segunda-feira, 18 de novembro de 2019

PSICOTERAPIA DO PACIENTE BORDERLINE






Anteriormente publiquei, em 12/11 passado, um texto sobre a condição borderline (NAS FRONTEIRAS DO LIMITE DO VAZIO). Terminei-o falando rapidamente de algumas questões relacionadas ao âmbito da relação psicoterápica com pacientes/clientes com transtornos de personalidade borderline. Gostaria agora de dar continuidade ao assunto. Siga-me, então, quem quiser.

Uma pessoa cuja estrutura de personalidade se organiza de maneira borderline é uma pessoa que deseja ser amada incondicionalmente, amor este advindo de suas carências básicas e de suas necessidades idealizadas de ser acolhida e aceita sem limites. Evidente que uma pessoa de coração assim tão descontrolado acaba por afastar as pessoas de si, ou ela mesma se afastar das pessoas a qualquer frustração e desatenção. Vê-se, de antemão, tratar-se de pessoas que, quando em tratamento psicoterápico, tornam-se pacientes difíceis e que leva bastante tempo para que possam, de fato, estabelecer uma aliança terapêutica. Lembremos que na primeira década do século passado eram pacientes chamados de "não-analisáveis". 
O objetivo intrapsíquico em uma psicoterapia com pacientes borderlines é propiciar um espaço onde o ego possa desenvolver-se. Trata-se de atender pessoas cuja organização em seu modo de ser e existir é caótica e desorganizada, com relacionamentos interpessoais instáveis e oscilantes. Nelas estão presentes padrões de comportamento impulsivos e baixa tolerância à frustração e à ansiedade. Sua impulsividade muitas vezes se manifesta em uma conduta e caráter auto e/ou aloagressivo, o que contribui para a dificuldade em ter e manter uma relação mais equilibrada e estável. 
O modelo de atendimento psicoterápico de uma sessão semanal parece-nos insuficiente no enquadre com o paciente borderline, sendo duas sessão semanais, no mínimo, mais contraproducente. O reforçamento egóico é a meta inicial principal, evitando-se a associação livre e o trabalho interpretativo antes que o paciente demonstre um ego mais fortalecido frente a suas demandas impulsivas e mais tolerante quanto às frustrações e aos sentimentos de ansiedade. Trabalha-se, assim, com o material trazido e não diretamente com conteúdos e motivações inconscientes. Porém isto não é uma unanimidade do campo clínico, visto que há autores que sustentam o uso de interpretações precoces. Há controvérsias. 
Nossa posição a respeito entende que o manejo clínico em situações tais parte de uma mudança paradigmática, isto é, a ênfase que se dá na construção de um vínculo seguro e uma relação terapeuta-paciente razoavelmente confiável. Não é fácil, sabemos, mas este é o foco primordial, quiçá, por muito tempo, até o único. A transferência negativa só é trabalhado em condições extremas que ameacem a continuidade do próprio processo psicoterápico. Neste sentido, percebe-se a importância da utilização dos aspectos psicodinâmicos característicos de uma abordagem suportiva e de apoio. Aqui reside um dos pontos nodais da psicoterapia com pacientes borderlines: a flexibilidade entre uma postura de apoio conjugada ao enfoque na própria relação terapêutica abordando percepções negativas e não-realistas ou excessivamente idealizadas que possam perturbar o tratamento propriamente dito.
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Como escreve Rosa Cukier, em seu livro Sobrevivência Emocional: As dores da Infância Revividas no Drama Adulto,  as dificuldades da psicoterapia com pessoas borderlines são inúmeras. A sensação, diz ela, é a "de estar construindo uma casa no meio a um furacão". As respostas emocionais do terapeuta podem ser intensificadas frente a intensidade emocional e afetiva que vive o paciente. Corre-se o risco, assim, de hiperdimencionar a raiva manifesta em detrimento da vulnerabilidade muitas vezes latente, bem como o risco de culpabilizar o paciente pela própria situação, autodestrutividade, desgraça ou baixo êxito terapêutico. 
Resultado de imagem para BORDERLINENo acompanhamento com pacientes com transtornos borderline de personalidade os atos impulsivos e os acting outs são frequentes, diminuindo com o tempo e a confiança que vai se estabelecendo entre o par terapêutico. O holding é necessário para que os limites possam ser colocados e confrontados sem com isso o paciente se sinta mais invadido do que apoiado. O movimento dentro da clínica é um movimento de avanços e recuos, pois se trata da clínica da criança eternamente mal amada em busca do cuidador ideal. A barreira profissional deve ser preservada pela terapeuta a todo custo, porém isto não deve ser confundido com rigidez terapêutica ou excesso de assepsia profissional, pois são pessoas que precisam sentir a pessoa real do terapeuta. Firmeza não é sinônimo de aspereza. 
Um componente importante a se destacar no acompanhamento com pacientes borderlines é a questão de como eles se enxergam. A percepção de si é marcadamente negativa, pois são pessoas que usualmente se vêem muitos pior do que são, seja fisicamente seja psicologicamente. Tanto a autoimagem quanto a autoestima são alteradas. Há internamente uma espécie de vácuo, proveniente de uma falta segurança afetiva interior. Por isso é comum serem pessoas que necessitam avidamente de aceitação, porém qualquer minima desatenção os levam a explosões de raiva. Podemos afirmar serem pessoas sufocadoras em sua constante fome de serem amadas. Neste sentido o trabalho clínico é contribuir para construir uma melhor imagem de si e de seus objetos de maneira mais realista, coerente e integrada.
Resultado de imagem para CUIDADOS MATERNOSDentro da perspectiva de Kohut entende-se que o vínculo com um paciente borderline reproduz uma tentativa de reativar uma relação parental falha. Para Kohut a pedra fundamental da técnica psicoterápica é a empatia, priorizando trabalhar com sentimentos próximos da experiência vivenciada pelo sujeito em sua condição border. Deve-se, assim, evitar buscar significados ocultos e inconscientes, e enfocar a experiência subjetiva consciente do paciente. Todavia não se deve negligenciar questões inconscientes importantes, confrontando sempre que possível os componentes transferenciais negativos dirigidos aos outros e ao próprio psicoterapeuta. 

Por mais tumultuado e caótico que seja a organização psíquica da estrutura borderline, são pessoas e como tal trazem consigo recursos não-psicóticos que podem ser acionados a serviço de uma melhor estabilidade possível. Embora sejam pacientes muitas vezes denominados de difíceis ou de difícil acesso a psicoterapia é possível e com resultados satisfatórios. Trata-se de um acompanhamento psicoterápico em princíprio de longo prazo cujos princípios básicos resumo abaixo:
- estrutura estável de tratamento;
- posição terapêutica ativa;
- continente à raiva do paciente;
- confrontação em relação aos comportamentos autodestrutivos;
- estabelecimento de conexão entre ação e sentimento;
- intervenções no aqui-agora
- automonitoramento da contratransferência
Uma clínica desafiadora e fascinante. Um mundo humano a ser melhor explorado, compreendido e ajudado. Deixo como sugestão o vídeo abaixo, referente a entrevista da psiquiatra e escritora Ana Beatriz Silva no programa Sem Censura na TV Brasil:
Joaquim Cesário de Mello


7 comentários:

Carla M. disse...

Dá pra ver indícios de por que fascínio. Parece ser uma clínica extremamente (!) rica e desafiadora, ao pôr em relevo as possibilidades do diálogo com a cadência afetiva própria do borderline. Eu gostaria que tu continuasse mais a trazer esses fascínios sóbrios sobre essa clínica!

anderrly xavier disse...

Tenho fortes traços do transtorno, inclusive entrei num grupo de borderline e tive a certeza, o tratamento é caro por consulta e psicólogos/psiquiatra de posto público não mostram interesse num diagnóstico mais aprofundado e sempre repetem as mesmas coisas. Gostaria de indicações de profissionais que tratem dessa área que não cobre tão caro.81 998540908

Unknown disse...

Minha esposa tem borderline ha 01 ano, atualmente está internada numa clinica chamada "novo Nascer" em Aldeia, Camaragibe. gostaria de saber profissionais mais específicos nesse transtorno, para que minha esposa possa ter um tratamento adequado, no caso psiquiatra, pois psicoterapia já achamos uma muito boa.

favor entrar em contato, email: marciliodesiqueira@gmail.com

MIRANDA disse...

Ola!como se pode chegar a conclusión de que unha persona ten o trastorno ou solo rasgos?

literalMENTE disse...

VIDE: http://psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=184

Unknown disse...

Talvés seja preciso mais observação no nível e de onde vem essa categoria? afinal o boderline vive nas bordas, e bordas de qual estrutura psíquica? em quê momento familiares amigos ou mesmo o social encaixam essa pessoa com esse transtorno? será que os tempos modernos onde tudo é produto, inclusivel pessoas, podem ser objeitos do desejo do outro? talves do sistema, onde procuram uma resposta para tudo ser encaixado em um CD10? ou mesmo em qualquer outra visão terapêutica? será que algum momento pode ser notado que o boderline vive a angústia por si só é quê pode acontecer contribuições externas a qual pode catecorizar pessoas com essa está estrutura simplismente por estar acima do conhecimento científico?

EDNA P. BORBA ARAUJO disse...

A pessoa com a organizacao borderline é "um balaio de gatos", diz J. Gabbard. Concordo. Texto excelente para todos q desejam saber mais desse universo.