sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

VALE A PENA VER DE NOVO


 A palavra felicidade é uma palavra por demais desgastada. Todos a querem, sempre quiseram e não é um fenômeno da atualidade – esteve na aspiração de todas as pessoas em diferentes momentos da história da civilização.  Se hoje ela é supostamente alcançada através de pílulas da medicina ou das palavras dos psicoterapeutas, na Idade Média, por exemplo, numa época em que não havia farmácias ou consultórios, havia caldeirões de feiticeiras e druidas que produziam substâncias ou palavras mágicas que tinham algum efeito terapêutico sobre a felicidade. Por trás dessa magia medieval, contudo, muitos desses feiticeiros eram julgados como hereges, transgressores ou como endemoniados justamente por trazer dádivas que feriam, por assim dizer, as Leis da Natureza ou a Lei de Deus, como se o desejo mais transgressor fosse corromper as destinações da condição humana em função da felicidade. Desses magos sobreveio os alquimistas e acrescento, alguns cientistas.

Seriam os cientistas os novos vendedores de felicidade da atualidade? Seriam transgressores? Cabe lembrar que nem sempre a ciência vai responder sobre as coisas da vida da maneira como desejamos. Muitos cientistas, pelo contrário, nos jogou um banho de água fria com suas descobertas: Galileu, Copérnico, Darwin, entre outros, foram questionados e excomungados justamente por trazer à tona não propriamente a infelicidade, mas uma nova cosmovisão que nos diminuía e nos colocava num lugar insignificante e finito perante o universo. Os pesquisadores e profissionais da área de saúde, contudo, podem ser visto de modo diferente. É possível que os profissionais médicos, psicólogos ou enfermeiras tenham justamente escolhido estas profissões com objetivo de propiciar bem-estar àqueles que iriam assistir. Imaginemos que um cliente nos venha perguntar sorrateiramente: serei feliz com esse tratamento? O que responderíamos?  Claro que gostaríamos de fazer todas as pessoas felizes, mas seria por demais pretensioso prometer isso até porque felicidade é uma palavra que, apesar da doçura, não se qualifica ou quantifica  ou ainda não corresponde, muitas vezes, ao que de fato querermos. Sabe-se de uma situação análoga ocorrida com Freud em que uma paciente haveria questionado se seria feliz e que teria respondido que iria transformar a infelicidade da paciente em uma "infelicidade comum". Freud se mostrava pessimista em relação à alegria da condição humana – no artigo “Mal-estar na Civilização” disse categoricamente que o projeto de “Criação” não havia contemplado a felicidade.

O que dizer então da pílula da felicidade. Na verdade, são várias pílulas da felicidade. Talvez pudéssemos resumir de maneira grosseira que entre as fórmulas da felicidade estaria os ideias epicuristas: ausência de dor, tranquilização (ataraxia) e busca do prazer. Será que a felicidade poderia estar no balcão de uma farmácia? Há algum tempo foi feito uma pesquisa que mostrava o ranking das marcas de remédios mais vendidas e são elas: dorflex, rivotril e cialis, respectivamente, um analgésico do corpo outro da alma e um fármaco que trata disfunção sexual masculina – de certo modo, três substâncias que fecham o axioma epicurista. Somos mais felizes hoje, então? Somos mais felizes por ter acesso à tecnologias sofisticadas, a botões eletrônicos, controle remotos, imagens virtuais, carros, aviões? Não. Não há nada que afirme que somos mais felizes que o homem medieval. Absurdamente na história da humanidade não há como mensurar um suposto “índice” de felicidade. Na verdade, temos a sensação de nunca fomos tão infelizes quanto hoje (sozinhos, competitivos ao excesso, instáveis afetiva e profissionalmente, dependentes químicos, atormentado pela velocidade da vida). Como disse, temos uma sensação, porque se olharmos de perto possivelmente não haverá diferenças significativas entre os diversos momentos históricos para o que vivemos. “Sensação” talvez seja a palavra que dê um tom ambíguo ao nosso julgamento, pois se trata de um elemento puramente subjetivo, muitas vezes em desacordo com a realidade.

Uma vez, tarde da noite, assistindo a um desses documentários de TV a acabo, vi algumas informações curiosas sobre nossa percepção do tempo. Quando houve o terremoto do Haiti vários estudiosos disseram que houve uma fissura no planeta que teria encurtado o dia em toda a terra... “Seria isso a justificativa para a vida ficar cada vez mais atribulada?”, Questionava o apresentador. “Não”, disse um cientista com aspecto nerd, “se fôssemos usar o parâmetro do tempo humano com a astronomia, teríamos pelo contrário, mais disponibilidade de tempo porque o processo de expansão do universo, cada vez mais lento, poderia dar impressão de vagareza.”, concluiu. O que faz a diferença entre o tempo, felicidade e outras de nossas aflições é justamente nossas impressões subjetivas. Nesse mesmo documentário, perguntou-se as pessoas que vivenciaram o terremoto quanto tempo teriam durado os abalos e praticamente todos erraram no tempo, alargando ainda mais a duração da catástrofe. Teríamos tendência a experienciar mais o aspecto trágico da vida? Se fôssemos assim , viveríamos a vida com o que Freud denominou de "masoquismo moral" e, desse modo, não teríamos qualquer vocação para a felicidade, seríamos todos  tristes e infelizes. Prefiro, contudo, fazer dessa discussão utilizando-me de uma frase de Guimarães Rosa: "infelicidade é uma questão de prefixo".

(originariamente publicado em 28/10/2012)

Marcos Creder

Um comentário:

Cristiane Menezes disse...

Estes dias estava pensando por que não inventaram ainda a pílula para paciência? Será mesmo que não existe? Não busco pela da felicidade. Não se faz necessário. O jeito que as pessoas falam dela parece algo grandioso, difícil de achá-la. Só a pergunta você é feliz? Causa gagueira, uma pausa no início da fala de alguns. Uma vez peguei meu gravador e saí fazendo esta pergunta pelos corredores da facu e a rua do lazer, e era assim que as pessoas se comportavam; Algumas até olhavam para cima, com a expressão de "pensar", está buscando em algo fora do comum a sua felicidade. Ou eu sou anormal ou vejo a felicidade na liberdade, no caminhar, no olhar para o mar, no abraço de um ente querido, num encontro com um amigo, em ir a casa do Pai. Curioso que vejo com frequencia as pessoas que pertenceram a década de 80 dizer: Tive uma infância feliz! Por ser livre, brincar na rua sem se preocupar com a violência, em comparação com a infância de hoje, sim, há uma grande diferença. Mas o que diria as crianças de hoje, ao perguntá-las sobre a felicidade?! Ou o que diriam daqui a mais 20 anos? Bons tempos os anos 80. Como disse Casimiro de Abreu se referindo a década de 40:Oh! que saudades que tenho. Da aurora da minha vida, Da minha infância querida. Que os anos não trazem mais! Cristiane