sexta-feira, 26 de julho de 2013

SAÚDECER





Não procurem no dicionário SAÚDECER, esta palavra não existe, embora exista adoecer, adolescer, adultecer e por aí vai. Indago-me: por que não? Afinal se temos adoecer, por exemplo, para significar “ficar doente”, “processo ou resultado de ficar enfermo”, por que o seu oposto também não é descrito? Será que saúde é apenas um estado que se perde e não um estado ou condição que se ganha? Falamos de melhorar quando uma doença é suavizada, ou de cura quando se recupera a saúde. Mas não quero aqui falar de melhoras ou recuperações, mas sim de desenvolver ou agregar aspectos saudáveis onde antes inexistia ou era pouco cultivado ou fortalecido. Incrementar, ampliar, propagar, progredir, acrescer, fomentar, acrescentar, somar, desenvolver... estes são os verbos que quero utilizar.
                Regra geral, a Psicologia Clínica padece (perdoem-me o trocadilho) de ter uma visão paradigmatizada na doença, mais precisamente na dita doença mental. Transtornos, síndromes, distúrbios, traumas, neuroses, psicopatologias, disfuncionalidades, etc., fazem parte do arsenal técnico-científico e profissional do psicólogo que atua em área de saúde. Busca-se abordar quase tão somente os aspectos mórbidos e negativos geradores ou mantenedores dos transtornos psicológicos. Imergimos nos sofrimentos e nas dores à procura de melhoras, alívios ou “curas”. Não que isto esteja equivocado, apenas que muitas vezes é insuficiente. Devemos, também, focar nos aspectos positivos do paciente, frequentemente atrofiados, hibernantes, incipientes ou carentes de melhor desenvolvimento. Um psicoterapeuta é acima de tudo um facilitador do crescimento do ser humano e do incrementar das potencialidades inibidas com vistas ao desempenho eficaz e eficiente do sujeito como um todo.
  Quem não conhece uma historinha lendária sobre Isaac Newton que relata fabularmente a sua descoberta da Lei da Gravidade? Lembram? Lembram que a tal historinha diz que certo dia estava Newton sob uma macieira e lhe caiu uma maçã na cabeça e ela, então, teve um insight e descobriu a Lei da Gravidade? Pois é, não deve ter sido assim, mas também a historinha não é assim. A historinha completa é a seguinte: estava Newton uma noite descansando debaixo de uma macieira quando lhe caiu na cabeça uma maçã. Ele olhou pro céu, viu a lua, e se perguntou: se a maçã cai, por que a lua não cai? Claro que também não deve ter sido de fato assim que ele chegou a conclusão da Lei da Gravidade. Porém temos aí, exemplarmente, duas das principais leis físicas da Física chamada de newtiana, que descrevem a relação de forças agindo sobre um corpo e seu movimento.
                A primeira das leis físicas é de que um corpo está em movimento constante em linha reta, exceto que uma força contrária aja sobre ele (Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare). A outra é a força da atração. O planeta Terra, corpo celestial maior, atrai a Lua, corpo celestial menor, devido à proximidade de ambos. E, portanto, o que acontece com a lua? 
A lua sofre concomitantemente a incidência de duas forças equivalentes (a do impulso e do repuxo). Ela está como que tentando se mover pelas duas forças, isto é, está ao mesmo tempo indo pra frente e indo pra baixo. Como as duas forças se equivalem, seu movimento acaba sendo orbital, ou seja, ela nem vai e nem cai, apenas orbita.
     Toda vez que me lembro disso, penso: se no universo os planetas e os astros se movimento por meio e através de forças, imagine o ser humano que habita dentro do universo. Nós também sofremos e somos regidos pelo jogo de forças antagônicas. Forças, por exemplo, que nos impulsionam pra frente, e chamamos isso de crescimento; e forças que nos impulsionam pra baixo, e chamamos isso de regressão. Quer ver quando uma pessoa está orbitando na vida? É só perceber o quanto ela diz: de novo, de novo, de novo...
       A Psicologia Clinica historicamente enfocou mais no embate das forças regressoras e/ou depressoras que provavelmente subjazem nos transtornos e disfuncionalidades várias.  E menos deu atenção às forças motivadoras e autorrealizadoras que muito contribuem para o que podemos chamar de “sanidade mental”.
Porém, não quero passar a ideia de que “sanidade mental” seja um estado idílico de ausência de conflitos, estresses, problemas, ansiedades, etc., mas sim que entendo “sanidade mental” como um sujeito em equilíbrio frente a seus conflitos, estresses, problemas, ansiedade, etc. Saudável, portanto, não é ausência de coisas ruins, todavia saber melhor conviver, lidar e manejar com as coisas ruins. 

Encarando a Psicologia Clínica como uma Psicologia da Saúde, e compreendendo que só há verdadeiramente “saúde mental” (equilíbrio mental) se houver bem-estar. Diversos são os possíveis fatores (irá variar de indivíduo para indivíduo) que contribuem para o equilíbrio psicológico e o bem-estar subjetivo, entre eles e principalmente: relações interpessoais prazerosas, amigos, convivência familiar gratificante, vida sexual/amorosa estável e contínua (intimidade), atividades e ocupações profissionais satisfatórias e autorealizantes, espiritualidade, hobbys, sentido de vida, projetos e sonhos realizáveis, sensação e sentimentos de crescimento pessoal e social.


A natureza humana tem lá seus aspectos negativos, mas igualmente tem seus aspectos positivos. Quanto mais estivermos otimizados em nossas potencialidades, qualidades e virtudes, mais estaremos protegidos e/ou prevenidos contra a doença mental ou o adoecer psicopatológico. As forças pessoais de uma pessoa (forças do impulso) torna-o mais florescido e mais fortalecido. O equilíbrio a que fazíamos menção acima é equalizar, harmonizar e contrapesar os aspectos psicogênicos com os aspectos salutogênicos.
Alguém equilibrado não significa alguém invulnerável. Não. Um indivíduo quando se encontra equilibrado psíquica e socialmente é mais habilitado e capaz de superar adversidades ou crises, mesmo que delas não saia tão ileso assim. Mas sai, supera. E a cada saída ou superação o sujeito mais fortalecido e mais autoconfiante fica.
Aumenta, portanto, sua própria capacidade de resiliência. Este termo, resiliência, tem a ver com a noção de elasticidade. Em Física ou Engenharia é a capacidade de um material absorver energia e impacto sem sofrer deformação plástica ou permanente.
       Focalizar mais nas potencialidades e qualidades humanas, bem como nas emoções positivas se faz tão ou mais necessário do que somente buscar as raízes da psicopatologia, aliviar sintomas ou embater aspectos doentios do paciente. Creio que ambos são necessários, se necessário for. Não me considero um bom psicoterapeuta se me restringir a estudar distúrbios e perturbações humanas. A boa prática me faz ver, cada vez mais, a importância da salutogenia. O processo de “salutescência” implica em estimular áreas nunca antes estimuladas ou quando estimuladas foram estimuladas pela vida de maneira precária ou deficitária.

- continua próxima terça -
Joaquim Cesário de Mello

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