Não procurem no dicionário
SAÚDECER, esta palavra não existe, embora exista adoecer, adolescer, adultecer
e por aí vai. Indago-me: por que não? Afinal se temos adoecer, por exemplo,
para significar “ficar doente”, “processo ou resultado de ficar enfermo”, por
que o seu oposto também não é descrito? Será que saúde é apenas um estado que
se perde e não um estado ou condição que se ganha? Falamos de melhorar quando
uma doença é suavizada, ou de cura quando se recupera a saúde. Mas não quero
aqui falar de melhoras ou recuperações, mas sim de desenvolver ou agregar
aspectos saudáveis onde antes inexistia ou era pouco cultivado ou fortalecido.
Incrementar, ampliar, propagar, progredir, acrescer, fomentar, acrescentar,
somar, desenvolver... estes são os verbos que quero utilizar.
Regra geral, a Psicologia Clínica padece (perdoem-me
o trocadilho) de ter uma visão paradigmatizada na doença, mais precisamente na
dita doença mental. Transtornos, síndromes, distúrbios, traumas, neuroses,
psicopatologias, disfuncionalidades, etc., fazem parte do arsenal
técnico-científico e profissional do psicólogo que atua em área de saúde.
Busca-se abordar quase tão somente os aspectos mórbidos e negativos geradores
ou mantenedores dos transtornos psicológicos. Imergimos nos sofrimentos e nas
dores à procura de melhoras, alívios ou “curas”. Não que isto esteja
equivocado, apenas que muitas vezes é insuficiente. Devemos, também, focar nos
aspectos positivos do paciente, frequentemente atrofiados, hibernantes,
incipientes ou carentes de melhor desenvolvimento. Um psicoterapeuta é acima de
tudo um facilitador do crescimento do ser humano e do incrementar das
potencialidades inibidas com vistas ao desempenho eficaz e eficiente do sujeito
como um todo.
Quem não conhece uma
historinha lendária sobre Isaac Newton que relata fabularmente a sua descoberta
da Lei da Gravidade? Lembram? Lembram que a tal historinha diz que certo dia
estava Newton sob uma macieira e lhe caiu uma maçã na cabeça e ela, então, teve
um insight e descobriu a Lei da Gravidade? Pois é, não deve ter sido assim, mas
também a historinha não é assim. A historinha completa é a seguinte: estava
Newton uma noite descansando debaixo de uma macieira quando lhe caiu na cabeça
uma maçã. Ele olhou pro céu, viu a lua, e se perguntou: se a maçã cai, por que
a lua não cai? Claro que também não deve ter sido de fato assim que ele chegou
a conclusão da Lei da Gravidade. Porém temos aí, exemplarmente, duas das
principais leis físicas da Física chamada de newtiana, que descrevem a relação de
forças agindo sobre um corpo e seu movimento.
A primeira das leis físicas é de que um corpo está em
movimento constante em linha reta, exceto que uma força contrária aja sobre ele
(Corpus
omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum,
nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare). A outra
é a força da atração. O planeta Terra, corpo celestial maior, atrai a Lua,
corpo celestial menor, devido à proximidade de ambos. E, portanto, o que
acontece com a lua?
A lua sofre concomitantemente a incidência de duas forças equivalentes (a do impulso e do repuxo). Ela está como que tentando se mover pelas duas forças, isto é, está ao mesmo tempo indo pra frente e indo pra baixo. Como as duas forças se equivalem, seu movimento acaba sendo orbital, ou seja, ela nem vai e nem cai, apenas orbita.
Toda vez que me lembro disso,
penso: se no universo os planetas e os astros se movimento por meio e através
de forças, imagine o ser humano que habita dentro do universo. Nós também sofremos
e somos regidos pelo jogo de forças antagônicas. Forças, por exemplo, que nos
impulsionam pra frente, e chamamos isso de crescimento; e forças que nos
impulsionam pra baixo, e chamamos isso de regressão. Quer ver quando uma pessoa
está orbitando na vida? É só perceber o quanto ela diz: de novo, de novo, de
novo...
A Psicologia Clinica
historicamente enfocou mais no embate das forças regressoras e/ou depressoras que
provavelmente subjazem nos transtornos e disfuncionalidades várias. E menos deu atenção às forças motivadoras e autorrealizadoras que muito contribuem para o que podemos chamar de “sanidade mental”.
Porém, não quero passar a ideia de que “sanidade mental” seja um estado idílico de ausência de conflitos, estresses, problemas, ansiedades, etc., mas sim que entendo “sanidade mental” como um sujeito em equilíbrio frente a seus conflitos, estresses, problemas, ansiedade, etc. Saudável, portanto, não é ausência de coisas ruins, todavia saber melhor conviver, lidar e manejar com as coisas ruins.
Encarando a Psicologia Clínica
como uma Psicologia da Saúde, e compreendendo que só há verdadeiramente “saúde
mental” (equilíbrio mental) se houver bem-estar. Diversos são os possíveis
fatores (irá variar de indivíduo para indivíduo) que contribuem para o
equilíbrio psicológico e o bem-estar subjetivo, entre eles e principalmente:
relações interpessoais prazerosas, amigos, convivência familiar gratificante,
vida sexual/amorosa estável e contínua (intimidade), atividades e ocupações
profissionais satisfatórias e autorealizantes, espiritualidade, hobbys, sentido de vida,
projetos e sonhos realizáveis, sensação e sentimentos de crescimento pessoal e
social.
A natureza humana tem lá seus aspectos negativos, mas
igualmente tem seus aspectos positivos. Quanto mais estivermos otimizados em
nossas potencialidades, qualidades e virtudes, mais estaremos protegidos e/ou
prevenidos contra a doença mental ou o adoecer psicopatológico. As forças
pessoais de uma pessoa (forças do impulso) torna-o mais florescido e mais
fortalecido. O equilíbrio a que fazíamos menção acima é equalizar, harmonizar e
contrapesar os aspectos psicogênicos com os aspectos salutogênicos.
Alguém equilibrado não
significa alguém invulnerável. Não. Um indivíduo quando se encontra equilibrado
psíquica e socialmente é mais habilitado e capaz de superar adversidades ou
crises, mesmo que delas não saia tão ileso assim. Mas sai, supera. E a cada
saída ou superação o sujeito mais fortalecido e mais autoconfiante fica.
Aumenta,
portanto, sua própria capacidade de resiliência. Este termo, resiliência, tem a
ver com a noção de elasticidade. Em Física ou Engenharia é a capacidade de um
material absorver energia e impacto sem sofrer deformação plástica ou
permanente.
Focalizar mais nas
potencialidades e qualidades humanas, bem como nas emoções positivas se faz tão
ou mais necessário do que somente buscar as raízes da psicopatologia, aliviar
sintomas ou embater aspectos doentios do paciente. Creio que ambos são necessários,
se necessário for. Não me considero um bom psicoterapeuta se me restringir a
estudar distúrbios e perturbações humanas. A boa prática me faz ver, cada vez mais,
a importância da salutogenia. O processo de “salutescência” implica em
estimular áreas nunca antes estimuladas ou quando estimuladas foram estimuladas
pela vida de maneira precária ou deficitária.
- continua próxima terça -
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