quarta-feira, 29 de agosto de 2012




CARTA A UM JOVEM ESTUDANTE
(em resposta a resposta ao texto A Ocacidade da Pedagogia do Vazio)

      Jorge Armando
(poeta, psicólogo e professor universitário)



“O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum aos outros”
(Confúcio)

Meu caro jovem Lucas,

                Presumo-lhe jovem pelo teor e maneira de escrever, principalmente pelo reluzente brilho de sonho e esperança. Sim, quanto mais velho na vida vamos ficando em muito se diluem alguns sonhos e parcas vão ficando as esperanças. Embora prossiga meu trajeto com sonhos e esperanças, sinto que aos poucos vai ficando cada vez mais árduo preservá-los. Mao Tse Tung dizia que a realidade é o oposto do sonho. Talvez seja, mas o que será do humano sem o exercício contínuo do sonhar? Luto e me esforço para continuar humano e não me robotizar.
                Em suas reflexões e ponderações existem verdades, assim como nas minhas igualmente. Isto lá significa que você está certo e eu errado ou vice-versa? Não. A verdade é muito mais ampla do que nossas miúdas visões podem alcançar. A verdade, comparativamente falando, é uma sinfonia complexa e polifônica. Como você demonstra uma inclinação pelo chamado pensamento oriental, evidentemente já deve ter conhecido o princípio budista denominado “caminho do meio” que se define como o não extremismo, isto é, a moderação e o meio. É como quando afinamos um violão, por exemplo, pois se esticarmos demais as cordas elas rompem e se afrouxamos demais elas não emitem qualquer som. Em uma linguagem mais pop: “nem eu nem você”. Os dois.
                Sim, caro Lucas, estudante (no sentido de quem literal e visceralmente estuda) é uma coisa rarefeita, todavia isto não é uma questão de geração, afinal desde muito tempo isto é um fenômeno recorrente no seio acadêmico, ou seja, nesta década, assim como na década passada e na outra e na outra... temos mais alunos (aquele que só “estuda” quando obrigado pelo professor ou pela escola) do que estudantes. Tem sido assim há muito tempo. Acontece que, como você mesmo reconhece, o número de alunos matriculados nas faculdades e universidades aumentou exponencialmente nos últimos anos. Digamos que 20 anos atrás 20% do corpo discente fossem de realmente estudantes, Os outros 80% são apenas figurantes, ops, digo, alunos. Digamos que tal proporção (20 – 80) persista. Proporcionalmente é a mesma coisa, contudo quantitativamente é bem diferente. Digamos que em uma IES qualquer houvesse 20 anos atrás cerca de 1000 matriculados e que hoje tenha 4000. Ora, 80% de 1000 é 800, enquanto 80% de 4000 é 3200. Mesmo que 20% continue 20%, o aumento quantitativo de 400% é bastante considerável. Se antes eram 800 circulando corredores, salas e pátios; agora são 3200. É como aumento de número de carros na rua: o tráfego aumenta e congestiona-se o sistema viário. É muito barulho e muito ruído, e para se conversar se tem que gritar.
                Sim, caro Lucas, o que pode ser relevante para alguém pode não ser para outro alguém. Entretanto, estamos estudando Psicologia, por exemplo. Os sistemas teóricos (e técnicos) psicanalítico, humanista, gestáltico, bioenergético, cognitivo, construtivista, sistêmico, interpessoal, etc., são nascidos e desenvolvidos dentro do universo do conhecimento ocidental. As origens gregas, romanas, latinas, renascentistas, anglo-saxônicas e modernas fundam e lastreiam o conhecimento acumulado e progredido desde então até os dias contemporâneos. Claro, também, caro jovem, que o mundo ocidental por centenas de anos foi influenciado pelo oriente e encontramos nos antigos e nos que nos antecederam ecos macedônicos, sumerianos, egípcios, babilônicos, assírios, mouros, persas, chineses... O pensamento e a sabedoria mulçumana, por exemplo, penetrou fortemente na Europa medieval entre a metade do século VIII e início do século XIII. Só pra se ter uma ideia devemos aos árabes o conhecimento matemático do “zero”. E quanto o “zero” revolucionou tanto a nossa matemática quanto nossos pensamentos.
                Mas venhamos e convenhamos como estudar e compreender o que se está estudando sem o mínimo de conhecimento histórico do caldo cultural que nos trouxe até aqui. Neste aspecto, caro Lucas, não é uma questão de conhecer nome de pessoas ou personalidades, mas ideias. Afinal, as ideias movem o mundo (ocidental e oriental). Nada contra o poeta chinês Li Bai - que em versos cantou que por estar tão perto das estrelas não ousava falar para não incomodar os que moram no céu – mas num dá né pra entender o freudismo sem saber alguma coisa de Platão, Schopenhauer e física termodinâmica (aquela que se estuda superficialmente no segundo grau).
                Porém, caro jovem Lucas, não fiquemos aqui no pouco espaço que temos nos pegando a picuinhas, pendengas, minúcias ou filigranas. Não vamos fazer da temática uma competição entre Sêneca e Li Bai, nem muito menos nos reduzamos a um conflito de gerações. Vamos nos ater ao que decididamente interessa: a qualidade do ensino superior.
                Ensino superior não se confunde unicamente com alunos e estudantes, mas também professores, as próprias faculdades e universidades, o sistema de ensino brasileiro e o sistema capitalista imperante em sua terceira fase, o capitalismo de consumo. O capitalismo tem um dom que lhe é inerente, ou seja, a de transformar, ao estilo Rei Midas, tudo que toca em lucro. Conhecimento – ao menos o suposto e pretenso conhecimento vendido nas escolas em geral – transformou-se em mercadoria. Compram-se mais diplomas e formam-se menos pessoas. Vive-se hoje um acintoso comércio de títulos (vide o que fizeram das pós-graduações). E todos parecem aceitar o convite à festa da simulação e dos simulacros. Ou como escreveu Adolfo Calderón, em artigo na revista São Paulo Perspectiva, “com a chegada das universidades mercantis, pode-se afirmar que se institucionalizou o mercado de ensino universitário”. A coisa toda parece que perdeu ou está perdendo seu mínimo pudor.
                A docência mesma tá se nivelando por baixo. Não vê quem não quer ou não consegue ver pela própria miopia que a vida foi lhe oferecendo. A mediocridade impera de ambos os lados, é só você, caro Lucas, vir pro lado de cá do balcão pra ver o olhar perdido de muitos alunos frente a qualquer coisa que lhes leve a pensar com um pouquinho mais de profundidade. Às vezes é de dar pena. Já do teu lado do balcão deixo a você mesmo o comentário.
                As graduações estão cada vez mais fracas – com professores e alunos anoréxicos culturais – e as pós então, meu deus, é uma repetência só, não havendo nenhuma inovação na maioria das vezes. E quantos professores são apenas meros reprodutores de livros (quando muito), camuflados em aulas coloridas de datas shows? Professores que realmente pesquisam, produzem e praticam são poucos. O modelo vigente é filhote de uma política de educação de massas e não uma educação para as massas.
                O passado não é sinônimo de melhor do que hoje, pois se assim fosse não teríamos as duas grandes guerras mundiais – só pra ficarmos no século passado – o holocausto, Ruanda e o genocídio dos Balcãs na década de 1990, por exemplo. Porém, no passado que a cada dia que passa está ficando remoto o modelo era alicerceado em outros paradigmas. Havia a ideologia de missão, isto é, os aspectos financeiros eram meio e não fins. O aviltamento é visível, meu jovem Lucas, e claro que em qualquer época houve e haverá bons e maus alunos, bons e maus professores, boas e más faculdades, bons e maus profissionais. Apenas que o lado mau da balança tá ficando mais pesado.
                O que mais inquieta nisso tudo, meu querido Lucas (permite-me assim chamá-lo?), é a passividade bovina de quem aceita por apenas aceitar e tão somente. Não sejamos contra os que querem passar a vida ingênuos, medíocres e confortáveis. Direito deles. Escolhas deles. Mas há os que manifestam alguma motivação em conhecer algo mais do que suas cercanias e circunvizinhanças, porém se iludem com o que lhes oferecem e pensam – de bom coração – que estão realmente estudando.  O “homem unidimensional” a que se referia Marcuse (mencionado no primeiro post) é o indivíduo instrumentalizado, massificado e produzido em série como um produto qualquer saído de uma linha de montagem. Esse homem  tecnocrata e consumista alienado é um ser humano acrítico e iludido em sua própria ignorância pelo parco exercício reflexivo em que vive, submerso em um sistema ideologicamente construído. O próprio Marcuse certa vez respondeu a indagação do colega Adorno (outro eminente membro da chamada Escola de Frankfurt, conhecido por sua teoria crítica da sociedade) de que “é possível fazer poesia depois de Auschwitz?". Sua resposta, Lucas, foi que sim, pois  "a arte só pode cumprir sua função revolucionária se ela não fizer parte de nenhum sistema, inclusive o sistema revolucionário”.
                Aos alunos de boas intenções, mas mal alimentados de estímulos e instigações além da superficialidade cosmética que as Instituições de Ensino Superior lhes oferecem (não esquecer que a coisa toda já vem se arrastando desde lá atrás em seu processo de socialização, educação e ensino) fica aqui o alerta e o sincero aviso de que ainda há tempo, enquanto vida houver, para o conhecimento germinante ao invés do pseudoconhecimento rasteiro e ludibriante do estudar preguiçoso, sem esforço e sem dor. Assim, somente assim, podemos sair daqueles supostos 20% e aumentá-los rumo a uma utópica maioria. O que seria de nós sem os sonhos, não é mesmo?
                Finalmente, prezado Lucas, vejo-o parecido comigo. Não é porque estamos alguns anos separados ou abordando ângulos diferentes de uma mesma poligeometria que não haja pontes entre nós e quem mais quiser participar da festa. A verdade é mais ampla e mais complexa do que enxergam os meus olhos e os teus. E se for verídico que no meio podemos melhor ver os extremos e os caminhos que nos levam até eles, façamos o seguinte: “tu me ensina a fazer renda, eu te ensino a namorá”, como dizem estes celebrados versos do cancioneiro popular.
                Considero, portanto, encerrada minha participação temática sobre este imenso assunto aqui no blog. Que tal deixarmos de lado os posts e marcarmos logo uma cervejinha para debatermos mais sobre tudo e um pouco mais? Convidados estão todos os interessados na questão. Falta marcar o dia, o horário e o local...


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CESTA DE VERSO & PROSA



 
SEM VOCÊ
Me sinto caco de vidro
Despedaçado entre as lembranças
Sinto-me só, desaguo!
Arranco de mim o que nem sei se tenho
Soluço tentando entender
E a dor não se despede
Não era ela a companhia que cobiçava
Mergulho no fundo de mim
Eu nado e nada!
Eu quero força, para explicar
São sentimentos e não se vê
TUDO MUITO
Muito que não me cabe
Transbordo!
Tento recuperar o que é seu
Vale ouro, me faz pertencer
Recolho o que encontro
O que recordo escrevo
Não quero esquecer
Junto tudo e guardo
Á sete chaves num relicário
Dentro do meu coração.



Andressa Costa


quinta-feira, 23 de agosto de 2012



INALAÇÕES E EXPLICITAÇÕES ACERCA DE UM POEMA



DE ANDRESSA COSTA



Implícito
E não me importa quais sejam as canções
Eu quero as notas seguindo o tom da sinfonia
E não importa qual seja o enredo
Eu quero poder contar
Mas não quero qualquer nós
Eu quero vínculo
Mas o céu engarrafou
Eu queria perfeição
Embora reconheça a incompletude
Eu quero tudo que tenho direito
Embora não expresse
Eu sinto todos os quereres
Contudo me protejo
Sei o que tem dentro de mim
Sei o que tem dentro de mim
Contudo me protejo
Eu sinto todos os quereres
Embora não expresse
Eu quero tudo que tenho direito
Embora reconheça a incompletude
Eu queria perfeição
Mas o céu engarrafou
Eu quero vínculo
Mas não quero qualquer nós
Eu quero poder contar
E não importa qual seja o enredo
Eu quero as notas seguindo o tom da sinfonia
E não me importa quais sejam as canções.
(Andressa Costa)
                Todo ser humano tem sua implicidades, afinal há sempre algo de tácito até nos nossos mais mínimos gestos. A alma não expressa assim tão diretamente suas todas vontades e seus mais discretos segredos, pois mesmo a si mesma ela tem lá seus velados. Há mais de nós escondidos em nós do que provavelmente supomos. E não é porque, às vezes, não se demonstra que não se sente.
                Nossas vidas são feitas de legendas e discursos. Como um texto em construção nos fazemos de subtextos e contextos, de ditos e não ditos. Somos mais um enorme inchaço de desejos contidos, aprisionados por baixo de nossas encenações cotidianas. Sim, queremos tudo a que temos direito e queremos mais: queremos a perfeição mais perfeita, a realização completa de todos os nossos sonhos. Não queremos exceção, mas sim queremos ser a exceção. Queremos tudo e não importa qual seja o enredo – como diz a poeta – e nem qual sejam as canções. Não importa a música que se assovie, mas o ar reprimido em nossos pulmões.
                “Dentro de mim mora um anjo/que tem a boca pintada...que passa horas a fio/no espelho do toucador”. Como diz Cacaso: “quem me vê assim cantando/não sabe nada de mim”. No fundo quero e queremos as estrelas no buraco negro de nossas almas tingidas de bege e branco. Somos amarelos, vermelhos ou azuis que sonham ser um inteiro arco-íris. Embora se viva de reciprocidades lá dentro distante do eu que se conhece e se faz conhecer há um homem fatal indiferente ao externo que lhe atrapalha o interno. Embora não queiramos admitir muitas vezes, há em todos nós uma autossuficiência inconsumada. Aquém de nossas humildes máscaras subverte-se um outro que prefere ser admiravelmente olhado, muito mais do que só amado. Talvez o anjo que nos habita com sua boca pintada seja como nos dizeres de Fernando Pessoa: “todo o homem que há sou eu. Toda a sociedade está dentro de mim. Eu sou os meus melhores amigos e os meus mais verdadeiros inimigos. O resto – o que está fora – desde as planícies e os montes até às gentes.. – tudo isso não é senão Paisagem”.
                A poeta se revela em sua poesia. Não mais nem menos narcísica como qualquer um. Nas entrelinhas de seus versos transpira toda sua humanidade, tão competente e satisfatoriamente humana em sua incompetência em não se poder ter tudo e em sua insatisfação de não se ser perfeita. Sim, cara poeta, também sinto em mim todos os meus quereres e igualmente uso minhas armaduras de proteção.  Elas pesam e incomodam. Antes a ousadia de me despir do que a covardia de me esconder. Porém só me vejo audaz e afoito quando fecho os olhos e sonho grandes voos.
                O anjo que mora em cada um de nós e que passa horas a fio no espelho do toucador é um anjo sem asas. Cortado, mutilado, lhe resta o sonho de um imenso céu de estrelas que iluminam o seu mais livre adejar.  Acontece que lá fora o céu está sempre engarrafado. Talvez sejam os outros anjos que estão a voar e o céu é pequeno demais para tantos. Mas não desista, minha pequena e jovem poeta, continue a querer voar e voe para além do horizonte. E lá chegando encontrarás com certeza outro horizonte tão longe e distante quanto o primeiro. E depois mais outro e depois outro e outro... E quando a tua, a minha, a nossa, vida acabar seremos como um astro que passou apressado e loucamente a sonhar.
E não me importa quais sejam as canções

Joaquim Cesário de Mello
Prezados  leitores. Em razão da demanda excessiva de postagens de comunicação breve de  ou temas inadiáveis, os administradores do LiteralMENTE, resolveram criar esse espaço para esse publicações extraordinárias. O "clipstomaníaco" não obedecerá uma regularidade de postagens, serão publicações eventuais cuja a excepcionalidade e o caráter emergencial serão julgados pelos adminstradores
                                                                     LiteralMENTE

domingo, 19 de agosto de 2012

O Drama de uma Personalidade


Ao ler o artigo recente de Joaquim Cesário aqui no LiteralMente sobre o amor limítrofe (ou borderline, como queiram) na personagem do filme “Betty Blues”, andei fazendo algumas reflexões sobre essa forma desmedida de “paixão”  na literatura. Não fiz muito esforço para lembrar de alguns personagens-títulos como a já citada Medeia de Eurípides (que comentei em outro artigo) Werther de Goethe, a Rainha da Noite (da Ópera A Flauta Mágica”, de Mozart) ou Cass (do conto “a Mulher mais Linda da cidade”,de Charles Bukowski), textos famosos em que essas personagens carregam  destemperos semelhantes em conseqüência de comportamentos impulsivos e destrutivos – expressão redundante? – que as levam à paixão e a desgraça.  Com exceção do personagem de Bukowski  todas as personagens são anteriores ao século XX, o que faz cair por terra a discussão de alguns psicanalistas  de que o “caráter” bordelines faz parte da nova geração das patologias dos “ideais da contemporaneidade” – um discussão caricata, repetitiva, para não dizer chata. Portanto, limítrofes, borderlines ou “emocionalmente instáveis” já desequilibravam as relações humanas desde antes de Freud, e mesmo com o surgimento de diversas abordagens psicológicas eles parecem ainda imobilizar sobremaneira analistas, psicoterapeutas e psiquiatras  do mesmo modo  que no tempos do psiquiatra francês  Philipe Pinel que se horrorizou ao descrever essa personalidade como “manie sans delire” (mania sem delírio) ou Esquirol que a descreveu “monomanias instintivas” (“monomaníacos arrastados para atos que a razão e o sentimento não determinam, que a consciência reprova e que a vontade já não tem força para reprimir”). O Horror de Pinel era justamente a impulsividade,  atos de violência extrema sem, contudo, a integridade psíquica  ou o entendimento da gravidade do ato  estarem prejudicados.

 Relacionar personagens fictícios com elementos da psicologia ou psiquiatria, como fez com profundidade Joaquim Cesário, é controverso, mas instigante – acredito, uma das características mais interessantes do LiteralMente. Alguns especialistas, contudo, supõem que a construção de personagem realizada por escritores ou diretores de cinema são caricaturas de sujeitos inexistentes. Não estão completamente errados, mas eu, particularmente, faço ressalvas a esses comentários. Penso que assim como há bons e maus profissionais “psis”, existem, por outro lado, bons e maus escritores – enfim, maus construtores de personagens –, e acho que do ponto de vista narrativo-descritivo alguns textos literários são mais verossímeis – no mínimo mais agradáveis – e trazem mais riqueza descritiva sintomatológica de determinados sujeitos do que muitas anamneses psicológicas ou psiquiátricas.  Cervantes com “D. Quixote” ou Gógol em “Diário de um Louco” por exemplo, fazem uma descrição muito minuciosa com ótimo entendimento do fenômeno delirante-alucinatório e, muitas vezes, mostram-se bem mais preciso se comparados a muitos textos puramente conceituais. Esses personagens-caso são geradores de várias leituras e interpretações  e, em algumas situações, discussões polêmicas.

                           No século XIX a vida de uma determinada mulher francesa provocou várias dessas discussões. A história de sua vida poderia ser hoje vista como corriqueira ou banal. Chamava-se Emma, uma mulher que na infância e juventude mergulhava num  devaneio muito comum as adolescentes e mulheres jovens: desenvolvia fantasiosos pensamentos de felicidade amorosa provenientes de romances sentimentais da burguesia francesa. Emma morava numa cidade de interior, era bonita e, ainda jovem, casou-se com o apaixonado Charles Bovary, um jovem médico mediano de interior. Para surpresa do que se poderia imaginar para a jovem esposa, a experiência do casamento seria vivida com sentimentos de tédio, desilusão, desapontamento e desencantamento. A rotina da vida conjugal ao lado do marido era bastante diferente do que idealizara para o casamento – Emma, na verdade, vivia uma vida de idealizações.  Ao contrário da literatura romântica da época, a vida ao lado de Charles, convidava-lhe para uma vida comum, corriqueira e sem os brilhos dos seus devaneios de adolescente.   Emma Bovary, com a ideia de uma vida conjugal condenada ao fracasso, insatisfeita, tenta resgatar, por assim dizer, as antigas fantasias de que haveria homens, maridos e casamentos ideais.  A partir daí sua vida é reconstruída, por várias dissonâncias e aventuras extraconjugais, em que ajudaria a reerguer seus desejos idealizados que, paradoxalmente, a levaria a um final trágico. Emma, no final da vida,  envenena-se por experienciar mais  fracassos e desilusões amorosas.  
                           A história de Emma poderia ser interpretada psicologicamente com o que a psicanálise chamou de caráter histérico, hoje denominado em psiquiatria como personalidade histriônica, que teria entre suas características: uma vida dramática, repleta de jogos sedutores, de “coquetismos”, pensamentos fantasiosos, carregando uma eterna idealização nas relações amorosas seguida de um, não menos infinito, sentimento de insatisfação. A histérica seria essa “eterna insatisfeita”. Emma seria, então, esta histérica freudiana. Contudo, Emma jamais existiu.

Gustave Flaubert


                           Emma é personagem-título do livro “Madame Bovary” de Gustave Flaubert – um dos romances mais importantes da literatura mundial. Apesar de ser uma mulher jamais existente, sua história foi motivos para polêmicas, proibições e condenações. O que haveria de tão escandaloso nesse livro? Os conservadores e puritanos o consideravam, na ocasião, pervertido e imoral, mas suponho que outra variante deverá ser pensada: as idealizações e  insatisfações de Emma Bovary, são retratos falados das insatisfações não só da mulher, mas de todas as pessoas.  Somos seres insatisfeitos e construímos fantasias de amor romântico  que são continuamente postas a prova. O fato de Emma ter ido ao ato seria o elemento mais ameaçador, o que poderia gerar uma ideia de que se somos como ela, somos todos transgressores ou adúlteros - o que é um equivoco. A edificação da personalidade compõe do desejo, do pensamento e do ato. o ato é imprescindível. não existem borderlines, histrionicos ou sociopatas sem atos. contudo, isso não nos impede de sermos semelhantes em desejo à Emma. Conta-se, que num determinado momento, Flaubert irritado, tivera dito ao tribunal num de seus julgamentos: “Emma Bovary c'est moi" (Emma sou eu)
                           Se olharmos para todas as pessoas-personagens com transtornos de personalidade, algo, invariavelmente, nos incomodará.  O incômodo, contudo, vem mais da semelhança que  da diferença.

Marcos Creder 

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

E. COLABORADOR:CONFISSÕES DE UMA ESTUDANTE TERMINAL: UM DESPERTAR PARA O AMANHÃ


Janaína Fonsêca (psicologia - FAFIRE)

Neste período de término da graduação de psicologia é muito comum nos vir à mente tal questão: “Que profissional eu serei?” Neste momento de tantas crises, esta questão vaga também em minha cabeça, e a cada minuto me cobro em ser uma profissional melhor a cada dia. Profissional melhor e estudante melhor a cada dia, eu digo. Pois sei que em psicologia o humano deve ser percebido, compreendido, nas suas diferentes formas de se apresentar ao mundo. Talvez, seja essa uma grande confusão em nossas cabeças de estagiários e mais tarde futuros psicólogos. A confusão se trata de querermos entender esse outro que se encontra em nossa frente tal qual Freud entenderia, ou Lacan, Rogers, Bion, Klein, enfim, tal qual esses teóricos tão famosos por suas descobertas.
Nessa sociedade tecnicista que muito se incentiva o uso de artifícios para facilitar o processo de chegada a ‘conclusões’, pensamentos, reflexões de forma mais rápida. Talvez, estejamos, buscando receitas que nos deem a certeza de que sempre iremos acertar. E muito nos frustramos quando percebemos que isso não existe.
Depois de lê vários textos, e de ter varias crises por essas dificuldades e certezas que eu procurava parei para pensar se de fato nossa geração, tida por mim como a geração da preguiça de pensar, tida como a geração que não busca criativamente novas formas de viver as situações da vida. Se de fato ela também não tem suas coisas boas?
Talvez, eu esteja sendo muitas vezes cruel comigo mesma e com os meus colegas. O fato é que essa cobrança de perfeição que nossa sociedade impõe a cada segundo, muitas vezes nos faz optar pelas coisas que apresentam um resultado que consideremos mais rápido e seguro.
ANITA MALFATI
A ESTUDANTE - ANITA MALFATI

Talvez por esses motivos nós escolhemos repetir técnicas e não cria-las ou simplesmente está abertos a vivencia-las. Às vezes essas falhas vêm pelo medo de errar, de não ser adequado em muitas das situações que nos são apresentadas na prática do fazer psicológico.
Realmente, passamos grande parte de nossa graduação centrados em teorias, em técnicas. Nossas graduações pouco nos possibilitam vivenciar/experienciar momentos de prática psicológica. E quando isso acontece, nossos pés saem do chão e muitos são os momentos que nos sentimos desorientados, sem saber o que fazer.
Talvez, a leitura de mais textos como esse nos permita o entendimento de que nós não precisamos acertar sempre. De que esse encontro psicoterapeuta cliente é um encontro que acontece naquele momento e de tal forma que nenhuma outra pessoa conseguirá vive-lo da mesma forma que você e o cliente naquele exato instante. Talvez, nossos mestres mesmos com as dificuldades que existiam em suas épocas optaram por ser mais ousados do que nós.
Devemos ousar mais, devemos buscar vivenciar as mais diversas experiências e sempre refletir sobre o que nos foi propiciado viver. Talvez a vida do profissional de psicologia, seja também de técnicas, mais muito mais de lançar-se em novas experiências, em buscar entender aquele outro que se apresenta, que busca ajuda acreditando que nós temos uma resposta. E digo, acreditando. Ele acredita que a gente pode resolver todas as questões do mundo. Mas nós devemos saber que essa crença que ele tem em nós mas tarde deve passar a ser crença em si mesmo. E isso  se dá através da vivência, da escuta, da compreensão de si mesmo e desse outro.
Eu, agora muito mais aliviada pelo que pude catarsear nesse texto, começo a perceber que a busca é incessante. Que todo conhecimento é valido diante de uma profissão onde o que nos é apresentado é tão plural. Ler mais, ir ao shopping, em loja de criança, escutar musica, ler poemas, fazer teatro, dança, conversar com pessoas, conhecer pessoas, lugares...também são instrumentos nos quais nos podemos usar dentro de nossos consultórios. Talvez essas experiências também nos dê algumas competências que os livros e as técnicas não poderão nos oferecer. Talvez, só elas possam nos possibilitar o contato com outro humano.
Penso que muito é o percurso que temos em nossa frente, mas espero que possamos de fato viver esse percurso. Tudo é importante no trajeto de compreensão do humano em nossa frente; cada detalhe, cada palavra, movimento... tudo que é sensível, mas também é de importância compreender sobre as modernidades tecnológicas. Para enxergar principalmente quando em nossa frente encontra-se um espelho. E sim, claro, não posso deixar de dizer que podemos não ser adequados, podemos ter medo, podemos querer corresponder a expectativas que não são nossas, podemos chorar, podemos desacreditar de nos mesmos em alguns momentos, mas também podemos sorrir, buscar, tentar, crescer, criar...porque antes de tudo somos humanos. Estamos distante de ser essa perfeição idealizada pelo nosso grupo social, e até por nós mesmos.
Psicólogo também tem problemas e dificuldades. A grande diferença em ser psicólogo é o nosso olhar para o mundo e a nossa vontade de fazer o melhor por um outro humano.
É somos humanos,
vamos ousar mais....

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

ESPAÇO DO COLABORADOR: A Ocacidade da Pedagogia do Vazio


Jorge Armando
(Poeta, psicólogo e professor universitário)


Interessantíssimo os recentes posts de Joaquim Cesário de Mello, principalmente os titulados RAÍSES PSICOLÓGICAS DA PSICOTERAPIA e RECITAR-SE: UMA PEQUENA ODE AOS PSICÓLOGOS DO AMANHÃ. A partir deles arvoro-me em expor também aqui minha visão e leitura sobre a formação atual dos psicólogos.
                Primeiramente há de se destacar que de tempos em tempos vivemos períodos de moda onde, por meio da academia e da mídia, hegemoniza-se uma determinada escola de pensamento em detrimento das demais. Sou de uma época em que o modismo era a Psicanálise ou mais precisamente a psicanálise lacaniana. Ainda peguei os estertores da biodança e do movimento bioenergético. Depois veio a Psicoterapia Breve e agora temos a TCC.

                Como todo e qualquer modismo o que se faz é comprar, falar, fazer e ser o que a tendência dita, ou seja, ser como todo ou quase todo mundo (efeito manada). Talvez isso se deva a nossa forte necessidade de se sentir pertencente. Receamos nos colocar à parte do todo e acompanhamos a maioria cegamente por temer sentimentos de exclusão social, embora para tal venhamos a pagar um alto preço que é nos tornarmos pessoas unidimensionalizadas. O termo “homem unidimensional” foi utilizado pelo filósofo Herbert Marcuse para falar do ser humano inserido em uma sociedade industrial moderna que através de sua racionalidade tecnológica de dominação oprime as massas e controla e tolhe as consciências humanas. Na satisfação das necessidades artificiais vive-se, pois, a “mecânica do conformismo”. O homem unidimensional, segundo Marcuse, é um consumista acrítico que dominado vive dependente das máquinas e da tecnologia, sendo assim, portanto, um ser coisificado que apenas vê a superficialidade das coisas e do mundo e não sua essência.
                Marcuse pode ser considerado, com justa razão, o pensador e o filósofo da contracultura e sua influência sobre a juventude da geração que me antecedeu foi marcante. Pena que seu nome sequer seja conhecido pelos jovens de hoje – e não é pra menos. Até porque basta indagar a qualquer universitário médio quem, por exemplo, pintou a Capela Sistina, ou o que representou o Iluminismo na história da humanidade, ou quem escreveu A Montanha Mágica, ou quem foi Sêneca ou Albert Camus, para termos como resposta um subnutrido silêncio de quem não sabe. Agora pergunte a esse mesmo estudante universitário quem criou o Pato Donald, o que significa Apple, quem é Ivete Sangalo ou qual é o nome da novela das oito da Globo e terá uma imediata resposta. Pode apostar: pegue um cara de ciências humanas, de exatas ou de ciências sociais que praticamente dará no mesmo.
                Mas quer-se o que, afinal? São jovens já nascidos dentro de uma Sociedade de Consumo e de Espetáculo. Desde tenramente respira-se a cultura do narcisismo e a lógica da vida é a lógica Mcdonaldiana do fast food. Engorda-se de batatas fritas, hambúrgueres e frituras várias, ao tempo que se emagrece de cultura, erudição e densidade. Zygmunt Bauman é quem tem razão: estamos nos liquidificando cada vez mais em uma modernidade cada vez mais líquida. E pensar que a qualidade dos professores, dos alunos e das faculdades e universidades estão formando o profissional que um dia iremos procurar ou necessitar amanhã. Deus tenha piedade de nossas almas.
                Não vamos chamar essa grande leva de estudantes secundários ou universitários de “burros”, pois a questão não é cognitiva, mas sim de uma estupidez socialmente construída. A grande maioria, mas a grande maioria mesmo, é constituída de pessoas massificadamente formadas para serem “pobres de espírito” e “doutores iletrados”. O analfabetismo funcional impera, embora esses mesmos “analfabetos passivamente criados” nem sabem ou se percebem como tais. Diz um antigo provérbio popular “em terra de cego quem tem olho é rei”. Também já dizia Nelson Rodrigues (dramaturgo brasileiro – caso algum universitário médio esteja por aqui lendo - e um dos principais nomes do teatro moderno) “toda unanimidade é burra”. Claro que há exceções, mas é uma minoria cada vez mais rarefeita.
                A estupidez vigente não é em si falta de inteligência, porém falta do exercício da mesma. Talvez fosse melhor falarmos de ignorância. É, ignorância é palavra mais pertinente, por isto retiremos o termo estupidez. Fiquemos com ignorância que pelo Wikipédia (a Barsa dos tempos atuais) é “a falta de conhecimento, sabedoria e instrução sobre determinado tema”. A subnutrição cultural, o raquitismo intelectual e pobreza crítica é a nossa nova geografia da fome.
                Mas, venhamos e convenhamos, deve-se limpar um pouco a barra dos coitados alunos de então. Observem mais nitidamente a pedagogia sonrisal. Muitos professores são tão e quanto subalimentados e subalimentadores, basta uma expressão aqui e acolá em inglês que já é quase chamado de gênio. Na farsa em que se tornou o ensino universitário se tirar o data show ele (ou ela) se perde todo. Se espremer o bicho num sai mais de que algumas gotas e olhe lá. O professor finge que ensina, o aluno finge que aprende e a faculdade finge que forma. E todos ficam felizes.
                Quer um exemplo? Vamos lá. Adentre e caminhe pelos corredores de uma universidade ou faculdade e olhe os livros que os estudantes estão carregando ou lendo. Tá, já sei o que você vai dizer, é muito raro um estudante em uma faculdade com um livro, exceto nos dias de prova quando a biblioteca fica cheia, bem como as filas de xerox. Mas faça um esforço, afinal podemos achar alguém ou algum. Caso se ache, tente ver o título e o autor do livro. É muito provável que o que se encontre são livros de vários autores, ou seja, os chamados livros com um ou dois autores responsáveis pela organização – o famoso “orgs”. Se puder abri-los logo você verá que cada pretenso autor tem em torno de 10 páginas. Não, não há teoria se construindo dentro deles, apenas reprodução (muitas vezes ralas) do resumo do resumo da ópera.
                Um olhar mais agudo e atento haverá de enxergar um monte de professores defasados, muitos inclusive que basta pegar uma xerox de caderno do ano anterior que você já tem em mãos todas as aulas. Este quadro todo só faz alimentar ou retroalimentar o silencioso e perverso fenômeno do analfabetismo funcional. Uma considerável quantidade de alunos apresentam significativas deficiências em sua capacidade de decodificar minimamente textos e livros. Desse modo cai-se o nível de complexidade desenvolvida nas salas, chegando-se até às beiras do rudimentar, pois assim o corpo docente se sente satisfeito por achar que está entendendo ou realmente aprendendo alguma coisa.
                Certa vez em uma palestra de Joaquim Cesário (provável que ele nem se lembre mais) ouvi ele associar a vida com o espetáculo da semana santa em Nova Jerusalém  quando dizia que na vida ou somos atores principais, ou coadjuvantes ou figurantes como aqueles que apenas acenam os ramos no passar do jumento carregando os principais protagonistas. Pois é, cabe a cada um fazer suas escolhas e com elas seus esforços: se será um ator principal, um coadjuvante ou se vai passar a existências balançando ramos.
                Fico feliz em saber, como afirma Joaquim, que ainda temos nas salas de aula pessoas decididamente comprometidas com suas escolhas profissionais e acadêmicas. Que ainda há luzes no fim do túnel e que, assim como ele, poderei no futuro encaminhar com mais sossego, confiança e tranquilidade meus netos a algumas pessoas que hoje são os psicólogos do amanhã. Só peço a ele seus telefones e endereços.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

ESPAÇO DO COLABORADOR: Por uma TCC que valorize o SER


Alice Lima (psicologia - FAFIRE)

Quando li aqui no LiteralMENTE no dia primeiro de julho o texto de Joaquim Cesário (Raízes psicológicas da psicoterapia: anatomia de uma relação) me surpreendi e me interessei por que o texto vem a complementar reflexões que venho fazendo sobre a abordagem que escolhi e que me traz grandes alegrias e também muitas dúvidas.
A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) surgiu na década de 60 e foi desenvolvida por Aaron T. Beck. É uma terapia breve, estruturada e orientada para o presente, tem como objetivo resolver os problemas atuais e modificar os pensamentos e comportamentos disfuncionais, aqueles que influenciam o humor e o comportamento do paciente. A mudança no pensamento e nas crenças do paciente promove uma mudança na emoção e no comportamento.
Vários estudos comprovam sua eficácia e sua proposta de ser orientada para o presente é a mesma de toda psicoterapia,independente da abordagem escolhida. Porém algumas questões me inquietam e me preocupam. É o nosso caminho, a certeza não engradece, a dúvida sim.

Gostaria então de fazer um levantamento geral de minhas dúvidas e sugestões e compartilhar com vocês para que possamos discutir as possibilidades. Já fiz Psicoterapia com terapeutas Cognitivos comportamentais e digo uma coisa: existe muita gente boa no mercado, mas muita, muita gente ruim, decoradores de técnicas, reprodutores de métodos e até repetidores de falas de outros terapeutas, parece haver certo dialeto utilizado pelas abordagens, não só a TCC e que se repete de maneira absurda, pois tudo que é repetição, caricatura, carece de profundidade. O que vejo em muitos casos é uma psicoterapia tão mecanizada, com técnicas tão padronizadas e sessões tão estruturadas que até o que se fala no consultório é repetitivo. Lembra uma peça ensaiada e como toda peça, se surge algo improvisado, só os bons atores conseguem dar continuidade ao enredo.
A questão aqui não é uma contestação da Abordagem Cognitivo Comportamental, nem mesmo uma invalidação de suas técnicas, mas um alerta para que os psicoterapeutas que trabalham com a TCC não fiquem reféns de técnicas e padrões. As técnicas devem servir de complemento para a psicoterapia. O foco deverá ser o cliente e seu conflito, sem pressa, sem padrão, a relação terapêutica, a aliança que pouco a pouco vai sendo construída.
Gosto da liberdade e possibilidade que a Terapia cognitiva nos traz, a possibilidade de uma pesquisa maior e mais diretiva sobre o modo de ser do paciente, uma atitude mais ativa, um direcionamento maior da terapia... Podemos fazer da terapia e suas técnicas um processo maravilhoso e efetivo de trabalhar. Com o cliente tendo participação conjunta conosco ou podemos nos limitar às técnicas, sem aprofundamento sobre ao outro, sobre a vivência do outro, sobre seus reais sentimentos e razões e a partir daí utilizar a técnica para ajudar.
Discordo que a Terapia Cognitivo Comportamental é eficaz apenas para determinados transtornos, acredito que ela é melhor e tem uma funcionalidade maior com determinados transtornos sim, como o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno obsessivo compulsivo, mas ela pode ser efetiva em todos os transtornos, afinal somos todos psicólogos, independente da abordagem escolhida. O nosso foco e toda nossa formação é voltada para ajudar, para entender os fenômenos psicológicos e junto com o paciente orientá-lo sobre suas atitudes que estão trazendo desconforto. Desde que o psicólogo seja comprometido, sensível ao paciente e suas necessidades, a terapia cognitiva, analítica ou outra qualquer será de ajuda real.
Existe o momento de falar e o momento de ouvir, o momento de entender e observar e o momento de aplicar uma técnica. Minha intenção com esse artigo é alertar os terapeutas cognitivos comportamentais a não virarem escravos das técnicas, não transformarem a terapia em um momento padronizado, cheio de metas e números. Temos em nossas mãos uma abordagem que nos apresenta mil oportunidades de ação, mas às vezes nenhuma técnica é necessária, apenas ouvir e acolher e não há por que se sentir pressionado a aplicar um teste ou verificar resultado, o resultado virá, sem tempo, sem pressa, sem padrão.