Necessitamos daquilo que desejamos?
Há algum tempo que se vem
discutindo com mais freqüência na mídia o tema dos consumidores descontrolados.
Muitas dessas discussões interrogam as possíveis causas apontando muitas vezes
para diversas patologias psíquicas. Duas perguntas são feitas em relação a esses
consumidores compulsivos: eles são uma invenção da atualidade? E, o que faz a compulsão ao consumo ser tão freqüente nos
dias de hoje? As respostas são vagas, imprecisas, mas talvez possamos fazer
algumas modestas reflexões sobre isso.
Um
acontecimento recente, contudo, responde em parte essas pergunta.
Houve na Inglaterra um movimento de jovens
que saquearam diversas lojas de departamento e, ao contrário do que se poderia
imaginar, não se levou alimentos, produtos de vestuário indispensáveis, ou
artigos que caracterizam saque por necessidade de sobrevivência. Foram roubados
produtos eletrônicos e diversos produtos considerados “de marca”: Ipods Ipads,
Iphones, tablets e produtos de vestuário de griffes conhecidas. Em resumo,
aparentemente um roubo fútil e caprichoso que ressalta mais uma vez a velha
questão entre os desejos e as necessidades do ser humano. E por falar nisso,
façamos uma pergunta: necessitamos daquilo que desejamos? A resposta parece
óbvia, mas não é... O conceito de desejo em dicionário pode ter semelhança com
o de necessidade, mas o desejo do ponto de vista psicanalítico trás elementos
mais sutis e mais humanos, e conseqüentemente, elementos bem mais
complexos. O desejo nos faz sentir uma
sede que muitas vezes a água não sacia, sentir fome ainda que empanturrado de
alimentos.
Quando crianças
esses dois desejos – fome e sede – nos é parcialmente saciado pelo seio
materno, nele está o alimento (que vai suprir nossas necessidades) e algo mais
que seria o acolhimento, o alento, a ternura, o amparo, a aceitação, o prazer, ou
sentimentos e sensações que jamais teríamos palavras para expressar. Nesse
hiato imaterial encontra-se, além da necessidade, o desejo. Se continuarmos nessa analogia com a infância,
queremos ou desejamos tudo isso de volta e rapidamente, mas a realidade nos
impede e, frustrados, somos obrigados a renunciar e a adiar essas realizações. Se
somos mais intolerantes a essa frustração, podemos, por assim dizer, ludibriar
esses dados de realidade e nos tornar impulsivos. No passado se tinha o desejo
de que um dia se teria dinheiro para comprar um determinado objeto e hoje poderemos
tê-lo imediatamente com um dinheiro que virá do futuro. Se não temos dinheiro, temos crédito.
Há uma regra no
comércio que preconiza o seguinte: se o cliente abordar um produto, tente fazer
comprá-lo em vinte minutos. Se não conseguir nesse tempo, provavelmente, a
possibilidade de venda cai para a metade. O que quer dizer essa regra? Que há
uma tendência em nós que nos faz decidir sem deliberação, a agir por impulso.
Somos eventualmente impulsivos e as pessoas impulsivas são norteadas por esse
princípio da satisfação imediata – o que não é nenhuma novidade. A novidade
está nos mecanismos facilitadores dos impulsos. Quais são? Um dele já comentei:
O crédito. O crédito nos dá possibilidade de realização imediata, independente
de se ter ou não recurso. O outro mecanismo facilitador está nos convites
publicitários que fazem dos produtos, não objetos de necessidade, mas de
desejo. O que se mostra num comercial é algo mais ou menos parecido com a que
descrevi cena infantil: vejamos alguns slogans:
“Sede não é
nada, o importante é a imagem” (propaganda de refrigerante)
“viver sem
fronteiras” (operadora de celular)
“abra a boca, é
Royal” (alimento)
“você não imagina
o que um Citroen pode fazer por você” (automóvel)
“pode entrar
que o mundo é seu” (propaganda de banco)
Observa-se que
o instrumento da publicidade é o desvelamento de desejos. Falo desvelamento
porque eles, os desejos, já existiam, já estavam desde antes nos espreitando, e
foram, naquele momento, incorporados aos produtos. Na publicidade o desejo
tende sempre a triunfar sobre a necessidade.
A fórmula é
simples: soma-se o desejo, a personalidade com traço impulsivo e o crédito. O resultado
são os consumidores impulsivos (ou compulsivos)
Se se tem dúvidas em relação a importância do crédito
façamos um experimento, prezado leitor: anote em um pedaço de papel o valor
aproximado da próxima fatura do seu cartão de crédito. Quando tiver a fatura em
mãos, compare com o valor que se estipulou: tenha certeza que você esqueceu
algumas compras e pagará mais – bem mais.
Originariamente publicado em 08/07/2012
Marcos Creder
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