sexta-feira, 19 de julho de 2013

VALE A PENA VER DE NOVO

O HORROR NECESSÁRIO


Há aqueles pensadores “da contemporaneidade” que dizem que os desejos mais proibidos estão, no mundo de hoje, escancarados, explícitos, despidos a céu aberto para que todos possam vê-los, fato que ameaça  as próprias palavras desejo e proibido. A banalização do desejo levaria, como num oráculo, ao seu próprio extermínio. Esses mesmos teóricos alegam, com certa nostalgia, que no passado trazia-se o desejo sob a forma alegórica, que estava escondido por trás de uma folha de parreira ou na imagem ambígua de uma serpente. “Hoje”, ressaltam “não se faz mais serpentes como antigamente”, pois  de acordo com essas pessoas,  elas são desnecessárias e não são tão mais assustadoras - salvo as verdadeiras.

“As pessoas fazem o que dizem e o que querem” continuam e, por fim, maldizem: “é o fim dos tempos! é o fim dos tempos!”.


 Esse anúncio do fim do mundo de braços dados com a realização do desejo proibido já é antigo na história da civilização e provavelmente existe desde que um humano transgrediu algo pela primeira vez - até hoje me pergunto se o mito do Pecado Original, com a expulsão do Paraíso, anuncia o início ou fim da humanidade. Sugiro que seja o início, pois só ganhamos o status de ser humano com a introjeção da falibilidade, das perdições, do arrependimento e  principalmente do medo.  As pessoas estarão sempre assustadas com temor a transgressão e do outro lado, infelizmente, sempre vão existir transgressores. “Mas os tempos mudaram!” acrescentam esses novos pensadores “a televisão, a internet os meios de comunicação consomem nossos olhos com imagens perversas”.

Os tempos mudaram, mas não tanto.

Partamos de um dos desejos mais hediondos quiçá o mais perverso: o incesto. De vez em quando nos horrorizamos com alguma notícia de jornal em que um pai ou uma mãe abusou do filho ou da filha. Penso que não haverá o dia em que deixaremos de nos horrorizar com isso e que isso será extirpado da existência humana. Se observarmos que desde o mito do Édipo Rei esse condenável ato era repulsivo, porque deixara de sê-lo assim repentinamente?

Se contemplarmos a pintura maneirista de Brozino, com cerca de 500 anos de existência, O Triunfo da Vênus,o incesto está lá nos afrontando como num reality show. O desejo que permeia a troca de olhares da Vênus com seu filho Eros, mesmo que esteja cercado de figuras alegóricas, está lá com a mesma impetuosidade que uma novela de televisão. E por falar em alegorias, o desejo no humano sempre as solicita – nunca deixarão de solicitar. As alegorias nunca faltarão. Não há batom, indumentárias provocantes, restaurantes afrodisíacos ou penumbras no mundo animal. Somos seres de representação, e principalmente, de imaginação. A própria expressão artística que é igualmente condição exclusiva do humano nos diz isso. Oscar Wilde inverte a frase que supõe que a arte imita a vida e afirma: “a vida segura o espelho para a arte”.


Se nos detivermos ainda mais nesse quadro, veremos que em todo o êxtase – “uma verdadeira festa dionisíaca” como nos diria Nietsche -  que está representado por Eros, pela própria Vênus, pelo Prazer, pela Quimera, pelo Tempo e pelo Esquecimento, há pelo menos uma pessoa desesperada que destoa de toda cena – essa pessoa está condensando todos nós, os horrorizados necessários.

(Originariamente publicado em 01/04/2012)

Marcos Creder

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