domingo, 27 de outubro de 2013

A IMAGINAÇÃO NUMINOSA




Já imaginou o poder que tem a imaginação? Trocadilhos á parte, a mente humana é impregnada de imagens. Imagens de si própria, imagem dos outros, do mundo, da vida e dos cosmo. O sociólogo e escritor Juremir Machado diz que "o ser humano é movido pelos imaginários que engendra". As imagens mentais que habitam nossos psiquismos são representações e figurações do mundo percebido e sentido. A alma humana é um grande palco por onde transitam personagens, cenas e cenários vários. 
Há uma considerável diferença entre "ver uma coisa" e "imaginar uma coisa". Somos capazes de "ver" internamente uma coisa sem que estejamos objetivamente vendo. Podemos ver sem ver. Quando imaginamos uma paisagem mentalmente a contemplamos. Quando imaginamos uma música mentalmente a ouvimos. A imaginação é criadora. A imaginação é transformadora. Todavia, como faculdade mental, muitos de nós não dá a imaginação a mesma importância e valor que se dá a outras funções psíquicas, tais como a inteligência, o pensamento a memória e o sentimento. Em psicologia estudamos mais estas funções e muito pouco ou quase nada nos dedicamos à imaginação.
Jean Paul Sartre, por sua vez, atribui ao ato de imaginar algo mágico e poderoso, afinal a imaginação é uma forma de consciência e como tal tem o encantamento de modificar o "real" ou a leitura que fazemos desse "real". E aqui reside a força criadora e mutante que tem o exercício de imaginar, visto transitarmos entre dois mundos: o real e o imaginário. Ou como diz o escritor e Nobel de literatura Bernard Shaw: "imaginar é o princípio da criação. Nós imaginamos o que desejamos, queremos o que imaginamos e, finalmente, criamos aquilos que desejamos". 
O uso da imaginação no campo da Psicologia Clínica, mais precisamente em psicoterapia, é vasto e carente de maiores investigações. É intensa a correlação entre imaginação, pensamento, linguagem e emoção. Uma pessoa sente seus desejos, pensa seus sentimentos e imagina seus pensamentos. Somos, por excelência, seres imagéticos. Lembremos que temos qualidades cerebrais e psíquicas tanto conservadoras (reprodutoras) quanto criadoras (adaptadoras). Nosso cérebro e nossa mente têm uma ampla plasticidade que, quando bem utilizada, otimiza-nos. Uma imagem psíquica é, no fundo no fundo, um construto e como estruturação de significados ela pode gerar estados de sofrimento ou não. E é aí que reside a importância terapêutica como instrumento para lidar e tratar com ansiedade e outros transtornos emocionais e suas sequelas. 
O poder da imaginação é tanto que atinge até a fisiologia do corpo. Por exemplo, uma pessoa com inibição social só de imaginar que terá de fazer uma apresentação de um trabalho escolar em sala de aula chega a suar, tremer as mãos e ter taquicardia como se lá estivesse, embora esteja no aconchego do seu lar e no ar-condicionado. Imaginar gera estresse mesmo na ausência real de um estressor. Se ao imaginar algo somos capazes de alterar nossas emoções e comportamentos, imagine (sem trocadilho) sua utilização como instrumento de transformação e seu uso como estratégia de intervenção psicoterápica. James Hillman, em seu livro Ficções Que Curam, reconhece que a prática psicoterápica é uma arte imaginativa e poética. Ao se lidar com sofrimentos psíquicos devemos lidar com as histórias nas quais tais sofrimentos se imaginam. Diz Hillman ao se perguntar "o que quer a alma" respondendo: "histórias que curam". 
A imaginação, quando bem estimulada por uma linguagem terapêutica pertinente, exerce uma eficácia transmutativa considerável, ao acionar as bases psicodinâmicas do psiquismo e mudando tanto o conteúdo da imaginação quanto o modo de imaginar. Para que uma nova ideia seja psicologicamente dinamizante é necessária que seja fulgurante, expressiva e plasticamente instigante. Dessa forma a linguagem figurada em psicoterapia é um instrumento comunicacional e terapêutico notável. Metáforas e analogias, assim como o uso de parábolas, alegorias, fábulas, versos, provérbios populares, contos e elementos simbólicos vários, fertiliza a imaginação e propicia que "a palavra se faça carne". A linguagem imaginífica é, portanto, uma grande força psíquica e estimulativa de mudanças significativas e consistentes. Não podemos, nem devemos, em psicoterapia desprezar a qualidade influente de uma presença invisível (imagem) e sua formidável peculiaridade de alterar consciências e estados emotivos. É como já dizia Albert Einstein: "a imaginação é mais importante que o conhecimento". 
No passado Freud fez uso das metáforas nas interpretações dos sonhos, assim como Jung ao se utilizar de mitos, arquétipos e símbolos. A metáfora é um excelente recurso terapêutico ao levar o paciente espontaneamente a um processo natural de mudança imagética, permitindo o mesmo, assim, a "enxergar" imaginariamente alternativas ainda não visualizadas conscientemente. O efeito benéfico de uma letra musical, por exemplo, em uma intervenção por parte do terapeuta é mais profundo do que uma simples afirmação ou ordem de mudança. Ao invés de diretamente se dizer a um paciente/cliente que ele está deixando sua vida passar ao largo, porém associar o material discursivo do mesmo com uma passagem musical lembrada como um trecho da canção Carolina de Chico Buarque "eu bem que avisei a ela/o tempo passou na janela/e só Carolina não viu" é no instante mais impactante ao psiquismo do paciente, principalmente se for cantarolada. O campo perceptivo absorve com mais eficácia tal imagem, iniciando um profícuo trabalho elaborativo mental.


Tolo ou ingênuo é aquele psicoterapeuta que subestima o poder psicológico da imaginação. Que desconhece o que escreve Fernando Pessoa ("as figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais"). É, pois, um psicoterapeuta sem imaginação e, assim sendo, deixa escapar a qualidade inteligente e modificativa da mesma tornando-se como consequência um terapeuta reduzido, limitado, pobre, menor e menos fértil. Que pena...
Joaquim Cesário de Mello

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

VALE A PENA VER DE NOVO

HÁ MAIS MISTÉRIOS ENTRE O CORPO E A ALMA QUE VOSSA VÃ BIOLOGIA



Estive recentemente num evento de psiquiatria e pude constatar que uma parte da neurociência que se dirige aos aspectos biológicos dos transtornos psiquiátricos e do comportamento vem trazendo algumas novidades que nos estimula a repensar na causalidade dos sintomas psíquicos – uma velha discussão. será do corpo? Será da alma? Do ambiente social? Como a discussão, no evento, partiu dos aspectos genéticos dos transtornos mentais, vamos, então, tentar seguir o mesmo raciocínio.

O Contador Antropomórfico - Salvador Dalí


Voltemos às aulas de biologia da época do colégio: os professores geralmente traziam duas teorias da evolução das espécies: a de Charles Darwin e a de Lamarck. O primeiro dizia que a transmissão genética era levada pela evolução do mais apto e que as mutações ocorriam ao acaso, sem a interferência do ambiente. O segundo, muito mais criticado, era de que as mutações ocorriam de acordo com as necessidades ambientais. Vejamos um exemplo – grosseiro, contudo – de ordem psíquica: se temos um grupo pessoas deprimidas e outro de  não deprimidas, de acordo com Darwin os não deprimidos estariam mais aptos e tenderiam a transmitir seu material genético do que aqueles deprimidos, – e esses, caso tivessem filhos levariam, necessariamente, a transmitir geneticamente seus gens aos seus descendentes obedecendo as leis da genética mendeliana. Para Lamarck os deprimidos ao deixarem sê-los, em razão de tratamentos, poderiam transmitir, por assim dizer, a saúde. Essa hipótese parece ser mais absurda, mas é a que vem tendo um sem número de publicações na atualidade. Trata-se da visão epigenética. Essa visão apesar de não invalidar as leis de Darwin acrescenta-lhes a possibilidade do genoma mudar de acordo com as necessidades psicoambientais, ou seja, fenotípicas (já apelidado de “fenôma”). Estudos em gêmeos demonstraram que, no nascimento, as informações genéticas são praticamente idênticas e que, com o passar dos anos, começam a ocorrer pequenas mudanças na cromatina entre eles.  Que tem isso a ver com a psicologia, psiquiatria, psicanálise? Os próprios estudiosos em epigenética aplicada à psiquiatria constataram que os métodos psicoterápicos mais diversos são capazes, assim como as intervenções químicas, de provocar transformações no genoma e essas modificações serem transmissíveis as gerações que se seguirem.  “a psicoterapia incrementa transformações de proteínas na cromatina (DNA e proteínas dos núcleos celulares)”, afirmou um palestrante.

Essas novas teorizações da neurociência fazem da psicoterapia uma intervenção biológica. assim como uma substância química, as palavras implicariam em mudanças que levariam, por exemplo, a melhorar a afinidade da medicação na sinapse cerebral.  Falar de psicoterapia como intervenção biológica parece contraditório, mas penso que contraditório mesmo seria falar de biológico sem pensar em psicoterapia, uma vez que sendo a biologia o “estudo da vida” (bios + logos) como podemos pensar no estudo do humano sem utilizarmos da palavra ( que também em grego significa logos)?

Assistindo a essas apresentações da neurociência, tive um pensamento de que muitas teorias científicas já teriam sido inventadas, por assim dizer, por poetas, romancistas e livre pensadores que, assim como muitos “loucos”, parecem pressentir a validação do impossível. Vejam o que Fernando Pessoa disse  no inicio do século XX :

Meu corpo é máquina de sonhar.
Todos os meus gestos, palavras e olhares
são extensões deste sonho.
E quando saio à rua, tal Bernardo Soares,
carrego neste corpo tristonho
uma alegria que não cabe.
Tudo o que toco
seja com os olhos, o ouvido ou o tato
passa a fazer parte do meu corpo.
O som o ar os postes
tomam lugar nas hostes
desta máquina de sonhar.
Meu corpo é máquina
e com ele sonho pelas ruas,
e se me pedem um trocado no sinal
posso dar ou não, dependendo do que sonho no momento.
(O sonho tem suas próprias leis,
está sempre em movimento)
E quando volto para casa
sonhando baixinho
ainda te encontro no meio do meu caminho
como se morássemos na mesma cidade.
Meu corpo é máquina de sonhar teu corpo
em alta velocidade.

       (MEU CORPO É MÁQUINA – Livro do Desassossego)

Originariamente publicado em 14/10/2012

                                                                                                          Marcos Creder

domingo, 20 de outubro de 2013

A vida é um livro aberto

:

Acredito que muitos dos leitores do LiteralMENTE estão acompanhando ou pelo menos tendo algum conhecimento da discussão em torno das biografias autorizadas ou não  autorizadas. Dou destaque a esse tema aqui no blog por dois motivos. O primeiro: sendo esse blog um espaço de literatura  - e a biografia é uma de suas modalidades -  devemos, de algum modo, provocar  discussões e, segundo, para o profissional “psi” a palavra biografia desperta particular interesses - trabalhamos com biografias anônimas e contingentes.

Para quem não sabe da polêmica, a discussão se desdobrou num impasse,  se as publicações de biografias de “famosos” e celebridades deveriam  ser ou não autorizadas antes da publicação pelos biografados. Num primeiro momento temos a tendência em responder pela autorização prévia, para evitar excessos, exageros ou inverdades - que eventualmente podem ocorrer -, mas essas autorizações vem tomando proporções tão burocráticas e dissonantes  que o resultado de todo esse aparato em defesa da privacidade do biografado, faz da biografia menos biografia e do texto, quando autorizado,  apenas uma saudação as boas realizações do sujeito. Essas homenagens são benvidas e devem, quando presentes, serem destacadas. Há, contudo, em algumas biografias a relevância  histórica que não necessariamente vai destacar os grandes feitos de uma determinada pessoa - afinal, não só de boas intenções se constroem os sujeitos, ou pelo menos alguns sujeitos.

Assim como existem biografias de artistas, escritores, poetas e filantrópicos, existem as biografias de tiranos, ditadores, opressores que são igualmente importantes para uma compreensão de  momentos sociais e de determinadas épocas. Imaginar que teríamos que pedir autorização dos familiares de Benito Mussolini, Franco ou de Hitler, para publicar suas biografias, Seria uma insensatez, pois naturalmente, essa autorização jamais seria permitida - salvo para aqueles que  querem tirar algum dividendo do tirano da família, literalmente "salvador da pátria". Esse último item, por sinal , vem sendo um dos temas mais discutidos da polêmica, para os defensores da prévia autorização. Nesse rol de discussões cabe algumas considerações sobre  o sentido da biografia.

Se uma pessoa vem e nos diz: vou contar minha vida, pois ela é um livro aberto, devemos estar atento se o que vai ser falado pode ser levado à sério. Somos orientados por educação a dizer a verdade, a falar com franqueza, mas de algum modo, na nossa economia psíquica tendemos a valorizar apenas a parte de nossa vida que nos dá cartaz. Essa parte é apenas um pedaço, um pequeno pedaço. Além do mas, a maior parte de nossa vida são partes e fragmentos de sentimentos e ideias que desconhecemos. A esse desconhecido chamamos de inconsciente. De um livro aberto só conseguimos compartilhar  apenas duas páginas. Essas duas páginas são o nosso cartão de visita, alguns sucessos, pequenos fracassos. O objetivo do biógrafo é justamente provocar uma ventania  e virar mais algumas páginas desse interminável livro. Cabe lembrar, contudo, que antes, esse livro estava em destaque, no centro das atenções, em cima do palco e necessariamente iria despertar interesses para que se soubesse mais dele. Digamos que a pessoa que quis ser celebridade, nos disse que a sua vida era  um livro aberto, e permitiu que mais algumas páginas fossem reviradas, justamente naqueles dias em que precisava se fazer conhecido. Enfim,  o mesmo sujeito que agora reclama em ter sua vida vasculhada, em outra ocasião quis fazê-la obstinada e exageradamente pública e muitos desses exageros expos sua privacidade de maneira inadequada. A manutenção da privacidade depende na maioria das vezes do próprio sujeito e das características de sua personalidade. Observar um vizinho pela janela, por exemplo, é uma invasão de privacidade, mas apesar de sórdido não configura crime. Todos sabemos que deixarmos as janelas descortinadas corremos esse risco.
O que parece que está em jogo no mundo das celebridades é justamente a ambivalência entre o desejo de se destacar e se expor e o desejo de manter privacidade. Hoje não se faz necessário ser detetive ou biógrafo investigador para saber fatos da vida das pessoas. Basta acessar as redes sociais que se verá muita gente se expondo, na maioria das vezes, ingenuamente. E nessas "publicações", muito erros, que na ocasião não eram julgados como erros, vem a público.
Muitos erros fazem história. Millôr Fernandes disse que viver é desenhar sem borracha. De algum modo, tenta-se corrigir os erros passados, mas eles estão ali, mesmo que disfarçados.  Há situações que esses erros são impossíveis de serem encobertos, são ruidosos. Obstruir essas verdades seria um ato ingênuo. O máximo que poderia acontecer seria um tamponamento temporariamente. o que sobraria seria um boato ou outro.

Marcos Creder

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

FAMÍLIA & ARTE

Nos próximos dias 18 e 19 o IAF (Instituto Integrado de Apoio à Família) estará realizando seu I ENCONTRO FAMÍLIA & ARTE. Estão todos convidados (entrada franca) para participar do evento que terá na noite de sexta tanto a abertura do Encontro que contará com lançamento de livro, exposição de pinturas, recital de poesia com o Grupo Recitar-se (FAFIRE) e coquetel. A abertura será à noite (18/10), às 19 horas, na sede do IAF que fica na Rua Visconde de Suassuna, 871. Uma boa oportunidade de conhecer o IAF, instituição sem fim lucratício, cujo objetivo é dar apoio psicológico às famílias.
Venham ao Encontro.

domingo, 13 de outubro de 2013

O LADO B DO MEDO

“Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”. (Platão).


Impossível viver sem sentir aqui e acolá medo. O medo é um estado de alerta que nos acomete quando geralmente nos sentimos ameaçados ou em perigo. É uma sensação, antes de tudo, biológica provocada por uma descarga de adrenalina em nosso organismo que visa a autopreservação. Neste sentido, o medo é uma reação protetora, saudável e normal que vem de estímulos que ameaçam à vida. Fugir ou lutar pode ser uma resposta positiva, depende da situação ou do contexto. Há perigos iminentes e reais, mas também há riscos imaginários ou temores que surgem devido a associações que fazemos ao longo da vida. O medo deixa de ser normal quando, ao invés de estar a serviço de proteger a vida, faz-nos evitar a própria vida. 
O medo é uma emoção básica e primária, e que faz parte do sistema defensivo, assim como a ansiedade. Evolutivamente, perante um estímulo ameaçador tendemos a ter vários padrões automáticos de reação, a saber: fugir ou evitar, agredir, submeter-se ou paralisar. Como resposta automática, não passa pela decisão do indivíduo, sendo pura fisiologia. O medo, portanto, é uma espécie de programa genético, aberto às influências do ambiente. Através da habituação ou da sensibilização pode aumentar ou diminuir. 

Por detrás de muitos transtornos psicológicos temos o medo e a ansiedade. O medo anormal é o medo excessivo, exagerado, inadequado ou irracional. O temor exagerado pode chegar a ser sentido como pânico ou terror. 
De acordo com os manuais diagnósticos psiquiátricos um transtorno de pânico, por exemplo, por um amedrontamento tamanho que surge subitamente como um ataque inesperado, espontâneo, vindo como se fosse do nada, com fortes sintomas de ritmo acelerado do coração, tremores, sudorese, desconforto no peito, sensações de falta de ar, náuseas, e medo, muito medo, de morrer ou enlouquecer, entre outros. Não é o ato isolado em si que vai caracterizar o transtorno de pânico, mas sua repetição e a preocupação insistente que de se ter um novo ataque ou “peripaque”. 

Uma das coisas que levam uma pessoa a sentir medos exagerados é a percepção de eventos comuns como se fossem ameaçadores sem o serem. E isso muito se dá devido a ansiedade. Uma pessoa ansiosa, por exemplo, que excessivamente fica se auto-observando em busca de mínimos sinais orgânicos de medo ou alterações, ou que hipervigilmente perscruta o ambiente à procura de sinais de perigo ou ameaça, provavelmente vai sentir medo, inclusive medo de sentir medo. 
Em pessoas com ansiedade paroxística episódica (F.41-0, CID-10), por exemplo, sensações físicas leves são frequentemente interpretadas como catastróficas. A apreensão eleva ainda mais as sensações físicas, então, pimba! Instala-se o pânico.
O medo irreal, isto é, sem um estímulo perigoso externo verdadeiro, é um medo vertical. Vertical? Sim, vertical, pois é um medo que vem de dentro, ou um medo que se aprofunda para dentro. Não é da realidade ou de um objeto externo especifico que se tem medo, mas da representação psíquica da realidade ou do objeto. É um medo que atravessa a biografia do sujeito atemorizado. Tem raízes e ecoa lá detrás de sua história. E todo lá detrás de nossa história é sempre a meninice e sua infância. 

O psiquismo humano é originariamente paranoico. Uma criança pequena pode ter medo de qualquer coisa, até da própria sombra espelhada na parede. Não é a toa que Melanie Klein, que dedicou sua vida ao estudo e atendimento de crianças, denominou o mundo fantasmático do psiquismo infantil do bebê e suas relações objetais iniciais de POSIÇÃO ESQUIZOPARANOIDE. O mundo interno (mental) é primariamente formado a partir das percepções do mundo externo, percepções estas coloridas pelas sensações e ansiedades do próprio mundo interno. 
    
    O mundo é uma enorme estranheza a ser conhecido. Se já dizia Winnicott que não existe bebê sem mãe, também podemos dizer que não existe bebê sem medo. Afinal, qual é a criança, de qualquer idade, que não tenha medo?


   Cada pessoa é única. Cada criança é única. Do menino ao homem, cada um ao seu modo e maneira, continuamos carregando alguns monstros e bicos imaginários. Mas embora na fobia haja medo, o medo não é fobia. A fobia é um temos patológico desencadeado por um objeto ou situação específica que não apresenta de fato perigo. Medos antigos desaparecem ou diminuem com o amadurecimento, outros permanecem e até aumentam. Medos novos também podem surgir com o passar do tempo e da vida. Já alguns medos podem virar fobias, enquanto muitos não. 

Fobias são medos irracionais que até a própria pessoa que os sente percebe seu absurdo, mas, apesar disto, não consegue dominá-los. Psicodinamicamente se entende que são resultados de conflitos internos do sujeito projetados sobre objetos do mundo externo. Agrupadamente se tipicam em: agorafobias, fobias específicas e fobias sociais.

O cultuado escritor norte-americano Mark Twain já dizia que coragem é resistência ao medo, domínio do medo, e não ausência do medo”. Sim, não devemos deixar os medos nos dominar. É necessário ter sobre o controle e equilíbrio com os mesmo, saber conhecê-los melhor e melhor conviver com eles quando não pudermos de já superá-los. O medo, em princípio não é nosso inimigo, mas sim uma espécie de sineta ou campainha que nos avisa para tomarmos cuidado e termos cautela com alguma coisa. Sem serenidade o medo pode se transformar em um bicho dominante, enquanto somos nós o seu patrão. Fugir dos medos cujas raízes estão em nosso imaginário e psique é fuga inútil, pois para onde nos abrigarmos ou formos nosso imaginário e psique também lá estará. Pois é, sem enfrentamento não há superações. 

É bem verdade que falar é mais fácil do que agir. Evidente que não é fácil enfrentar uma fobia e superá-la. Mas não é porque é difícil que não seja possível. O medo psicológico, não proveniente da realidade em si, embora seja sentido pela pessoa ele não é parte integrante da pessoa, mesmo que até ela esteja já acostumada com seus temores antigos. O medo é retirável sem se retirá-lo, ou seja, é necessário confrontá-lo com a realidade e com suas raízes. Todo medo tem sua raiz. Só podemos conhecê-la se aproximando dela. E um dos recursos que temos para nos aproximarmos internamente de nossos medos é inicialmente compartilhá-lo, razão pela qual pode ser bem indicado uma psicoterapia, que muito contribui para a transformação de sentidos e significados que damos a coisas, situações ou pessoas. O medo tem seus significados – embora elaborados em dialetos afetivos e muitas vezes ilógicos a lógica racional – e é mediante a ressignificação dos mesmos que se pode removê-los sem tirá-los do canto. 
Como, então, lidar com o "perigo interno"? Entendo que seja qual for o caminho tomado para lidar com o Minotauro interno ele sempre passa pelo labirinto da alma humana. Ir além e adentro do corpo e suas sensações. Ampliar e compreender os processos afetivos, reconectando a pessoa ao processo formativo de seus medos contundentes. Superar o medo, principalmente o medo do próprio medo, inclusive o de morrer, passa pela aquisição de maior e melhor capacidade em elaborar as emoções. É necessário, pois, ir ao encontro de suas afetações e dos sentidos que a partir delas a mente derivou. Com isso abre-se a oportunidade ímpar a novos sentidos e novos afetos pertinentes. 
   O assunto agora se estende e merece, portanto, continuação mais adiante. Em breve...

Joaquim Cesário de Mello