quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

VALE A PENA VER DE NOVO



A SÍNDROME DEPRESSIVA DO ESCORPIÃO



        Não, o literalmente não se tornou um blog sobre etologia, zoologia ou herpetologia. O presente texto irá abordar a típica depressão que geralmente acomete muitos dos nascidos sob o signo de escorpião. Segundo o zodíaco o signo de escorpião abrange os nascidos no período entre 24/10 e 22/11, como o autor que vos escreve. Todavia a “síndrome depressiva do escorpião” também alcança os sagitarianos, que são aqueles nascidos entre 23/11 e 22/12. Expliquemos melhor.
         Na verdade talvez não tenha nada a ver diretamente com signos, mas sim com a subjetividade de algumas pessoas independente de sua data de nascimento. Estou a falar dos estados depressivos que acomete muita gente no período que antecede o final do ano, inclusive o próprio. Quadros de depressão em final de novembro e no mês de dezembro é bastante comum, comum até mais do que se pensa. Determinadas épocas do ano e suas celebrações levam as pessoas a reagir de várias maneiras: com euforia, com tristeza, com esperança, com recolhimento, com reflexão, com alegria e até mesmo com silêncio. O Natal e o Ano Novo são datas que deixam um número considerável de pessoas com humor deprimido. Trata-se de uma depressão ocasional, localizada e passageira. Uma depressão de aniversário, isto é, um momento depressivo com data marcada.
         Natal e Ano Novo são datas que inevitavelmente nos remetem à infância e ao passado. Ser adulto é ser alguém que já passou por diversas perdas, separações, mortes e lutos (concluídos ou não). E o Natal e Ano Novo, assim como os dias de aniversário, são épocas de forte apelo reminiscente e regressivo. Como bem descreve é o poeta português Fernando Pessoa em seu poema Aniversário quando diz: no tempo em que festejavam o dia dos meus anos,/eu era feliz e ninguém estava morto. E há adultos mais vulneráveis do que outros, mais saudosistas do que outros e mais melancólicos do que outros. Para muitos adultos o final de ano evoca ou invoca um certo sentimento de desamparo, desânimo, tristeza e nostalgia. Assim, o que é festivo para alguns pode ser inquietante para outros.
         Natal tem um forte significado familiar, enquanto que Ano Novo de renovação de esperanças, balanço e projetos de vida. É normal, pois que se fique susceptível aos apelos que esse momento do ano provoca e é por demais reforçado pela mídia, principalmente pela publicidade e seus interesses assumidamente comerciais. Em meio ao colorido piscantes das luzes natalinas coabita um ar de silente clima deprê (Christmas Blues).
         John Lennon certa vez cantou “so this is Christmas/and what have you done?” (“então é natal/e o que é que você tem feito?”).  Fazer-se esta pergunta pode ser desconcertante, pois nos coloca frente a frente com reflexões existenciais poderosas sobre os nossos êxitos, nossos fracassos, insucessos, frustrações, vitórias e derrotas, ganhos e perdas. O Ano Novo principalmente parece nos impor cobranças. Na retrospectiva de nossas vidas até então pregressas pode se ocultar feridas incuradas, sonhos inconsumados, lutos não suficientemente elaborados, mágoas conservadas, bem como perdas e mudanças ainda não aceitas. “Sentimento ilhado/morto, amordaçado/volta a incomodar. É meio caminho andado para a baixa autoestima, menos valia pessoal, autocomiseração e desesperança. Neste sentido tais festividades funcionam como gatilhos para depressões hibernantes.
         Não tem coisas mais auto enganosas que promessas de final de ano. Prometer a si mesmo que próximo ano mudará e que nada mais será como antes é balela mental. Mudar – que já não é uma coisa fácil, embora possível, mas processual – não tem data e hora marcada. Não é abrindo champanha e pulando sete ondinhas à beira da praia, ou se vestindo de branco ou contando até dez e no estourar pipocante dos fogos se abraçar com a pessoa ao lado, que sua vida ou você vão mudar. Quer mudar, mas mudar de verdade, ou ao menos quer começar a tentar, então comece agora ou quando se sentir para tal. Não se espera por convenções e convencionalismos. Mudar é por natureza anticonvencional. Mudar não é revolução, porém evolução; uma árdua, contínua e oscilante evolução.
         Pois é. E lá vem mais um Natal e mais um Ano Novo. Parece que a grama do vizinho é sempre mais verde, isto é, por que as pessoas se contagiam de tanta alegria e esta pessoa que é você não? Tudo brilha, menos você. Os símbolos natalinos tem cheiro dos queijos e passas infantis, os de hoje têm o desagradável sabor mofado e cheiro putrefato do cadáver de Papai Noel. Decididamente você se sente um peixe fora d’água, um estranho no ninho, uma pessoa que não foi convidada pra essa festa.
         Inevitavelmente o Natal é confrontativo. Tudo nele parece conspirar para que o sujeito mergulhe dentro de si e se depare com uma gama de afetos que durante o resto do ano ficam ali caladinhos e hibernantes na maioria das vezes. É como se todo aquele apelativo brilho clareasse áreas antes escurecidas, e feridas profundas acordassem ao som de jingle bells.
         Quem olha de sua varanda a casa dos outros parece se deparar com famílias felizes e bem resolvidas. E no faz de conta natalino mercantil mais que nunca a frase de Tolstói foi tão verdadeira: todas as famílias felizes se parecem. E não somente as famílias alheias, mas igualmente a família do passado infantil, que guardamos em nossa memória muitas vezes edulcoradas pela olhar ingênuo e idealizante da criança que um dia já fomos e que nunca nos livramos totalmente dela.
         Sim, Natal e Ano Novo para muitos não são dias fáceis, pois descortinam áreas em nossas vidas e interioridades que estamos pendentes e/ou paralisados. E na extradimensionalidade dos afetos e lembranças reprimidos a alma humana sofre hoje de inexistências e finitudes. Pessoas assim têm hora agendada e dia marcado para deprimir e se angustiar. Pessoas assim sente na pele e por debaixo dela o que afirmava Oscar Wilde: por detrás da alegria e riso pode haver uma natureza vulgar, dura e insensível. Mas, por detrás do sofrimento, há sempre sofrimentos. Ao contrário do prazer, a dor não tem máscara.
         E todo ano é aquela mesma coisa. Os dias vão passando, e novos natais e finais de ano vão se aproximando. E vem aquele incurável sentimento de não-pertença a incomodar mais uma vez. E a gente quer se enterrar e se esquecer, mas não pode e nem consegue. Não é de fora que se esquiva e se foge, é de dentro. E de dentro só se foge quando os gatilhos não são acionados.
         A relação entre psicopatologias da vida adulta e a infância é bastante estudada e muitos trabalhos publicados identificam a associação, por exemplo, entre perdas significativas na infância e depressão na vida adulta. Alguns autores, inclusive, sugerem que as chamadas “reações de aniversários” constituem uma espécie de subgrupo dos transtornos afetivos sazonais. É próprio da natureza humana guardar na memória seus tempos infantis e juvenis. Alguns a conservam com mais nitidez e intensidade do que outros. São lembranças do um período muitas vezes colorido e adocicado que parece até transbordar de brincadeiras e felicidades. Tempo em que, como diz Manoel Bandeira, a casa dos avós era impregnada de eternidade. Naquela época nunca pensamos que a época um dia acabasse.
         Por isto que para muitos (estima-se que algo próximo de 30% da população geral) sentimentos depressivos começam dar seus primeiros sinais em meados de novembro e se estende até o segundo ou terceiro dia de janeiro. Principalmente para quem, como os escorpianos, fazem aniversário em novembro: são praticamente dois meses de repetidas angústias e melancolias, afinal “no tempo em que festejavam os dias dos meus anos/eu era feliz e ninguém estava morto”.
          Decididamente meus pais deviam me ter feito taurino, aquariano, capricorniano, leonino... Feliz Natal e próspero Ano Novo.

Originariamente publicado em 02/12/2012
Joaquim Cesário de Melo









2 comentários:

Andressa Costa disse...

É no final do ano que a gente consegue visualizar mais tantas famílias igualmente felizes! Me fez lembrar de Fernando Pessoa:"Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?" E a promessa da dieta na segunda feira. Muito bom o texto Joaquim!

rotina criativa disse...

Sinto dizer que talvez ser taurino não te escapasse disso tudo. Belo texto.