quarta-feira, 20 de novembro de 2013

DIÁRIO DE AULA: FAMÍLIA & VELHICE

Segunda passada um subgrupo em sala de aula discorreu sobre o tema "velhice, sexualidade e família". Aproveitando o ensejo busquemos, pois, complementar um pouco o assunto.
Conforme apresentado pelo colegas a velhice cada vez mais tem tido visibilidade na sociedade e, consequentemente, na mídia e no mundo acadêmico. Vários livros, inclusive, são publicados enfocando à temática, porém o destaque maior é voltado ao indivíduo e suas relações interpessoais mais próximas. Utilizando-nos da noção de figura e fundo diríamos que o velho é figura e a família fundo. Tentemos, então, olhar a família como fundo e os indivíduos coomo figura. Nem sempre á fácil, visto que empiricamente somos tentados a ver pessoas. A entidade grupal e a psicologia do  grupo requer um olhar mais acurado, quiçá teórico até.
Pra início de conversa não são apenas os indivíduos que envelhecem, o próprio grupo de pertencimento adjacente (família) idem. A primeira coisa que se sobressai é a inversão geracional, isto é, os filhos que quando crianças foram cuidados pelos pais agora, na meia-idade, frequentemente passam a ter o papel de cuidadores dos seus pais envelhecidos.
A família, mais precisamente a família nuclear, não é imutável. Ela sofre as transformações ao longo do seu ciclo de vida. Novos arranjos vão se fazendo ao longo do tempo e da mudanças. Há todo um processo psicodinâmico e social de construção de formas de relacionamentos e trocas instrumentais afetivas. Exemplo: idosos (casais ou indivíduo) morando sós. Em princípio isso não quer dizer que abandono dos mesmos por parte dos familiares mais achegados. Não. muitas vezes pode significar um novo arranjo familiar que chamamos de "intimidade à distância". Tal "intimidade à distância" não obstaculiza as relações afetivas nem a assistência ao idoso. Afinal, pais velhos coabitando com filhos não é certeza de respeito, amor e ausência de maus tratos. Moradias multigeracionais não é, portanto, garantia de uma velhice bem-sucedida e feliz.
Do ponto de vista sócio-econômico podemos falar de dois arranjos familiares típicos: famílias de idosos (onde a chefia da família é o velho ou o casal de velhos) e famílias com idosos (onde o velho ou casal de velhos é chefiado por outros parentes). Seja lá como for são estruturas familiares marcadas pela convivência entre gerações.
Compreender uma família é compreendê-la transgeracionalmente (três gerações, no mínimo). Dentro da perspectiva do ciclo vital familiar cada evento em um determinado nível tem efeito nos relacionamentos em cada um dos outros níveis. Quanto maior a ansiedade e o estresse gerado em qualquer ponto transicional  mais disfuncional pode ser a transição e adaptação. Famílias no estágio tardio da vida deve manejar o mais satisfatoriamente possível as  mudanças nos papéis e funções geracionais. Abrir espaço para a velhice da geração mais velha é a principal tarefa de ajustamento. Lidar com a finitude e as perdas nem sempre é fácil ao grupo e seus membros. Algumas vezes - e não são poucas - os mebros da geração do meio não sabem como fazer a modificação adequada ao envelhecimento da geração mais velha e do próprio grupo no tocante ao status relacional e funcional.
A transitividade nas relações intergeracionais é um fato da vida grupal, porém pode gerar situações de conflitos e sofrimentos psíquicos. A reciprocidade geralmente é uma das principais queixas apresentadas, mormente em relação ao membros mais velhos do contexto familiar. Como sugestão vide o link: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v25n3/v25n3a02.pdf
As pessoas, regra geral, têm medo de envelhecer. Além da decadência física e estética ocasionada pelo envelhecimento, há um forte temor (consciente ou inconsciente) do desamparo e da solidão. O ambiente familiar deveria funcionar como um anteparo de assistência e proteção, mas nem sempre é assim. Não somos educados para envelhecer, nem individualmente nem grupalmente. Muitas vezes, em muitas famílias, o velho se transforma em uma espécie de estranho ao grupo. Não é fácil envelhecer em uma cultura narcisisticamente valorativa do jovem e da juventude. O "elo geracional" em sociedades e culturas como a nossa é frágil e os velhos cada vez mais parecem perder o lugar de transmissores do saber acumulado e da sabedoria. A "boa velhice" é falseada com máscaras de velhos jovens (young seniors) e dulcorizada pelo sistema consumista que nos lastreia. Uma verdadeira indústria é então montada e gera rios de dinheiro. A "boa velhice" é equiparada a uma espécie de "juventude prateada". Uma implícita ideologia da "eterna juventude" move as engrenagens capitalistas de todo um sistema. Mas, deixemos isso pra lá, pois assim estaríamos ampliando o foco em espaço tão pequeno para tal. 
A experiência do envelhecer é uma realidade da vida e a ela estamos submetidos, acaso não morramos jovens. O envelhecimento é um processo, uma etapa do desenvolvimento humano. A longevidade e ampliação da mesma nos coloca frente a diversos desafios. As mudanças sociais impõem mudanças familiares. Novas configurações familiares se apresentam como respostas ao ritmo de tais mudanças. A coesão e a adaptabilidade do contexto familiar ao longo do seu nascer, crescer e fenecer, muito determinará a psicodinâmica de um sistema familiar nuclear no envelhecer de seus fundadores. 
A família é um modelo circumplexo, isto é, constituído de três dimensões, a saber: a coesão, a adaptabilidade e a comunicação. A trama entre essas três dimensões pode tanto gerar ajustamentos saudáveis como disfuncionalidades patogênicas. E os idosos de hoje não são tão somente nossos avós. A velhice não é uma questão de intramuros familiares apenas. É ampla a temática e profunda a problemáticas.
Convivendo ou não as três gerações familiares sob um mesmo teto integrar seus avós dentro do ambiente afetivo é proporcionar oportunidades para todos os envolvidos e para o fortalecimentos do vínculo intergeracional. Por isto defendo que o tema não seja simplificado como "velhice e família", mas sim amplificado para "família no estágio tardio da vida". O olhar não é entre dois lados de um conjunto, mas sim sobre o conjunto inteiro, afinal o todo é maior que a soma das partes, não é mesmo? 

Joaquim Cesário de Mello

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