domingo, 26 de abril de 2015

QUATRO FILMES E UM MANUAL DE PSICOLOGIA

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"Cinema é como um sonho, como uma música. Nenhuma arte perpassa a nossa consciência da forma que um filme faz; vai diretamente até nossos sentimentos, atingindo a profundidade dos quartos escuros de nossa alma". Quem assim o disse foi Ingmar Bergman, cineasta sueco que, segundo a revista Veja, fez o cinema se impor como uma forma de pensamento e poesia. Seus filmes são pura abordagem psicológica dos personagens. Bergman foi para muitos (e bote muitos nisso) aquele que conseguiu levar a câmara para o interior da alma humana e suas fragilidades. Um Mestre com M maiúsculo do cinema e da arte.
Resultado de imagem para psicanalise e cinemaDe alguma forma todo e qualquer filme de alguma maneira apresenta sempre conteúdos psicológicos a serem explorados. Até o mais comercial e bobinho dos filmes pode nos oferecer um ângulo sobre a dramaticidade da vida humana. Cinema veicula imagens, ideias e pontos de vista. Tanto o Cinema se utiliza da Psicologia como a Psicologia se utiliza do Cinema. Quantos filmes já não foram analisados psicologicamente, assim como empregados para se estudar Psicologia? Incontáveis, creio. Psicologia e Cinema andam juntos. Não há Cinema sem Psicologia, mesmo que de maneira rasteira. E embora a Psicologia não necessite do Cinema ela o interpreta como uma maneira de se explicar e se conhecer.
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Dos filmes que já assisti e conheço destacam-se vários que merecem um olhar mais acurado. Fora a cinematografia de Bergman (hors concours na questão), abaixo relacionarei dentre os vários alguns. O cinema é, portanto, campo fértil para onde a Psicologia, além do seu escopo original, lhe invade e lhe analisa. Sim, um filme (principalmente um bom e inteligente filme) pode muito bem servir - com as devidas ressalvas de ser um fenômeno artístico e cultural - como objeto de estudo para a Psicologia, mormente a psicologia dos personagens. Quanto mais for amplo e profundo o complexo temático apresentado por um filme, mais o mesmo desperta o exercício interpretativo da história narrada. 
Resultado de imagem para ondas do destinoVejamos, por exemplo, Ondas do Destino de Lars Von Trier. Trata-se da história de uma mulher que se apaixona por um homem que trabalha em uma plataforma de petróleo. Este sofre um acidente que o deixa incapacitado para sempre (tetraplégico). Para satisfazer suas necessidades e fantasias sexuais (visto ele agora estar impotente) pressiona a esposa a procurar outros homens para lhe contar seus detalhes de alcova. A esposa (Bess) aceita realizar os desejos do marido e se entrega a uma vida devassa. Assistir o sacrifício de Bess, que através do flagelo e da destrutividade, aniquila pela bondade a sua integridade como mulher ao se sujeitar aos desejos do marido. Será que qualquer ato em nome do amor vale a pena? Amor e destrutividade, impulsos contraditórios, muitas vezes andam de mãos dadas. Como diz o próprio Trier, "um filme deve ser uma pedra no sapato". Eis um filme, um raro filme, que fala do amor de uma maneira diferente, não convencional, onde afeto e fé se misturam. Entre santa e puta onde está a loucura? 
Resultado de imagem para liberdade é azulOutro cineasta que merece ser visto no conjunto de sua obra é o polonês Kieslowisk. Destaco aqui a sua trilogia das cores, e mais focalmente A Liberdade é Azul. Nele Julie é esposa de um famoso compositor e maestro que morre em um acidente de carro onde também estava Julie e a única filha do casal. Apenas Julie sobrevive e vamos então assistir seu mergulho no universo da dor da perda. Ela se retire do mundo, renunciando sua antiga vida e se refugia em meio a multidão urbana de Paris. Em sua fuga rumo ao silêncio ela se vê necessitando sentir algo ou alguma coisa, porém nada sente: acha-se vazia e oca por dentro. Em um fascinante filme verdadeiramente sensorial Kieslowisk nos leva ao mundo interno da personagem, mundo este sem apego, apático, corroidamente consumido pela culpa, onde por mais que ela viva fugindo de elaborar o luto ele sempre se faz presente nos mínimos detalhes do cotidiano que o desperta. Perda, dor, abandono, pesar - sentimentos que a alma humana se pudesse manteria distância. Nossa alma, nossa psiquê, não gosta de perceber a nossa impotência frente a vida e suas fatalidades. 
Resultado de imagem para ela, filmeAh!, não deixem de assistir Ela, de Spike Jonze. Surreal, o personagem Theodore é um solitário que compra um sistema operacional informático auto inteligente, chamado Samantha (com a voz de Scarlett Johansson). Ambos (o personagem e o programa operacional que somente se ouve a voz) acabam se apaixonando um pelo outro. Em estilo ficção científica Ela é uma verdadeira ode ao amor e as oscilações de uma relação amorosa. Ternura, carinho, solidão, possessão, ciúme, alegria, tristeza, medo, são sentimentos que fluem em meio a relação entre os dois. Uma profunda reflexão sobre o amor e seus labirintos. Poético e cheio de diálogos existenciais o filme nos seduz e nos arrebata. Provavelmente uma das mais impressionantes e reveladoras história de amor que o cinema já produziu.
Resultado de imagem para barton finkO que se passa com uma mente de uma pessoa que está à beira de um ataque de nervos e que aos poucos vai enlouquecendo. Barton Fink, dos irmão Coen nos oferece a conhecer a insanidade a partir de dentro de como pensa o personagem principal. Impregnado de devaneios, delírios e alucinações tanto Barton quanto o expectador enlouquecem juntos. Barton é um escritor teatral que é convidado por um estúdio de Hollywood para fazer um roteiro de filme sobre luta. Paralisado em sua criatividade o personagem envolve-se em vários eventos bizarros onde ele mesmo passa a duvidar de sua saúde mental. Neste emaranhado psicológico da psiquê do personagem vamos com ele conhecendo o lado mais monstruoso e assustador da alma humana.O que é a loucura? Sem os estereótipos de sempre e os clichês costumeiros com que o cinema usualmente aborda o tema, em Barton Fink a construção da psicologia do personagem nos remete a oniricidade de um pesadelo acordado. O caos que nos habita acaso percamos o controle psíquico se faz aqui tão exposto como uma fratura óssea pode ficar.
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Filmes servem à reflexão, não apenas ao entretenimento. Como já disse o filósofo francês Jacques Rancière, o cinema é um conjunto de "relações entre o dizível e o visível, maneiras de jogar entre o antes e o após, a causa e o efeito".  Cinema é um sonho que se assiste desperto. E se o sonho, desde Freud, é por excelência material psíquico; então um filme pode ser lido pelas entrelinhas de um manual de Psicologia.

Joaquim Cesário de Mello