sexta-feira, 15 de novembro de 2013

AMORES DROGADICTOS


              




                       Sim, existem pessoas que vivem tórridos relacionamentos amorosos. Amores intensos, energéticos, agudos, veementes e excessivos, porém não extensos, mas sim fugazes, efêmeros e passageiros. Pessoas que possuem uma longa folha corrida de paixões, amores ardentes e arrebatadores, um verdadeiro currículo de páginas e páginas de vida afetiva extasiante e impetuosa. Todavia quantidade não é necessariamente sinônimo de qualidade. São tantas as relações que se iniciam com profunda ânsia de eternidade, mas que se esvaem como fumaça entre os dedos. O escritor inglês Oscar Wilde já dizia que a única diferença entre um capricho e uma paixão eterna é que o primeira dura um pouco mais.

Mas, calma aí. Não pensem que venho aqui de novo escrever sobre borderline. Não. O presente texto surgiu de um momento clínico com uma cliente que acompanho quando ela me indagou se seria borderline. Tal ideia lhe veio com a leitura do livro Corações Descontrolados de Ana Beatriz Barbosa Silva, afinal ela, no auge dos seus trinta anos, vivera até então várias paixões que se iniciaram intensas e terminaram intensamente. A pessoa especificamente falando, embora demonstrasse instável amorosamente, não apresentava relatos de raivas inapropriadas, sentimentos crônicos de vazio, identidade própria indefinida ou demais relações interpessoais comprometidas. Era uma boa profissional estável, com um satisfatório e velho círculo de amizades, vida familiar razoavelmente equilibrada e com boa capacidade egóica para tolerar ansiedade e frustração. Se algo de border existia era na vida afetiva em termos de relacionamentos amorosos. Porém, não devemos confundir uma parte pelo todo. 
Há uma clara, contudo sutil, diferença entre uma pessoa internamente intensa e uma pessoa que busca intensidades. Vejamos melhor. Um sujeito (self) pode buscar outro (objeto) no qual possa descarregar toda sua inquieta intensidade. Já outro sujeito (self) pode buscar outro (objeto) com vistas a este outro, devida a sua própria elevada carga de eletricidade, lhe provocar intensidade. Aqui cabe, pois, uma outra diferença: intensidade não é sinônimo de intensamente. 
Geralmente uma personalidade tipicamente extrovertida, irriquieta e ansiosa quando parte para usar uma droga (substância psicoativa) tende a buscar uma droga narcótica ou opiácea, isto é, drogas que visam entorpecer e/ou sedar. Já personalidades introvertidas, inibidas e reprimidas tendem a buscar drogas euforizantes e desinibidoras. Isto não significa um determinismo absoluto, afinal pode haver casos de uso de drogas estimulantes, por exemplo, em pessoas já normalmente estimuladas. Porém, existe uma tendência e, às vezes, uma forte correlação entre a droga escolhida e a personalidade do sujeito que se droga.
Dada as devidas proporções penso que algo análogo também pode ocorrer em algumas situações ou escolhas amorosas. Um indivíduo não precisa ser necessariamente borderline para se envolver em uma condição de amor borderline, onde parece se viver uma situação quase de vida ou morte e onde os afetos e a própria relação oscilam feito se estar em uma montanha russa. Basta um membro do par amoroso ter características borderlines. Algumas pessoas podem se ver atraídas para a vivência de um amor louco e intenso. Pessoas assim são tiradas de suas vidinhas pacatas e monótonas pelo estontear brilhoso e pungente de uma paixão explosiva. Pode-se ser atraído pelo vulcão de emoções que nos oferece e nos deposita uma personalidade de natureza borderline. No inicio é um amor empolgante que nos arrebata de uma vidinha retilínea e morgada. Alguém assim arrebatado é jogado na variabilidade aventureira de um relacionamento afetivo-sexual energético e intensamente pulsante. O vermelho vivo pode atrair, assim como a luminosidade de uma lâmpada atrai mariposas. 
Um amor assim tão incendiante tanto altera a química de nosso corpo quanto é alterado por ela. O cérebro dispara um arsenal de hormônios e neurotransmissores. Vive-se o perigoso prazer da adrenalina. O coração dispara e a paixão impera. A adolescência que parecia passado perdido ressurge agora sem limites e com toda a força juvenil que nos transborda. 
A antropóloga americana da Universidade de Nova Jérsei, Helen Fisher, pesquisou através de ressonância magnética o cérebro de 32 pessoas intensamente apaixonadas e descobriu que a região cerebral envolvida é a mesma que é ativada pela cocaína. Não é difícil compreender que se pode viciar em paixão, afinal o organismo produz adrenalinas, dopaminas, norepinefrinas, feniletilaminas... A euforia que tudo isso nos dá corre o risco de se transformar em vício. De um fortuito e ocasional "amor louco" pode-se transformar em dependência, dependência esta que, por sua vez, pode levar o sujeito dependente de paixão a ser incapaz de relacionamentos amorosos duradouros. Vive-se, assim, à cata constante de novas aventuras, novas endorfinas. 
Porém, nem sempre é a paixão que vicia. Há um possível outro lado (oculto) da história. Não é porque nos aproximamos da direita que seja o lado direito sempre que nos atrai. Às vezes podemos nos dirigir para a direita porque estamos a evitar a esquerda. Neste sentido, pode haver pessoas que se vêem atraídas pelo lado border dos afetos por se estar evitando (inconscientemente) o lado tranquilo, sereno e normal do amor. Uma relação amorosa tende a ser mais durável do que uma paixão. A durabilidade da intimidade, dos sentimentos e da relação, tende, por sua vez, aprofundá-la. Um aprofundamento de uma relação amorosa, então, pode gerar casamentos e famílias. Às vezes pode haver pessoas que lá no fundo da alma de si temem latentemente o que dizem conscientemente desejar. Sabe-se lá pra onde nos levam os labirintos do psiquismo humano e suas contradições...
Pois é. A cliente a que fiz menção acima não apresenta quadro clínico compatível com a classificação F60.31 do CID-10. Sua personalidade só dá indícios de instabilidade emocional na vida amorosa, ou melhor, na escolha de seus objetos amorosos. Se tais escolhas são por evitação ou por necessidade de amorosamente "viver intensamente e morrer jovem" isto a gente vê lá na psicoterapia.


Joaquim Cesário de Mello

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