Pra início de conversa, a agressividade faz parte da natureza em geral, bem como é inerente ao ser humano. Graças a ela, sobrevivemos como espécie. A agressividade é uma pronta resposta às ameaças e perigos externos, uma maneira de nos proteger quando necessário. Isso não se discute. O que enfocamos agora é o excesso de agressividade, quando ela foge do nosso controle.
A agressividade e a raiva
excessivas fazem parte de alguns contextos personalísticos. Inexiste
especificamente uma “personalidade raivosa”. Temos, contudo, por exemplo, o Transtorno Explosivo Intermitente, que
tem como característica básica a instabilidade afetiva o descontrole das
emoções. Quem é portador de tal transtorno não consegue lidar bem como seus
impulsos agressivos, que são geralmente desproporcionais aos estímulos
desencadeantes. São raivas explosivas, não premeditadas, por isto o indivíduo
demonstra, logo após, arrependimento, remorso, vergonha ou culpa. O
comportamento briguento e impulsivo também se acha como sintoma das
personalidades borderlines, pra ficar em outro exemplo. Todavia não finquemos
nosso presente texto em diagnósticos nosológicos, mas sim nos componentes
psicoafetivos possivelmente envolvidos.
Como dizíamos acima, a agressividade é
constitucional, necessária e útil à auto conservação. Ela nos leva à ação. É natural e faz parte do nosso mundo
emocional. Desde cedo manifestamos agressividade, e ela é, frequentemente, uma
espécie de reação ou resposta a algo que nos frustra ou nos ameaça. É evidente
a sua característica de defesa e proteção. Nossa relação com o mundo é uma relação
sujeito (eu) e objeto (não-eu), e desde nosso iniciar na vida sentimos emoções
e sentimentos em relação ao objeto. Indubitavelmente o primeiro objeto (parcial) com que lida o ser humano é o seio. Tanto a manifestação de raiva (agressividade)
quanto a de medo são basilares em nossas vidas desde nossos primórdios como
seres viventes. Já na nascença o primeiro grito/choro já é uma revelação de nossa disposição agressiva e contestatória.
Podemos manifestar nossa
agressividade de várias maneiras, entre elas: impulsivamente, instrumentalmente
(não impulsiva), direta ou indiretamente, deslocativamente, dissimuladamente e auto
agressivamente, entre outras. Uma raiva inibida, por exemplo, que é quando o
sujeito não a manifesta externamente, tende a voltar-se contra si, transformando-se
em rancor.
Pessoas facilmente agressivas
parecem estar reagindo ao mundo e as demais pessoas como se vivesse em uma
constante competição. São antagonistas de quase tudo. Tudo parece ser uma
interminável luta e disputa. Tal precipitação emocional nos faz pensar que
trazem dentro de si um exército sempre disposto e pronto para batalha, batalhas
essas reais e/ou imaginárias. E não estamos apenas a destacar a raivosidade
como sentimento direto, mas também os dissimulados por detrás de comportamentos
excessivamente sinceros, visto que verdades nuas e cruas muitas vezes agridem
as outras pessoas.
Entre os possíveis causadores do comportamento
agressivo intermitente, temos: pais permissivos na infância, ausência de
carinhos e atenção quando criança, abusos morais, psicológicos ou físicos sofridos
na meninine, situações traumáticas e lutos não elaborados na puerícia. É,
decididamente muitas das nossas raízes são fincadas na infância. E a culpa não
é de Freud. Por isto, parto do seguinte princípio: por trás de um adulto
explosivamente agressivo e facilmente raivoso, há uma criança machucada.
Reprimir ou expressar raiva
continuamente faz mal à saúde em geral, não só do ponto de vista psicológico
como físico. Sem essa falácia de que se deve botar tudo pra fora. Sim, algumas
raivas sepultadas na alma podem provocar a médio e longo prazo doenças
psicossomáticas e depressão, todavia há de se ter algum equilíbrio emocional,
pois indivíduos que não conseguem modular suas emoções e impulsos colhem os
frutos de sua baixa tolerância à ansiedade e à frustração. Um sujeito que não
domina sua impulsividade e seus instintos perde sua condição de sujeito e se
aproxima perigosamente do bestial que há em todos nós. A ira, a fúria e o ódio
nos espreitam e podem nos levar a transpor o limite que nos separa da
violência. A roteirista de televisão e
escritora Adriana Falcão foi muito feliz quando disse que a “raiva é quando o
cachorro que mora em você mostra os dentes”.
O poeta inglês Alexander Pope já escrevia que “sentir raiva é vingar-se das falhas dos outros em
si próprio”. Também é por demais conhecida a seguinte
expressão de Shakespeare: “a raiva é um
veneno que bebemos esperando que os outros morram”. Quem vive animoso ou com
predisposição a ter raiva com facilidade é alguém que vive odiando viver. Contudo,
por baixo de muitos rancores, raivas e iras, há dor. Neste sentido o próprio
sentimento de raiva nos transpira uma defesa contra a angústia de uma alma
esmagadamente dorida.
Há lágrimas antigas e ainda quentes que precisam ser enxugadas, Há choros calados que pedem para ser escutados. Há ferimentos incicatrizados que carecem ser tratados. Há um garoto ou uma garota invisível que demandam ser vistos. Há uma criança sozinha com medo do quarto escuro que necessita de companhia. Há toda uma infância e juventude que sonha sonhos de ontens que só pedem para ser espreitados. Por baixo do mar revolto a agitado alguém suplica demandas e carências. Não há dentro nem demônios nem anjos, há apenas uma alma ferida, ofendida e magoada. Permitir deixá-la sair é libertar a criança para que possa então seguir em frente seu destino. Que o veneno da pétala vire espinho, para depois do espinho finalmente virar flor.
Evidente que uma pessoa irascível é uma
pessoa emocionalmente desequilibrada e instável afetivamente. Mas não
depositemos a causa de tal transtorno tão somente em aspectos psíquicos e
ambientais, afinal o corpo existe e, assim, também podem existir fatores físicos
em sua base. Talvez não se possa falar em um mecanismo neural inato. Talvez. Mas
a possibilidade de influências neuroquímicas, principalmente ao nível da amígdala
e do neurotransmissor serotonina são consideráveis em determinados comportamentos
agressivos. O que consideramos,
entretanto, é que é bem possível que não tenhamos apenas uma causa, mas uma
multifatorialidade.
Pessoas
estilo “pavio curto” não são necessariamente pessoas doentes. Doença ou não,
elas se revelam emocionalmente imaturas. E se a raivosidade é histórica, então
ela foi se construindo como um traço da personalidade do sujeito ao longo dos
anos. Têm dificuldades em lidar com os limites, algumas por terem sido muito
mimadas na infância, e querem impor seus desejos à base do grito e da tapa. É
como se fosse um enorme bebê crescido e chorão. Por detrás de muitas bravatas,
brabezas e iras, se escondem a insegurança, o medo e a impotência.
É necessário, pois, encontrar a dor por
detrás da raiva e chegar nela. Quem fica zangado frequentemente precisa reconhecer
que sua raiva não é um sentimento puramente genuíno. E que muitos dos seus
ataques têm origem no medo, na mágoa, na angústia e no desespero. Dores que
doem, e por isso são transformadas em raivas. São dores desconsideradas ou
negadas, e assim desvalorizadas ou reprimidas fomentam o enraivecer, que é mais
fácil do que o doer.
Joaquim Cesário de Mello
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