segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

SUGESTÃO DE FÉRIAS




São vários os filmes calcados na passagem da infância à adulteza, sobre a iniciação do adolescente no mundo adulto. Raríssimo são os filmes sobre o amadurecer de um homem próximo ao final da meia-idade. Este é o caso de "Aqui é o Meu Lugar", filme do cineasta italiano Paolo Sorrentino (em exibição no canal de televisão online Netflix). Sean Penn vive o papel do roqueiro cinquentão aposentado, milionário e entediado, Cheyenne. Sem ver o pai há trinta anos Cheyenne vive recluso em Dublin na Irlanda. Seu auto-exílio, tanto da família judia quanto do próprio EUA, é quebrado quando da notícia da morte do pai. Em seu retorno Cheyenne herda do falecido pai um caderno de anotações sobre o seu torturador nazista à época do holocausto, e assim parte em busca de encontrar o velho nazista que o pai passara a vida inteira procurando e nunca conseguira se vingar, embora tenha chegado perto em suas investigações. De posse dos dados colhidos por seu genitor, Cheyenne inicia seu trajeto America adentro, em um verdadeiro road-movie bizarro por lugares em que percorre como que meio vagante e a esmo. 
A própria caracterização do personagem de Cheyenne é pura retratação do desencanto e depressão, realçado pelo andar lentificado por causa de uma dor ciática, voz contida e restrita, bem como pelo excesso de maquiagem de pó branco no rosto e batom vermelho na boca, conjugado pela unhas pintadas e imensa cabeleira desgrenhada, que lhe dão um ar extravagante e grotesco de uma pintura desbotada. Há ecos de Ozzy Osbourne, vocalista da banda Black Sabbath  e de Robert Smith, guitarrista e líder da The Cure. De tão absurdo, caricato e surrealista, Sean Penn dá uma palpabilidade fantasiosa à triste figura de Cheyenne, um cara que tomou e cheirou todas, menos cigarro ("você nunca fumou porque continua uma criança. Só as crianças não têm vontade de fumar", diz-lhe uma outra personagem do filme). Um show excêntrico e mumificante à parte. 

Em sua viagem de rito tardio pessoas vão cruzando pelo seu caminho ou será ele quem cruza o caminho das pessoas? Pessoas comuns em suas vidinhas comuns, pessoas estranhas e esquisitas como ele, pessoas que a própria vida esqueceu que existem. Quando uma garçonete de bar de beira de estrada lhe diz que o sanduíche passou do ponto e que "infelizmente é a vida" ele lhe refuta que "sem percebamos passamos da idade de dizer a minha vida será assim para dizer é a vida".  Para Cheyenne "a juventude é distraída" e "quando se é jovem é muito difícil rever decisões". Ele mesmo diz a respeito de si: "há anos finjo ser jovem". Um outro lhe indaga o que ele faz, no que responde: "neste momento em especial eu tento juntar um rapaz triste a uma garota triste, mas está difícil. Temo que a tristeza não seja compatível com a tristeza". 
O amadurecer do personagem é lento como seu andar, marcado de pequenos e graduais passos rumo a uma maturidade que lhe é nova e inicial. Cheyenne arrasta por onde passa um fundo e doloroso remorso. Remorso por ter se afastado do pai. Remorso por não ter filhos. Remorso por dois adolescentes que muitos anos atrás suicidaram-se ouvindo as melancólicas letras de suas músicas. Sua viagem não é tão somente iniciática, mas também purgatória. Como escreveu o crítico de cinema da Folha de São Paulo, Cássio Starling Carlos, "o excesso decorativo das cenas e dos movimentos de câmera serve para tornar mais explícitos os vácuos existenciais. O parentesco das imagens com o videoclipe faz o ritmo lento e contemplativo que toma lugar da velocidade ficar mais exasperante". 
Embora o percurso de Cheyenne se faça filmicamente como uma espécie de colcha de retalhos, o resultado final é coeso e robusto. Entre o cômico e o dramático o filme nos leva a pontiagudas reflexões, muitas delas talvez até indesejáveis para nós que vivemos tempos de facebook e instagram. Em sua androgenia derrubada e decadente Cheyenne nos conduz por desérticos meandros estéticos que ressoam nos vazios entediosos de nossas almas. Um filme agudo e sensível, rara pepita em veios escassos, que merece um espaço no ruidar do nosso cotidiano brilhoso de imagens. 




Joaquim Cesário de Mello

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