terça-feira, 30 de julho de 2013

SAÚDECER: PARTE II



     Retomemos nosso texto anterior sobre a salutogênse, publicado sexta passada (26/07). Este termo (salutogenia) foi criado pelo sociólogo e pesquisador acadêmico Aaron Antonovsky e designa a busca dos motivos de se estar saudável. Antonovsky enfocou nos recursos pessoais e internos que ajudam a pessoa a superar as dificuldades e crises surgidas ao longo de sua vida. Em resumo, a salutogenia são as forças que geram saúde e se antagonizam com as forças que geram patogenia. O fundamento da salutogenese, segundo Antonovsky, é o que ele mesmo chamou de “senso de coerência”, que é o estado de harmonia e bem estar da pessoa consigo própria, com seu meio familiar e social. A salutogenia, portanto, pode ser autocultivada. 
   Continuemos, assim, a abordar os aspectos promovedores de sanidade e resistência, o que não significa excluir a importância da patogênese. O bom mesmo é conseguir os dois modelos (salutogenia e patogenia) em um novo e mais amplo paradigma dos saberes atuais e contemporâneos. 


    Vejamos a importância, por exemplo, do hobby na vida de uma pessoa. Quem tem um hobby passa um bom tempo a ele dedicado sem se preocupar com as coisas chatas e desagradáveis da vida. Ter um hobby dá trabalho e é um trabalho sem retorno financeiro. Mas é um trabalho feito com prazer. Não que o trabalho como atividade com retorno financeiro não possa ser prazeroso. Claro que pode. É bom e saudável que possa. Porém, o hobby é um trabalho e um prazer de outra ordem. São duas atividades de qualidades distintas.
Qualquer coisa ou quase qualquer coisa pode ser um hobby: colecionar, cozinhar, desenhar, pescar, fotografar, pintar, escrever, fazer crochê, ouvir música, cerâmica, caçar, jardinagem, criar animais, tocar instrumento musical, fazer miçangas e bijuterias, e por aí vai... Sabe-se que o que provoca satisfação gera, por sua vez, uma resposta positiva no organismo por inteiro, tanto em seus aspectos somáticos quanto os psicológicos. 

   Exercitar, se puder e quando der, um trabalho comunitário também é muito enriquecedor à alma. Uma atividade voluntária junto a pessoas ou grupos de pessoas necessitadas tanto valoriza o ser humano que necessita de atenção, quanto valoriza a humanidade do próprio sujeito da ação. A satisfação e o prazer ensejados por um trabalho voluntário de solidariedade humana é incomensurável. É o tipo da atividade de mão dupla, isto é, dá benefícios a quem recebe como para quem doa parte de seu tempo para tal fim. 

Estudar, além de ativar a memória, estimula o cérebro em sua região límbica que nos dá prazer e emoções. Somos banhados de substâncias como oxitocina e serotonina, além de se manter a mente afiada.  O estudo, quando não obrigatório, porém motivacional, representa efeitos positivos e terapêuticos. Neurocientistas afirmam que estudar previne a pessoa de doenças e previne ou melhora a depressão. Continuar mantendo a curiosidade e querer sempre aprender mais sobre as coisas e a vida, muito contribui para melhorarmos o sentido de autorrealização.
   Conjugadamente ao estudar, uma atividade física igualmente melhora a autoestima, bem como faz bem ao corpo. É aquela máxima latina “mens sana, corpore sano”. Ou vice-versa. Lembremos que o sedentarismo é uma porta aberta à depressão. Mexer o corpo sacode pra cima a alma.  As endorfinas que o corpo em atividade produz aliviam tensões e ansiedades, bem como melhoram o humor e o bem estar do sujeito.
  Os gregos antigos sempre deram muito valor à amizade. Já dizia Aristóteles: "a amizade é uma virtude ou está conectada com a virtude, além de ser algo extremamente necessário para a vida. De fato, ninguém gostaria de viver sem amigos, mesmo que ele possuísse todos os outros bens"Epicuro edifica suas ideias sobre a felicidade também dando destaque a amizade. É dele a seguinte assertiva:De todos os bens que a sabedoria proporciona para produzir felicidade por toda a vida, o maior, sem comparação, é a conquista da amizade".
Cultivar amizades é, indubitavelmente, um bom e sábio remédio contra os males e as adversidades de se viver. Amizade, amizade mesmo, faz bem à saúde. O isolamento social e a solidão deprimem, bem como alteram o sistema imunológico e contribuem para o aumento da pressão arterial, além de outros transtornos físicos. Estar inserido e conectado em um grupo social significativo e compartilhar a vida entre amigos contribui para o bem estar subjetivo e social, assim como para o aprimoramento do sujeito. Desde muito tempo percebe-se que ter amigo amplia a longevidade. A amizade sincera, autêntica (não essas tipo facebooks), de afinidades mútuas, são mais duradouras e contribuem com a cumplicidade do compartilhamento de experiências, sensações e sentimentos. Por isto, conclui Aristóteles ao se indagar o que é um amigo: “uma única alma habitando dois corpos”.
   Hobbys, atividades físicas, estudar, boa rede social, equilíbrio emocional, práticas e hábitos saudáveis, entre outros, são indispensáveis à sanidade psíquica e física do indivíduo. Porém, há um outro importantíssimo elemento que não poderíamos olvidar. Os sonhos. Não os sonhos dos devaneios e fantasias oníricas, mas os sonhos acordados que nos levam a idear o amanhã. Sonhos estes que estão diretamente relacionados com o sentido de vida.
   Todo ser humano necessita de direção e motivo para suas ações e, assim, não se sentir “boiando” na vida. Se o ser humano tem um destino, este é, sem sombra de dúvidas, evoluir e auto realizar-se. O psiquiatra vienense Viktor Frankl já dizia que a busca de sentido na vida da pessoa é a principal força motivadora no ser humano. Tanto assim considerava que ele criou uma abordagem psicoterápica centrada no sentido da vida, chamada de Logoterapia. Não é preciso apenas ter o suficiente para se viver (TER), mas ter por que viver (SER).
  Neste sentido os sonhos e os projetos de vida são vitais. Viver o presente o mais intensamente possível não significa viver apenas um dia de cada vez.  É também imprescindível viver com os pés no presente e os olhos no amanhã. Uma vida vivida sem futuro é uma vida vivida subaproveitadamente. É no futuro, este tempo incerto do que há por vir, que colocamos um dos mais importantes sentimentos humanos: a esperança. Sem esperança a vida perde o significado. Retornando a Aristóteles mais uma vez: “a esperança é o sonho do homem acordado. Um homem sem esperança é uma espécie de morto vivo. Sempre digo que se um dia fossemos criar uma vacina contra a depressão, em meio a seus princípios ativos haveria de ter sonhos e esperança. Afinal é um pouco ou um tanto o que escreveu o escritor Edgar Allan Poe: “A vida real do ser humano consiste em ser feliz, principalmente por estar sempre na esperança de sê-lo muito em breve”.
   Pois é, caro leitor(a), Psicologia também é o estudo e a prática das potencialidades e virtudes humanas que habilitam o ser humano viver de maneira mais humanamente saudável. Junto a antigas questões como angústias, ansiedades, medos, depressão, neuroses, conflitos, obsessões, transtornos, sofrimentos e afins, devem-se agregar novas compreensões de fenômenos igualmente psicológicos, tais como: alegria, esperança, altruísmo, bem-estar, satisfação, contentamento e felicidade. Ambos os lados (patogênico e salutogênicos) são tão humanos quanto é um ser humano. Neste sentido, quanto mais uma pessoa encontra-se equilibrada entre a patogenia e a salutogenia, mais resiliência ela terá para fazer frente aos estressores da vida, e mais aparato ela terá para suportar o sofrimento e superar com mais integridade possível as adversidades que todos temos no caminhar da própria existência.


Joaquim Cesário de Mello

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