sexta-feira, 5 de julho de 2013

VALE A PENA VER DE NOVO

OSCAR WILDE E O SORRISO DO GARI

O QUE SEMPRE ME CHAMOU atenção no modo de viver e de dizer das pessoas foram seus elementos paradoxais. Quando muitos nos vem apelando por alegria, felicidade, paz, harmonia, fraternidade, sinceridade, pergunto-me, será que querem realmente tudo isso?  Falei em um artigo anterior das verdades que existem nas mentiras, e dizer que alguém não deseja a felicidade, parece ser minimamente tacanho de minha parte: afinal, todos querem isso: felicidade. Os fatos, contudo, não são tão simples assim. Façamos uma reflexão sobre frase de Oscar Wilde, autor que citarei outras vezes: “o caminho dos paradoxos é o caminho da verdade”.
Poderíamos imaginar que um navegante ao passar por um oceano tenha lhe dado o nome de “Oceano Pacífico” por pensá-lo tépido, sem ventanias ou turbulências. Certo? Errado. O Pacífico é um dos mares mais difíceis e revoltos. Se esse mesmo navegante, mais adiante, atravessasse o cabo da “Boa Esperança” imaginaria, do mesmo modo, um lugar calmo e jubiloso, mas, infelizmente, essa parte do oceano tem mais semelhança com o nome que lhe foi dado no passado: “Cabo das Tormentas”.   E assim poder-se-ia imaginar várias situações: um morador de um lugar chamado “Cidade de Deus” ou do bairro dos “Prazeres”, certamente, moraria perto do paraíso. Costuma-se nomear lugares de Esperança, Vida, ou Casa de saúde onde essas três palavras estão à beira do fracasso.   O que parece, num primeiro olhar, é que o paradoxo nos aponta como as coisas deveriam ser, e não, como são e, quando se trata de projetos pessoais, acrescento, nem sempre com aquilo que se quer, embora se tenha na ponta da língua a palavra felicidade. Outra frase igualmente paradoxal de Oscar Wilde me fez pensar que Freud disse acertadamente em “Mal-Estar na Civilização” que a felicidade não estava incluída no projeto da Criação: “Há duas tragédias na vida: uma a de não satisfazermos os nossos desejos, a outra a de os satisfazermos” – essa frase mostra claramente as dissonâncias da felicidade.

Muitas pessoas vão as suas psicoterapias e dizem que querem ser felizes no casamento/relacionamento e são justamente elas que mais sabotam a vida conjugal por fazerem do amor uma doença grave e incapacitante; outras dizem que se dão por satisfeitos numa eventual realização profissional e sequer dão passos para pequenos empreendimentos. Existem também os poetas e escritores de livros que jamais escreveram, pintores de quadros que jamais pintaram, cantores que jamais solfejou uma melodia, e, paradoxalmente, por essas razões se acham injustiçados por não serem reconhecidos, e  ainda, rezam pela boa sorte. Para esses Wilde – mais uma vez – diria: “Quando os deuses querem nos punir, respondem às nossas preces”. O que prevalece nessas pessoas, com muita intensidade, seria o que Freud chamou de Masoquismo Moral, que é justamente essa postura de fracasso auto-acusatório, auto-retaliador, auto-penitente.  Que vantagem teria isso? Wilde diria: “Há uma espécie de conforto na auto-condenação. Quando nos condenamos, pensamos que ninguém mais tem o direito de o fazer”. Pois aí está boa parte da resposta. Esse masoquismo traz as pessoas um falso sentimento de amparo, de acolhimento e de aceitação que fazem, no final das contas, se sentirem “pobres crianças tristes”, e desse modo, protegidas. O maior medo desses “infelizes”, em realidade, é de ficarem sozinhos – apesar de se queixarem de já estarem na solidão – ou de terem alguma autonomia (solidão e autonomia são palavras primas). É, enfim, muito mais cômodo ficarem como estão. Se, contudo, cansarem-se de tanta infelicidade o que fazem, então? Como fiz uma analogia à imagem de uma criança pobre, continuemos: vão a loja de briquedos! Mas como são, de fato, adultos, entram numa loja de departamento e compram algumas felicidades: telefones celulares, notebooks, vestidos, calças, camisas, saias, sapatos, televisores, aparelhos de som, DVDs, blu-rays, estofados. Depois disso tudo, sofrem com a auto-punição do consumo, do desamor e criticam o capitalismo.


Certa vez, apontaram-me na rua um gari sorrindo – percebi, que não só aquele, mas muitos garis sorriem – foi um  sorriso altivo, debochado  tão provocador e corajoso como a alegria espontânea e solitária. A pessoa que me apontou disse-me: “veja só que paradoxo!” Respondi com outra pergunta: “se é um paradoxo, quem teria permissão para alegria?”

(originariamente publicado em 30/09/2012)

                                                                                  MARCOS CREDER

3 comentários:

Cristiane Menezes disse...

Gostei deste texto! Aprendo muito por aqui. É incrível o que a leitura faz conosco, amplia nossos horizontes, permite-nos a felicidade de escrever bem. O Oceano Pacífico foi ótimo! Este trocadilho me lembrou do Clube Náutico Capibaribe que fica na Rua da Angustura, no Bairro dos Aflitos. Interessante como as pessoas querem, reclamam, mas não fazem nada para tal! Às vezes imagino que ficam à espera de... Sem se quer mexer “os pauzinhos”. Ao menos não resmunguem! Mas o que é a felicidade? O que as fazem feliz? Bem materiais? Desde quando se compra felicidade? Desde que a “sociedade” alienou-se com esta hipótese. Às vezes tenho a sensação que ninguém pára para refletir. Fica aquela expressão “maria vai com as outras”. As pessoas almejam tanto que se esquece de serem felizes. A felicidade não custa, ela é gratuita, é um sentimento, pode está num momento, no olhar de uma criança, num dia de sol, num encontro com o mar... e até no sorriso do Gari: homem humilde, que sofre, chora, deseja, almeja, mas valoriza a vida, e tem, e ver nela, motivos para sorrir!

PS: Certa vez estava presa num engarrafamento num dia de chuva, quando um casal abriu a porta do carro, cada um de um lado, elevou os braços para o céu (de roupa e tudo) e sorriu. Como queria está com a máquina fotográfica em mãos! Estaria eu fotografando a felicidade!

rotina criativa disse...

Fico espantada como os assuntos discutidos aqui no blog são reflexos de questionamentos que venho tendo durante um bom tempo. Os paradoxos, é impossível pensar na vida sem a presença deles. Isso é algo que me pertuba muito e que venho pensando e pensando e pensando por um bom tempo.

Texto incrível e me lembra do livro que estou lendo atualmente "Niels Lyhne" de Jacobsen, que alias, é sensacional.

Anônimo disse...

"Niels Lyhne", o livro que tens em mãos, Andreza, é simplesmente uma das obras mais importantes da literatura do século XIX. Para se ter uma ideia, Rilke recomenda nas "cartas a um jovem poeta" como praticamente obra única para a formação do escritor. Se meu texto fez lembrar algo de Jacobsen é para mim uma honra.
abs e boa leitura
Marcos Creder