KEVIN E O CINEMA PERTURBADOR
A tarefa mais árdua de quem vai comentar um filme ou um livro é descrevê-los sem,
contudo, escorregar e contar o final, quando esse foi o fundamental recurso que
o escritor ou cineasta teve para trazer
o leitor/expectador para a trama que quis levantar. Confesso que tenho pouca
habilidade nisso, principalmente, quando me entusiasmo por finais
surpreendentes. Quanto a surpresa em si, a que mais me chama atenção é aquela
que nos diz o tempo todo o que sabíamos o que iria acontecer, mas algo nos
impediu de aceitar o óbvio – como diria Nelson Rodrigues óbvio é o elemento
mais difícil de ser aceito. Como venho
falando em outros textos somos todos tentados pelo desejo, o bom desejo. Criamos, em verdade, roteiros na nossa cabeça
para que os finais obedeçam concomitantemente o que queremos e o que seria
estética e eticamente corretos. Um filme como Bastardos Inglórios – um
dos melhores finais surpreendentes que já assisti, traz um misto do previsível
e o desejável. Interessante que mesmo assistindo filmes históricos temos uma
tendência a querer, por alguma razão, perverter o final que já foi nos contado
e acontecido. Esse disparate Quentin
Tarantino conseguiu fazer muito bem. Tarantino ridiculariza o querer do
expectador.
Mas não era de Tarantino que queria falar, e antes que fale
do final de Bastardos Inglórios, quero aqui recomendar outro filme. Precisamos
falar dele, ou melhor, Precisamos Falar sobre Kevin - este é seu título.
Alguns créditos são importantes: a diretora escocesa ,Lynne Hamsey tem 42 anos e 5 filmes, três curtas e dois
longas. Pouca coisa? Sim, se não contássemos que tem cerca de 20 prêmios e 11 indicações
internacionais de filmes com nomes em sua maioria desconhecidos ("O Lixo e o Sonho"
e "O Romance de Morvern Calla")... mas falemos sobre Kevin.
Andei compilando os
comentadores e muitos usam as expressões: perturbador, surpreendente,
inquietante, soturno – muitos dos que assistiram em Cannes, recusaram assisti-lo
até o final – o que acho um exagero. O
filme é simples, com um roteiro preciso e uma fotografia maravilhosa. Ao contrário do que poderia se imaginar o
filme restringe-se em contar uma historia. Não há chavões, não há explicações bombásticas–
isso talvez seja o elemento mais perturbador – tampouco não se aponta soluções.
O filme não vai questionar os psicologismo oportunistas e as teorias
explicativas sociais. Não há interpretações.
Vai silenciosamente mostrando cena atrás de cena, diálogo atrás de
diálogo, o comportamento de uma criança bizarra, Kevin, até adolescência, sua
relação com os pais e com o mundo. O
desenrolar da trama –que não direi – poderia reunir, na vida real, um sem
número de discussão entre especialistas, psicólogos, psiquiatras, psicanalistas.
A diretora, contudo, embora não explicite, parece querer atropelar todos esses
discursos prontos, mostrando o surpreendente – o fato singular, a
idiossincrasia. O filme termina e a pergunta continua: “Precisamos falar
sobre Kevin”. Palavras que precisam ser ditas, mas que não se sabe quando ou se serão um dia possíveis de serem expressadas. Se o texto está obscuro, recomendo que
assistam.
(originariamente publicado em 11/11/2012)
Marcos Creder
(originariamente publicado em 11/11/2012)
Marcos Creder
4 comentários:
Ué, por que?
O filme é incrível, fiquei bastante perturbada ao final do longa metragem. Lembro que passei uns dias precisando falar sobre Kevin. Não encontrei quem já tivesse assistido tal obra. Recorri ao google e nenhum comentário para mim dizia respeito de fato a Kevin, talvez a obra cinematográfica, mas não a Kevin. Há cenas instigantes no filme que me lembraram as aulas de Joaquim sobre a relação mãe-bebê... vi nesse texto ao ler o título uma forma de finalmente conseguir um diálogo sobre ele, no entanto, o autor sabidamente optou por não entregar a história. Enfim... Não consegui falar sobre Kevin, mas assisti algo intrigante.
Vi esse filme, 6 vezes! - Solo, acompanhado de minhas filhas, e de novo acompanhado por minhas filhas, com amigos da escola, com colegas de trabalho.
E, mais uma vez solo!
É o primeiro filme da minha coleção, ao lado de Elephant, filme de Gus Van San (2004).
Sempre indico a todos que apreciam uma obra de arte fantástica, sem borrões!
Precisamos falar sobre o Kevin.
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