sábado, 29 de setembro de 2012

VARIAÇÕES SOBRE DUAS PERSONALIDADES II


JULIANA MELO ( Psicologia FAFIRE)

Fiz uma lista dos filmes que pretendo ver antes de abandonar este corpo para sempre - o que eu espero que demore o suficiente para ver muitos filmes. - Parecendo ser um filme de cenhos franzidos e respiração descompassada, Betty Blue, passou a ser um dos primeiros da fila desse, tão esperado, fim de semana. A publicação motivadora da presente escrita, me remete invariavelmente às paixões e suas nuances, tema inquietante, belo e suscitador de extrema curiosidade e interesse em mim.
Sem mais protelações... Agora, toda essa coisa da paixão... Empolga tanto que cansa!
Todos nós, herdeiros do romantismo cedo e sonhador, sentimos correr nas veias o desejo insaciável por essa paixão que tira o fôlego e o chão, desejamos ser arrebatados da monotonia do cotidiano, assim como Zorg foi, por esse encanto que faz o coração saltitar inquieto, faz as mãos suarem e faz a alma rir em deboche do descontrole que invade e exorta esse reboliço de chaga aberta. É exatamente essa delicia toda, que ferve e arde por dentro até desaguar no olhar aceso, curioso e de puro fulgor, delatador dos apaixonados.
- um suspiro profundo-
Travei quando senti que era hora de falar do abismo que anda de mãos dadas com o paraíso... Nossa, como a paixão pode gerar sofrimento, sofrimento esse tantas vezes enlouquecedor, de fato; sofrimento inspirador de tantos poetas e artistas.
Quem ama se apossa de uma beleza particularmente sequiosa, beleza roubada de uma lua cheia, amarelada, gorda e imponente, recém aparecida no céu. Quem sofre por amor apodera-se de uma beleza outra, roubada de um rio quase seco, ladeado pelo chão rachado do castigo infligido pelo sol. Quem sofre por amor carrega no olhar marejado e nos movimentos encharcados de languidez, a beleza de quem já foi tão feliz que fatigou, tão feliz que deu um tempo para o silêncio acalmar os sentidos, uma vez sobrecarregados de uma saborosa tórridez.
A entrega é bela, e entregar-se é condição sine qua non do apaixonar-se, seja o se entregar ao prazer ou ao abismo do sofrimento que nos suga e, por sorte ou perversão, nos expele de volta à superfície só para ter o gozo garantido e repetido de nos engolir de novo, ao termino da paixão subsequente.
O ser humano que não cansa da paixão e abre mão do seu tresloucado jeito de ser pela tranquilidade morna e acolhedora do amor, em definitivo não busca o equilíbrio. Busca sim o fogo e o gelo, ambos ardem e queimam a pele e o coração. Viram pó para depois queimar de novo, viram gelo para novamente, se liquefazer.

Essa musica, na voz da nossa saudosa Elis, não saia da minha mente durante todo o texto. Acho que pelo fato de imortalizar na melodia o que as palavras sozinhas não conseguem dizer.
As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões
Os corações pegam fogo e depois não há nada que os apague
se a combustão os persegue, as labaredas e as brasas são
O alimento, o veneno e o pão, o vinho seco, a recordação
Dos tempos idos de comunhão, sonhos vividos de conviver
As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões
Os corações viram gelo e, depois, não há nada que os degele
Se a neve, cobrindo a pele, vai esfriando por dentro o ser
Não há mais forma de se aquecer, não há mais tempo de se esquentar
Não há mais nada pra se fazer, senão chorar sob o cobertor
As aparências enganam, aos que gelam e aos que inflamam
Porque o fogo e o gelo se irmanam no outono das paixões
Os corações cortam lenha e, depois, se preparam pra outro inverno
Mas o verão que os unira, ainda, vive e transpira ali
Nos corpos juntos na lareira, na reticente primavera
No insistente perfume de alguma coisa chamada amor.”


“Emma Bovarry C’est moi.” E de novo, observo em mim e em todos, ou quase todos, essa vontade incontida do novo, da emoção que só o amor romântico parece poder oferecer. Madame Bovay não é ninguém unicamente personificada, que viveu nos idos do sec. XIX. Ela é um transeunte de cabeça baixa saindo arrependido de um encontro adultero, ela é a adolescente que confessa ao seu diário a primeira e mágica paixão, ela é a noiva que sobe ao altar, mergulhada, alias, afogada em ilusões e é também, o noivo que não sabe ao certo se realmente quer dizer sim, madame Bovay é a esposa que pisca para o bonitão no restaurante enquanto o marido esta com o olhar fixo na carta de vinhos, ela é ainda, aquele casal que se ama ardentemente mas deseja, também ardentemente, outros corpos, outras histórias, mas abdica, numa escolha consciente essa pluralidade afetiva, Emma Bovary é o leitor que sonha viver um romance literário genuíno. 
Somos todos assim, desejosos sofredores que conseguem ou não satisfazer seus impulsos. Somos assim, quase sempre perdidos em devaneios, em desejos inebriados pela fumaça do cigarro e o cheiro do café. Somos também, esses que se forçam a acreditar que o tempo de amar se foi, que esse tempo ficou aprisionado no retrato dos nossos avós, que o hoje é tempo de produzir e não de sentir. Somos esses que tantas vezes se auto – sabotam acreditando que as desilusões são leões famintos esperando um vacilo pra nos abocanhar e nos destroçar para sempre, no vazio do eterno sofrimento. E quem pode sofrer nos tempos da felicidade de vitrine?

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