domingo, 1 de julho de 2018

FERIAES COGITATIOS

Happy holidays, 
          felices vocaciones, 
                  bonnes vacances, 
                           schönen ferien,  
                                      Oyasumi wo tanoshinde kudasai

Chegaram as férias escolares. Para muitos é tempo de repouso, folga e descanso. Para uns até alívio. É época de levar os dias na maciota, de dormir tarde, de acordar tarde, de pausar o pique dos meses anteriores, de curtir o ócio. É, as férias chegaram, mas a vida continua... Aos alunos desejo boas férias; aos estudantes, boas e novas aprendizagens. 
Se a vida continua, indiferente as férias escolares, com suas alegrias e tristezas, com seus prazeres e sofrimentos, o literalMENTE idem. Para isto, neste hiato chamado férias, estamos disponibilizando aos que continuam instigados a conhecer, investigar e explorar o mundo, principalmente no tocante a alma humana e suas manifestações artísticas, o espaço FERIAES COGITATIOS que circulará neste blog durante as folgas universitárias. E sem maiores delongas vamos inaugurá-lo com o presente trabalho abaixo:


Ah!, o mais humano dos sentimentos: a culpa. Os animais, os répteis e os vegetais não têm o sentimento de culpa, pois lhes falta Superego. Eles não têm essa necessidade humanamente humana de querer ser o que não são. Nós não. Nós construímos invariavelmente uma imagem de quem achamos que devemos ser, e muitas vezes nos reprovamos até pela frustração do distanciamento entre que o somos ou fomos até então e quem idealizamos ou desejamos ser. 
Como sentimento a culpa é um sentimento como outro qualquer, mas a culpa não é em si mesma um sentimento qualquer. Ele está sempre umbilicalmente apegado ao passado e é gerador de grande estado de sofrimento, ocupando significativo espaço no nosso mundo afetivo e, geralmente, subjacente às tristezas, angústias, frustrações e insatisfações pessoais e com a vida. No fundo no fundo a culpa é resultado de nossas próprias falibilidades e imperfeições. É quase como uma espécie de retaliação psíquica que sofremos porque nossa onipotência mental não aceita nossas máculas, falhas e defeitos. Decididamente o que mais quer a alma humana é ser perfeita.
Resultado de imagem para remorsoContudo, o texto de hoje não vai se propor a analisar a culpa proveniente de nossas pretensas grandiosidades que, como diz o psicólogo e psicanalista Júlio Walz, "surge como uma forma de  pessoa tentar superar ou dissimular a sua insignificância pela condição de ser humano". Quero falar um pouco da culpa como remorso e arrependimento não porque o EGO ideal assim determina, mas porque não é condizente com a moral consciente. O remorso que nos abate quando transgredimos nosso código moral intermo. Este remorso que nos tortura e nos aflige, que nos atormenta e nos dilacera. E é exatamente esta a razão da etimologia da palavra remorso (do latim remorsus), que se traduz como voltar a morder. Um indivíduo que conscientemente se sente culpado sabe muito bem o que isto significa: é como se alma mordesse a si mesma. A recriminação interna é resultado de um acumular de vozes que vem desde nossos pais e primeiros educadores. Nosso psiquismo é plural e polifônico.
A culpa não é em si um sentimento propriamente negativo ou maléfico. Em princípio ele é um sentimento meio, isto é, intermédio entre o que achamos que fizemos de errado e o que faremos com isto agora. Neste sentido a culpa pode ser uma grande aliada ao nosso amadurecer psíquico, pois nos possibilita a reparação. Pelo olhar do dinamismo da mente - e utilizando de ferramentas do pensamento kleiniano - a culpa é o sentimento que advém pelo dano psíquico feito ao objeto amado causado por impulsos agressivos e destrutivos que são inerentes à própria mente. Tal sentir abre caminho para tentar se desfazer do dano causado, levando o sujeito assim culpado a atitudes reparatórias. Estamos, pois, no âmbito de nossa ambivalência, pois somos capazes de amar e odiar o mesmo objeto. Esta é a culpa de agredir (odiar) a quem amamos. Isto nos gera angústia, angustia de caráter depressivo, como bem definiu Melanie Klein.
Resultado de imagem para PROCESSO DE REPARAÇÃO, KLEINO processo de superação da culpa através do mecanismo psíquico da reparação é analogamente um trabalho de elaboração de luto. Há algo de sublimatório na reparação, quando se busca dissolver a culpa com gratidão. É como uma criança que percebendo magoar a mãe, chora se joga em seus braços e pede desculpa. Tal movimento psicologicamente tem um caráter sublimatório no sentido de envolver afetos de amor e culpa onde impulsos antes agressivos são transformados em impulsos libidinais de "conserto". Em outras palavras, há um transição de sentimentos egoístas em sentimentos altruístas. 
Toda questão parece se resumir ao Superego do sujeito. Caso ele seja flexível a culpa é tolerável e leva à reparação. Porém, se o Superego for rígido a culpa se faz acompanhar de forte angústia e/ou depressão, com ataques auto-recriminadores que acabam inviabilizando a reparação. A culpa, portanto, nos leva a dois caminhos distintos: a reparação e a punição. O primeiro caminho supera a culpa, já o segundo nos deixa aprisionados nela, aumentando os componentes agressivos e destrutivos agora voltados ao próprio self
Observa-se, assim, o quanto o sentimento de reparação é essencial no amor e nas relações humanas em geral. É quando o amor supera o ódio. É quando, embora aceitando nossa raiva contra o outro, somos também capazes de reconhecer nossa gratidão frente a esse mesmo outro que igualmente nos gratifica, como se dívida afetiva houvesse. 

Joaquim Cesário