quarta-feira, 5 de setembro de 2012




 











PUTA MERDA, PORRA: QUE SACO!

 Paulina Souza (psicoterapeuta)


                Vivemos a era do “politicamente correto”. Em nome de uma não discriminação e da preservação da dignidade humana sem a existência de preconceitos, principalmente racistas e sexistas, camufla-se uma forma nem tanto sutil de dominação, censura e repressão. Em nome do “politicamente correto”, portanto, restringe-se a liberdade de expressão através de um patrulhamento ideológico conservador quase ao estilo macarthista.
                Essa tal coisa do “politicamente correto” começo em meados dos anos 70/80 do século XX lá pelas bandas dos EUA. Inicialmente aplicou-se ao universo linguístico e rapidamente estendeu-se a outras práticas sociais. A partir daí não se chama um negro de negro, mas de afrodescendente, bem como se deve evitar o verbo judiar, pois ele está negativamente associado ao judeu. A linguagem tá ficando tão puritana que daqui a pouco vamos ter poucas palavras do velho dicionário para se usar, ou então se criar um novo dicionário aos moldes do Novilíngua. Para quem porventura não saiba o que danado é Novilíngua remeto-o ao livro 1984 de George Orwell, livro este que cunhou também o termo “Big Brother” que os mais ingênuos apenas conhecem como um programa de televisão. O Novilíngua é uma nova fala ficticiamente criada por um governo altamente autoritário cujo objetivo não era criar novas palavras, mas sim remover o sentido de determinadas palavras com o intuito de restringir o pensamento crítico. Por exemplo, no Novilíngua não existia o vocábulo liberdade para que não se pensasse em liberdade. Pois é, daqui a pouco teremos já já o nosso Novilíngua.
                Pois é, no excesso do “politicamente correto” chegamos ao ponto de se impor mudanças nas narrativas históricas e até mesmo em obras artísticas e literárias, como foi o caso recente do Conselho Nacional de Educação (CNE) frente à obra de Monteiro Lobato. Em seu livro Caçadas de Pedrinho há frases como “Não vai escapar ninguém – nem Tia Anastácia que tem a carne preta”. É meu nego, a coisa tá russa e tá ficando cada vez mais preta. Vixe! esqueci que num posso falar assim; vão deletar este meu texto do blog.
                Que intenções habitam as aparentes boas intenções do modismo do “politicamente correto”?  Há um velho ditado popular que diz de boas intenções o inferno está cheio. Segundo o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, em relação ao Brasil, o “politicamente correto” serve para mascarar a incompetência do Estado brasileiro, como, por exemplo, na questão das cotas raciais nas universidades, visto que o Estado arrecada muito dinheiro e ao invés de investir em uma escola descente o governo fica preocupado com cota e continua fazendo uma escola pública que é uma verdadeira porcaria. De que adiante, pois, abrir vagas a fórceps nas universidades para grupos ou pessoas desfavorecidas socialmente se elas lá chegam quase como “analfabetas funcionais”, no sentido de serem adultos que infantil e adolescentemente foram educadas de maneira precária? Ainda segundo o próprio Pondé, em seu recente livro Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, “o mundo virou um churrasco na laje”.
                Sim, por detrás do discurso do “politicamente correto” muitas vezes se esconde uma beatice moral hipócrita e aleivosa que busca aviltar a inteligência minimamente crítica e contestatória. Ressalve-se, de passagem, que não estou a me opor a necessidade de ser abrir entradas a grupos sociais no espaço público antes a eles negado, ou de se respeitar as diferenças e as minorias. Claro que não. Todavia estamos correndo o sério risco de não mais poder-se escrever um livro, uma peça de teatro ou fazer um filme onde o vilão ou o mau caráter da história seja negro, gay, pobre ou índio. Aliás, desculpem-me, estou esquecendo das mulheres, dos anões, dos gordos, dos cadeirantes, das empregadas domésticas, dos corcundas, dos velhos, dos vesgos, dos que têm pés chatos, dos judeus, dos tronchos, dos feios... Que tal acabarmos que os vilões e só termos mocinhos na vida? Eh, se fosse hoje Shakespeare seria processado por racismo por haver escrito O Mercador de Veneza, ou Homero por sexismo com Odisseia.
                Como disse certa vez o apresentador da MTV Paulo Bonfá, “hoje em dia o saci seria um afrodescendente portador de necessidades especiais”. Pois, estamos cada vez mais nos policiando uns aos outros como quem vive sob o regime de um Estado totalitário e fascista. Estamos nos submergindo pelas águas da onda de vigília do “politicamente correto”. A liberdade de expressão vai se resumindo em uma liberdade socialmente vigiada e permitida desde que nos ditames do que se deve pensar, dizer e agir. E, assim, no intuito santimônio de dignificar o outro não falemos mais de putas, mas sim de “profissionais do sexo”; de bichas, mas sim de “homoeróticos”; de velhice, mas sim de “melhor idade”... É realmente mais fácil mudar as palavras do que mudar o mundo.
                E do que pouco ou quase nada sei (não sou lá tão socrática assim), sei que a política do “politicamente correto” criou um nova minoria: a minoria dos politicamente incorretos. Ser tachado de politicamente incorreto faz alguém parecer ser diferente e devemos correr dele(s) como o diabo corre da cruz. Cruz credo. Chegamos ao extremo (talvez o extremo seja ainda mais extremo mais adiante) de não podermos dar uma mísera palmadinha num filho, pois isto é pecado e crime, e talvez por isto tenha visto certa vez na rua uma mulher jovem dando uma prensa no seu filho birrento e uma outra mulher mais velha, parecendo ser a mãe da mãe, dizendo: bate nele não, estamos na rua. Pois é...
                Bem, convoco aqui os coordenadores do blog ao debate, bem como aos colaboradores e mais precisamente o Guilherme Saraiva. Porém, antes de mais nada talvez seja melhor utilizar o “politiques correto” e eufemizar o título tão incorretamente acima dado. Retirem o mesmo e em seu lugar leiam: PUXA VIDA, GENTE: QUE TÉDIO!

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