é um sistema (grupo familiar) e a circularidade interativa entre os subsistemas integrantes da família. A unidade de tratamento, pois, não é o indivíduo isolado, mas o meio em que se move, isto é, a rede de relações em que ele se acha engendrado, no nosso caso específico a família. 
Na terapia de família se busca melhor reestruturar as relações familiares existentes, com vistas e experimentar e/ou superar os conflitos em loco, ou seja, no seu lugar de origem. Por esta razão, basicamente, a terapia familiar é um trabalho terapêutico focado no aqui-agora intrafamiliar. Pelo ângulo estrutural é auxiliar a transformação disfuncional do sistema familiar através de operações reestruturadoras, tais como uma delimitação mais clara das fronteiras com uma identificação mais nítida dos padrões transacionais e distribuição de tarefas. Salvador Minuchin define como uma abordagem ativa voltada para a resolução de problemas, com ênfase nas questões de hierarquia. O objetivo maior de uma psicoterapia estrutural é modificar a estrutura familiar através do modo como as pessoas se relacionam umas com as outras. Atentar que o enfoque é na modificação do presente e não exploração e interpretação do passado.
Por sua vez, enfocar o passado é analisar a história da família tando como causa do desequilíbrio como meio de transformação terapêutica. O manejo aqui é ajudar a família e seus membros a tomar consciência das repetições comportamentais do passado no presente. Para isto é necessário adentrar nos segredos e conluios inconscientes da família, na sua psicodinâmica e seus mitos, assim como os sentimentos, desejos, crenças e expectativa que unificam ou desunificam os membros familiares como um todo. O enfoque psicanalítico, portanto, trabalha com a ideia grupalista da "representação psíquica grupal", como se a família tivesse ela própria seu psiquismo, além do psiquismo individual de seus membros. 
Do ponto de vista comunicacional e sistêmico o foco de atenção é o modelo comunicacional familiar, com ênfase na transformação dos padrões de comunicação e ampliação dos comportamentos dialogais. Porém, outro olhar também pode ser dado, que é o olhar sobre as relações de poder e suas lutas dentro do âmbito familiar. O problema central é visto, pois, como consequência do jogo de poder e das hierarquias incongruentes. 
Fenomenologicamente hoje está bastante em voga o conceito de "constelação familiar", que é o método exploratório sobre a vida familiar e seus principais eventos, tais como: morte, suicídio, doenças, casamentos e separações, e situações traumáticas várias. Tal abordagem visa desvelar os emaranhamentos familiares, buscando com isso desatar nós e liberar energias a favor do crescimento do sistema familiar. 
Como visto, o campo da psicoterapia de família é vasto e necessita de articulação e síntese. Dependendo da demanda familiar pode-se escolher um referencial de compreensão, trabalho-se mais isso ou mais aquilo. Todavia, deve-se evitar a rigidez teórica e metodológica, permitindo-se uma maior elasticidade, visto que ângulos diferentes não são necessariamente excludentes. A proposta articulatória, embora ideal, é difícil, pois somos desde a graduação "induzidos" a fazer escolhas escolásticas. O partidarismo ainda impera, e muito, na academia, trazendo consequências reducionistas na prática clínica. Vejo isto na faculdade que leciono quando um aluno ou outro diz: "vou fazer analítica", "vou fazer gestalt", "vou fazer ACP", "vou fazer TCC"... E por que não dizer: "vou estudar e fazer psicologia"? 


Joaquim Cesário de Mello