domingo, 31 de março de 2019

DITOS, DITADOS E SIGNIFICADOS

Resultado de imagem para ditado popular




A voz do povo é a voz de Deus, diz um ditado popular. Literalmente não significa que Deus esteja diretamente falando através da boca do povo em geral, mas sim que há muita sabedoria nos provérbios populares. Provérbios são rifões, adágios ou máximas de autores desconhecidos que com uma sentença mínima expressam muitas coisas que os antigos nos passam através da cultura do senso comum. Decididamente um ditado é a sabedoria das pessoas simples e humildes. Quem sabe das coisas do povo é o povo; e quem de cada um de nós não é, de fato, parte do povo?

Resultado de imagem para pilulas de sabedoriaMuitos dos provérbios e ditados populares têm origem em tempos remotos, inclusive desde à Antiguidade Clássica. Devido a seu formato sintético e enxuto o dito popular é tanto fácil de lembrar quanto de transmitir, razão pela qual ele pode ser usado em vários contextos de conversação, entre eles durante o diálogo psicoterápico. Assim, vejamos alguns e seus significados e pertinências.

GALINHA QUE ACOMPANHA PATO MORRE AFOGADA: é aquela velha história das males companhias. Quem anda muito com X acaba se envolvendo em situações X, ou seja, quem vive acompanhando pessoa ou gente encrenqueira acaba se metendo em encrenca. 

A NOITE TODOS OS GATOS SÃO PARDOS: no escuro todo mundo é igual passa a ideia de que à distância podemos confundir alho com bugalho, isto é, achar que algo ou alguém é uma coisa quando é outra. Quase parecido com aquele dito de que todo homem calça quarenta. Pois é, necessário melhor conhecer para não generalizar, afinal no meio de uma multidão as particularidades não são enxergadas. 

GATO ESCALDADO TEM MEDO DE ÁGUA FRIA: realmente, se um dia um gato se queimar com água quente tenderá (trauma) é evitar água (mesmo que fria) para não sofrer de novo. Mais uma vez o fenômeno da generalização, afinal só porque uma água estava quente que todas as águas serão a partir daí quentes.

QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COM GATO: ou seja, se a pessoa não consegue algo de um jeito crie outra maneira de conseguir. Da mesma forma que se os recursos de um indivíduo não estão sendo suficientes para solucionar um problema ou resolver um conflito, que este indivíduo utilize-se de recursos seus nunca antes utilizados. 

QUEM SEMEIA VENTO COLHE TEMPESTADE: passa a ideia de que a gente colhe o que a gente planta. Por isso que os latinos antigos diziam que devemos cuidar de nossas vidas como quem cuida de um jardim

SE VOCÊ NÃO MUDAR A DIREÇÃO TERMINARÁ EXATAMENTE ONDE PARTIU: já que o mundo (planeta Terra) é redondo, se só seguirmos em frente em linha reta terminaremos no mesmo lugar que começamos. Pois é, ao longo da existência muitas vezes é necessário saber mudar a direção que estamos dando às nossas vidas, ou seja, adequar nossas metas às circunstâncias do momento e à mudança da realidade. Talvez por isso o poeta Mário Quintana afirmava que a linha curva é o caminho mais agradável entre dois pontos e que a linha reta é uma linha sem imaginação

A LÍNGUA RESISTE PORQUE É MOLE. OS DENTES CEDEM PORQUE SÃO DUROS: trata-se da flexibilidade. A flexibilidade psicológica fundamenta-se na capacidade humana de ampliarmos nosso olhar frente às situações. Pessoas rígidas tendem a terem dificuldades maiores em se adaptar e a se ajustar às mudanças da vida, sejam elas normativas (ciclo de vida) e/ou acidentais.

FRACASSAR NÃO É CAIR, MAS SIM RECUSAR-SE A LEVANTAR: tal ditado nos remete à nossa capacidade de resiliência, que, por sua vez, significa a capacidade que temos em resistir às pressões sem quebrar, isto é, sem descompensar. É o famoso levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. 

Joaquim Cesário de Mello

domingo, 10 de março de 2019

A ESTRANHEZA EM TELA

Resultado de imagem para segredo do cervo sagrado





Um bom roteiro faz a diferença em um filme. Um bom diretor faz a diferença em um filme. Um bom roteiro nas mãos de um bom diretor faz, então, um filme muito bom, principalmente quando o próprio diretor é igualmente um roteirista de sucesso e relevância, que é o caso do grego Yorgos Lanthimos em seu filme O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017).
Resultado de imagem para segredo do cervo sagrado, filme
A história em questão se inicia banal e lentamente. Aos poucos somos levados e perceber que estamos frente a um filme de suspense devido a música de fundo em algumas passagens. A música começa leve e sutil, pouco perceptível. Porém com andar da trama ela se eleva em um clímax de orquestração tal que chega a dominar toda uma determinada cena (aos 40 minutos e 55 segundos de exibição) ao rufar angustiante dos tambores. Touché, estamos fisgados e aprisionados em um enredamento dramático de incertezas e expectativas. Como em toda boa história de suspense a ansiedade nos arrebata. O Sacrifício do Cervo Sagrado é sim um filme de suspense, mas um filme de suspense psicológico inusual e diferente do costumeiro.
Resultado de imagem para ifigênia em aulis
O script fílmico tem suas raízes fincadas no erudito, mas precisamente no lenda grega de Ifgénia, cuja versão mais conhecida é Ifgénia em Áulis, última peça teatral de Eurípides (século V a.C.). O próprio título (O Segredo do Cervo Sagrado) faz menção ao mito, visto que, segundo Eurípedes, antes de partir para Troia Agamenon irritou à deusa Ártemis (deusa da caça) ao matar um cervo em uma floresta sagrada. Daí Ártemis passa a exigir o sangue da vingança em troca. (Pausa): sugiro assistir ao filme sem se conhecer ou se pormenorizar na mitologia da Antiguidade Clássica, pois assim o filme melhor se insinua em nossa veias e subjetividade.

Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes, o filme resvala para o terror, porém um terror sem imagens de terror do tipo monstros ou assombrações. Um terror feito de emoções contidas, do silêncio dos espaços ao redor (belas imagens em grande angular), da estranheza da ausência das lógicas cartesianas e da excessiva higienização como se o mundo fosse um imenso hospital de longo corredores assepticamente desérticos como os corredores do Hotel Stanley Hotel do filme O Iluminado de Stanley Kubrick. Eis mais um filme com a grife e assinatura de Lanthimos.

Resultado de imagem para Yorgos LanthimosO estilo de Lanthimos é por excelência antinatural, isto é, ele prima por buscar incessantemente a desconstrução do liame racional da vida humana e de suas relações sociais. Absurdo por ser ilógico, instigante por ser intrigante, enigmático por ser metafórico, excêntrico por ser bizarro, onírico por ser surreal, engenhoso por ser inteligente e genial por ser original, Lanthimos é um cineasta à parte do que se espera de um cinema industrial.

O Sacrifício do Cervo Sagrado é tenso e aflitante. Incomoda acompanhar a frieza mecânica e letárgica dos personagens. Quem for minimamente conservador não assista o filme. Até para alguns mais afoitos ele pode ser indigesto. Decididamente cinema não é a maior diversão.

Joaquim Cesário de Mello