domingo, 22 de dezembro de 2013

O MÍNIMO EXIGÍVEL




Quantas vezes, arrogantemente ou não, vi-me olhando com ares de pseudo-superioridade para alguém ou alguma coisa e debochadamente pensando "que mediocridade!"? Possivelmente incontáveis vezes, confesso. Mas, afinal, o que é mesmo mediocridade? E lá vou eu pensar com meus botões, botando as mãos e a mente na massa pra pesquisar. Quem sabe consiga ao final compreender melhor minha própria mediocridade.

Pejorativamente mediocridade tem a ver com pobreza e pequenez. Porém, Oscar Wilde dizia que para ser popular é preciso ser medíocre. Por sua vez o escritor e poeta latino-americano, conhecido pelo pseudônimo de Sofocleto, escreveu que "a mediocridade é a arte de não ter inimigos". Porém Sofocleto era também humorista. O que ele afirma é uma piada ou é um fato? Ironia por ironia que tal Abraham Lincoln: "Deus deve amar os homens medíocres. Fez vários deles". Até agora isto não me ajuda. Continuo na mesma indagação inicial: o que é mesmo mediocridade? 
Ao pé da letra medíocre significa mediano, médio. E estar na média é nem ser bom nem ser ruim, nem ser grande nem ser pequeno, apenas algo intermédio e central. Todavia, o uso do termo, popularmente falando, representa conotações negativas do tipo: abaixo da média, de pouco valor ou pouca qualidade, ordinário, vulgar e insignificante. Neste sentido uma pessoa medíocre é aquela que não detém qualidades suficientes para se sobressair e se destacar. Alguém, portanto, sem excelência, talento ou mérito. Isto, contudo, não é o mesmo de "burro" ou ignorante, talvez aquele que não evoluiu o suficiente. 
Por ser média, a mediocridade está em praticamente toda parte. Dizem que a proximidade com a mediocridade gera mediocridade. Há, inclusive, um livro chamado O Homem Medíocre, de José Ingenieros. Nele o autor filosofa sobre a natureza humana e destaca a cultura da mediocridade que impera contemporaneamente. Para ele o homem medíocre vive a rotina sem reflexões e idealismos, imerso em seu mundinho quase vegetativo. "Muitos nascem, poucos vivem - escreve Ingenieros - ... são inumeráveis e vegetam, moldados pelo meio como cera fundida no cadinho social".E continua, contundentemente: "o homem medíocre é uma sombra projetada pela sociedade; é, por essência, imitativo, e está perfeitamente adaptado para viver em rebanho". Em resumo domesticados, alienados e convencionais. Não fazem ondas, pouco ou nunca questionam, vivem o fácil e o imediato, são bovinos e se nivelam por baixo, embora sequer percebam
que assim o fazem. Afinal, questiona pertinentemente o escritor e ensaísta português Vergílio Ferreira quando se pergunta "como é que um tipo que é medíocre há-de saber que é medíocre, se ele é medíocre?" É, pode ser que o mundo esteja impregnado de pessoas medíocres que não se acham medíocres. Será que a maioria está certa? Se for pela ótica de Ingenieros não. Trata-se de uma massa acrítica, subtraída à curiosidade sábia. São prosaicos encouraçados das suas insignificâncias por meio da coesão com a maioria. Assim, não dói ao medíocre ser medíocre, pois ele nem sabe que é. 
Há um outro lado da questão a se ponderar, ou seja, uma sociedade (coletividade humana) subsistiria sendo ela constituída de sábios e gênios? Não é a mediocridade algo necessário para preservar a estabilidade e o tecido social? Em uma matéria publicada pela revista Superinteressante o psiquiatra espanhol Luis de Rivera destaca três tipos de mediocridade, a saber: a comum, a pseudocriativa e a inoperante ativa. A primeira é inócua e tem como sintoma principal a hiperadaptação e a falta de originalidade. Refere-se a pessoas que não se esforçam para além de um mínimo exigível. É como afirma o escritor inglês William Maugham "estão sempre no seu máximo". Já a segunda necessita aparentar uma originalidade que não possui (predomina-se o plágio) e nada de inovador realmente há, enquanto que na terceira predomina o sentimento de inveja e há a incapacidade de reconhecer a genialidade alheia, muitas vezes sendo agressiva e destrutiva quanto a mesma (mediocridade maligna). Seja lá como for parece que a mediocridade é um mal (ou um bem) necessário, mormente por seu caráter agregador. A mediocridade, pois, é a multidão sem rosto.
Alguém já disse que mediocridade não é destino, mas escolha. Discutível. Desde cedo somos bombardeados por todos os lados por estímulos fomentadores de "mentes medíocres". O próprio consumismo e sua lógica é geradora de seres humanos medíocres. Como dizia no começo do século passado o psicólogo e sociólogo Gustave Le Bon "a grande massa humana nenhuma resistência opõe e segue as crenças, as opiniões e os preconceitos de seu grupo. Ela obedece-lhe sem ter mais consciência do que as folhas secas arrastadas pelo vento".
Não sei se poderíamos falar de uma psicologia do homem medíocre, mas se ela existisse provavelmente abordaria a mansidão do pensar e a ausência da capacidade de engendrar ideais próprios. O medíocre pensa que pensa pensamentos seus, porém pensa pensamentos alheios. E talvez por isso - por sua ignorância da própria mediocridade - ele é tão fácil de enganar. A excelência embora lhe passe à distância é, como bem diz o poeta Fernando Pessoa, um homem que por dentro se acha coroado imperador. É dele igualmente a percepção de que "o homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar". 
É, tá na hora de ir ao shopping comprar presentes de natal. Depois, cansado, deitar-me com um abestalhado sorriso de satisfação de dever cumprido e esperar dormir para sonhar sonhos extraordinários de um homem fatal. Medíocre são os outros. Eu? Bom, eu sou excelente. E se não sou ainda um gênio ou sublime, em breve deverei ser. Boa noite e feliz natal...


Joaquim Cesário de Mello

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