quarta-feira, 17 de julho de 2013

SUGESTÕES DE FÉRIAS




Quando falamos de algo sobre a Grécia, à primeira vista nos vem filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles; ou imaginamos aquela viagem turística paradisíaca às ilhas gregas; ou mais atualmente pode nos vir à mente a crise econômica desencadeada desde meados de 2010. Mas não é sobre isso que iremos abordar hoje. Vamos mais uma vez sugerir cinema. Sim, cinema, afinal a Grécia também tem cinema e de boa qualidade. Embora seja pouco divulgado no Brasil, o cinema grego é bem conceituado na Europa.
O cinema grego vai além de cineastas como Costa-Gravas, atrizes como Irene Papas, ou filmes como “Zorba, o Grego” (1964), “Z” (1969), ou “Nunca aos Domingos” (1960). Recentemente tivemos “Dente Canino”, de Giorgos Lanthimos, e “L, de Babis Makridis. Nosso foco aqui é “Paisagem Na Neblina”, de Theo Angelopoulos.
                Theo Angelopoulos, falecido em 2012, iniciou como crítico de cinema, e como cineasta abocanhou inúmeros prêmios internacionais de prestígio, tais como Palma de Ouro em Cannes, Leão de Ouro e Leão de Prata no Festival de Veneza, entre outros. Sua filmografia inclui importantes obras como “A Eternidade e Um Dia” (1998), “Um Olhar a Cada Dia” (1995) e “O Passo Suspenso da Cegonha” (1991).

                “Paisagem na Neblina” (1988), ganhou o Leão de Prata de Veneza, o Interfilm do Fórum do Novo Cinema do Festival de Berlim e melhor filme do European Film Award. Trata-se de um filme intimista onde uma irmã (Voula), púbere, e um irmão (Alexandros), criança, partem da Grécia rumo à Alemanha em busca de um pai que nunca conheceram e que provavelmente não existe. Uma odisseia onde Voula, 11 anos, perderá a inocência residual da infância e precocemente amadurecerá, assim como Alexandros, de 5 anos.



O filme é mais do que somente um filme. É uma obra de arte, onde respiramos poesia através dos olhos. Afirmar que se trata de um filme belíssimo é redundância. Esteticamente é esplendoroso, impregnado de cenas antológicas e emblemáticas. Fabular e arquetípico, o filme se inicia com Voula tentando ninar o irmão mais novo, dizendo “no princípio era a escuridão”. Pronto, desde logo está dito o estilo narrativo e sua temática: a cosmogonia pessoal dos personagens e sua busca por suas origens. Serão inúmeros os perigos e as surpresas do percurso, caminho este filmado de maneira imageticamente onírica. Cada cena, cada fotograma, é mítica e simbolicamente enigmática. Vide, por exemplo a cena onde a escultura e uma mão gigantesca sobrevoa
sobrevoa com o dedo indicador ausente. Evidente que ali, alegoricamente, os personagens estão sozinhos, sem qualquer indicação de onde se encontra o suposto pai inexistente (a mãe tivera os filhos de sexo casual com homens diferentes que nem sabe mais quem são - "filhos do azar", como diz um personagem - e os iludira com a ideia que seu pai morava na Alemanha). Busca-se, portanto, uma verdade que é baseada em uma mentira. Eis a cena na íntegra:

    Vejam também esta delicada passagem onde Alexandros faminto vai a uma pequena lanchonete pedido comida. Pura poesia em tons melancolicamente surreais e azuis:

Cena após cena, quadro após quadro, revelação após revelação, Angelopoulos nos flui com sua câmara uma verdadeira partitura de imagens, sons e silêncios. O filme inteiro, de cabo-a-rabo, é de um rigor artístico ímpar, formando um organismo único e vivo que nos pulsa frente aos olhos e aos sentidos e que permanece em nós muito tempo depois de assisti-lo. Ah!, que saudade dos grandes filmes, eles não estão mais em moda. O cinema autoral quase inexiste, ao menos sobrevive em pequenos guetos de cinéfilos, pequenas salas de exibição onde se passam ao largo dos shoppings centers da vida. Viraram marginais. E que aqui, em “Paisagem na Neblina”, a Grécia é marginal.
       Certa vez escreveu o crítico de cinema Marco Antônio Moreira: "Com um cinema reflexivo, com longos planos-sequência mostrando o estado emocional de seus personagens, Angelopoulos mostra nos seus filmes dramas humanos da busca do homem pela sua razão de ser, entrando em conflito com suas ideologias, seus sonhos e desejos, que vão se transformando na medida em que o seu olhar sobre o mundo vai ficando mais revelador e desconcertante. Póetico, sensível e humano, Angelopoulos é um dos maiores diretores do cinema atual". E é isto, exatamente, que vemos ao assistir “Paisagem na Neblina”. Mesmo nas cenas mais drásticas, como a do estupro de Voula, por exemplo, ali está a delicadeza, a sensibilidade e toda a humanidade do cineasta. Nunca um estupro foi filmado de maneira tão contundente, principalmente porque não vemos, somos submetidos a vê-lo com os olhos da imaginação. Terrível. 
Passaria horas, senão dias, discutindo e debatendo “Paisagem na Neblina”, seus arquétipos, suas poéticas cenas, sua complexidade, seus simbolismos e toda a sua imponência. Pena que não dê. Marcando uma cervejinha em uma mesa de bar, pode ser que até dê um pouco, um pouquinho. É só me convidar. Mas enquanto não me convidam, convido vocês a assistirem ao filme em DVD, editado em 2010 pela Lume Filmes. Mas antes, que tal se deliciar com um rápido trailer, ao som da lindíssima e tristonha trilha sonora de Eleni Karaindrou? Cuidado pra não se deprimir...
                
Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

daniela disse...

Vi ainda no cinema. Marcante.