quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

DIÁRIO DE AULA





PARENTES, PARENTELAS E PARENTESCO





Em aula passada elencamos uma definição de família que nos possibilitará trabalhar com a complexidade do tema familiar ao longo de toda disciplina FAMÍLIA E REALIDADE SOCIAL, da FAFIRE. Se vocês estão lembrados definimos família como um grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco que se incumbe da criação da prole e do atendimento de certas outras necessidades humanas. Pois é, cabe-nos agora entender o que vem a ser laços de parentesco.


                O parentesco é o vínculo que une duas ou mais pessoas em decorrência da descendência, seja entre elas ou de procederem de um ancestral comum. Colocado nestes termos o parentesco seria somente consanguíneo, isto é, uma ligação de sangue. Todavia, além do parentesco consanguíneo há também os parentesco por afinidade (proveniente do casamento) e o parentesco civil (proveniente da adoção). Observa-se, assim, que o parentesco não é um laço unicamente biológico. No nosso ordenamento jurídico os artigos 1591 a 1595 do Código Civil Brasileiro dispõem sobre o assunto.
 
                Acaso o leitor recorra ao Wikipédia lá encontrará que o parentesco é relação que une duas ou mais pessoas por vínculos de sangue (descendência/ascendência) ou sociais (sobretudo pelo casamento). O parentesco pode ser em linha reta (quando as pessoas estão umas para com as outras na relação de ascendente e descendentes/art.1591) ou em linha colateral ou transversal (quando as pessoas provêm de um só tronco, sem descender uma da outra/ art. 1592). Os parentesco se organizam em linha e se medem por graus (grau é a distância que vai de uma geração a outra).
                São três os tipos de linhas de parentesco, a saber:

Linha reta: exemplos: bisavós, avós, pais, filhos, netos, bisnetos...

Linha colateral: exemplos: irmãos, primos, sobrinhos...

Por afinidade: exemplo: sogros, noras, genros, cunhados...

                Para se calcular o grau de parentesco vejamos o que legisla o Código Civil: contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo numero de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar outro parente”. E aqui cabe a surpresa: não existe primo de primeiro ou segundo grau. Primos são parentes de quarto grau. É só contar.

                Vale ainda destacar que esposo e esposa não são parentes entre si, mas sim cônjuges. Os que são parentes por afinidade são os parentes de cada um cônjuge em relação ao outro. A lei brasileira só considera o parentesco colateral até o quarto grau. Depois disso não são mais parentes.
Ficheiro:Parentescos.jpg

                 O conjunto geral de parentes é parentela, mas há aqueles parentes que não fazem parte de nossa vida afetiva. Uns outros, embora tenhamos vários parentes, se destacam por fazerem parte do nosso grupo de convivência afetiva. Sabe aquela tia querida que mora em Chicago e que você não vê há anos? Pois é, ela é sua parente afetiva e, provavelmente, deixou marcas em seu ser. Já há aqueles parentes que moram até perto, mas que você num nutre nenhum afeto por eles? Pra mim parentes assim só fazem parte da parentela. Todavia, cuidado, não vamos confundir afeto com somente sentimentos e emoções considerados bons, afinal raiva, ciúme e inveja, entre outros, também são afetos, mesmo que sejam pra nós negativos.
 O que nos interessa, psicologicamente, são os afetos e como eles circulam e se interagem no seio do ambiente interpessoal familiar. Psicologia é, acima de tudo, o estudo dos afetos e dos desejos, entre outras coisas. Por isto não devemos desconsiderar o chamado “parentesco sócio afetivo”, como é o caso, por exemplo, dos “irmãos de criação” e de pessoas que nas quais temos tanta vinculação afetiva que temos elas como uma “mãe” ou como um “irmão”.
                E para concluir o post-aula de hoje, deixemos abaixo uma escala de parentesco:

      POR CONSANGUINIDADE:
- primeiro grau: pais e filhos
- segundo grau: irmãos e avós
- terceiro grau: tios, sobrinhos e bisavós
- quarto grau: primos

POR AFINIDADE:
- primeiro grau: sogro e sogra, genro e nora, padrasto e madrasta, enteados
- segundo grau: cunhados (concunhado não é parentesco jurídico)

   Uma leitura mais aprofundada sobre a temática do parentesco pode ser feita através do livro AS ESTRUTURAS ELEMENTARES DO PARENTESCO (editora Vozes ou Tempo Brasileiro) do antropólogo francês Claude Levi-Strauss. Mas de logo aviso, só pra quem quiser aprofundar, afinal o livro é um "calhamaço" de 544 páginas.


Joaquim Cesário de Mello

domingo, 23 de fevereiro de 2014

TEMPO DE DEPRESSÃO E A DEPRESSÃO DO TEMPO


     


   Vivemos cada vez mais a vida correndo. Tudo, ou quase tudo, parece acelerado. Mal termina algo, estamos imediatamente começando outro algo. Não apreciamos direito a paisagem. Os relógios não mais nos apontam as horas, mas nos cobram velocidade e nos pressionam com a mínima ideia de um atraso. Comemos apressados, andamos depressa, lemos velozmente, vemos ligeiramente, namoramos brevemente, consumimos rápido. O mundo nos dá uma impressão de ter se tornado um imenso fast food.
                Podemos afirmar que hoje vivemos uma relação diferente com o tempo do que viviam nossos ancestrais. Eles eram mais felizes ou menos felizes por isso? Provavelmente não. Porém eles viviam menos deprimidos. A depressão é o mal do final do século XX. Há catorze anos e alguns dias entramos no século XXI e a depressão já é um problema de saúde pública. Estima-se que quase um terço da população mundial é afligida por tal morbidade que atinge o corpo, a alma e as relações sociais e funcionais do sujeito. Hoje ela é a quarta principal causa de incapacitação ao trabalho e, segundo projeções da OMS (Organização Mundial de Saúde) em 2030 deverá ser não apenas a principal causa de absenteísmo, como também a doença mais hegemônica do planeta.
                As causas são várias e muitas delas necessitando serem melhor desvendadas. Entre as múltiplas causas: o modo como vivemos a vida contemporânea. A maneira líquida como estamos existindo e o correr pelo tempo tem nos tornado mais vulneráveis ao estresse, ao abuso de álcool e outras drogas (lícitas e ilícitas), aos transtornos alimentares e, principalmente, à depressão.
                O que chamamos de alma humana é tecida de tempo, afinal o tempo tem papel preponderante na construção de nossa subjetividade. E o tempo de agora parece escorrer mais aceleradamente do que o tempo de antes, embora, do ponto de vista da medição, uma hora tenha 60 minutos, um dia 24 horas e uma semana 7 dias. Mas é subjetivamente que o tempo é sentido mais lento ou mais rápido. E é nestes dois tempos (objetivo e subjetivo) que a condição humana se instala e existe no tempo de viver.
     Maria Rita Kehl, em O TEMPO E O CÃO: A ATUALIDADE DAS DEPRESSÕES, nos remete pensar a depressão pela perspectiva do sujeito e sua temporalidade ao destacar que “é necessário buscar, na regulação temporal que caracteriza a vida contemporânea, os fatores que incidem na constituição do sujeito a ponto de determinar um crescimento tão expressivo das depressões”. Lembremos, como nos lembra Maria Rita, que a temporalidade acelerada da vida moderna (ou seria pós-moderna?) se apresenta pela primeira vez ao ser humano quando este ainda é um bebê. Esta apresentação primária é realizada pelo cuidador que chamamos MÃE, afinal ela(e) vive pressionada(o) por uma sociedade que exige desempenho e eficiência com base no valor que ela dá a vida e que é medido pela produtividade.
                O bebê cresce, vira criança. E também ela passa a ser submetida às pressões culturais do momento atual, isto é, a criança passa a viver a infância sobre fatores estressantes contemporâneos, tais como o aumento de compromissos e atividades a que elas se encontram inseridas. Escola, balé, natação, curso de inglês, judô, ginástica... a pequena criança passa a viver como um “mini executivo”. Isto além dos games, dos facebooks, dos orkuts, twitters, MSM e por aí vai. Tudo rápido, ligeiro, veloz e voraz.
                Na temporalidade aceleradamente vertiginosa da vida contemporânea nos tornamos mais vulneráveis a deprimir. E muitas vezes nos deprimimos porque carecemos de fertilizar nossas sensibilidades e afetividades. Priorizamos a adrenalina, buscamos a “vibração” das emoções fortes. Ou como nos alerta o filósofo Michel Lacroix, em seu livro O CULTO DAS EMOÇÕES, estamos nos extraviando emocionalmente. Na trepidação que toda essa adrenalina nos dá, alienamos a nossa sensibilidade. Trocamos, assim, o sentir pela emoção do agir. O brando e o profundo foram deixados de lado pelo arrebatamento e pela superficialidade. Ansiamos tanto consumir, consumir e consumir, que até nos esquecemos do prazer de manter, apreciar e conservar. Mais viramos copos do que sorvemos a bebida, enquanto comemos sem curtir o sabor. E depois de um dia inteiro disso tudo e desse corre-corre o que nos resta? Para alguns o sentimento de vazio de uma alma que se esvazia na liquidez de uma sociedade líquida. Ou ainda nos dizeres do sociólogo Baumam, praticamos a vida de consumo como um personagem “solitário, autorreferente e autocentrado comprador que adotou a busca pela melhor barganha como cura para solidão”.
                  O tempo parece haver diminuido. Parece que está voando. O desejo de se viver velozmente faz que textos como este se torne longo e cansativo. O jornalista canadense Carl Honoré, em seu livro DEVAGAR: COMO UM MOVIMENTO MUNDIAL ESTÁ DESAFIANDO O CULTO DA VELOCIDADE, destaca que na cultura do tudo rápido vivemos no limite da exaustão, embora não nos demos conta. O preço que pagamos pela velocidade é corrosivo e implacável, por isso defende o autor uma espécie de "movimento pela lerdeza" (slow movement) contra a histeria coletiva da aceleração da vida. Sugere: "encontre momentos em que possa se desligar da tecnologia. Telefones celulares, notebooks e tablets são ferramentas maravilhosas, mas precisamos de tempo para nos desligarmos. Necessitamos de momentos de silêncio, com interrupções para recarregar e refletir". Dificil para alguns leitores plugados em redes sociais e tecnologias, não? Porém saudável. Mentalmente saudável.
                   Pressa e ansiedade são quase sinônimos.Vivemos ávidos em "ganhar" tempo, e nesta avidez e aceleração o que sentimos é que estamos "perdendo" tempo. Vive-se, assim, a quantidade em detrimento a qualidade. Alguns pesquisadores no campo da saúde mental já criaram até um termo para isso: "doença da pressa". Manias à parte em se querer patologizar tudo, a pressa decididamente nos expõe às doenças físicas e da alma. Com a vida sendo vivida a "mil por hora", cronifica-se o estresse e a ansiedade: portas de entrada à depressão. Somos uma espécie de "otários" da história, pois, deprimindo o tempo, nos deprimimos.

   Caso o eventual leitor(a) tenha conseguido até aqui chegar, parabéns. Porém para aqueles que na pressa e agonia desta não tiveram tolerância, fica-se a sugestão: procurem marcar preventivamente, enquanto é tempo, com o Dr. Marcos Creder. Se agora já for tarde, mesmo assim procurem o Creder para tratar de ansiedade e depressão. Sem trocadilhos, não perca tempo. É como escreveu José Saramago: "não tenhamos pressa, mas não percamos tempo". 
            Na contramão do sistema, tempo não é dinheiro, tempo é saúde. 
Ou, como canta Lenine:

"enquanto o tempo acelera

e pede pressa, 
eu me recuso, faço hora, 
vou na valsa...
a vida é tão rara".

Joaquim Cesário de Mello