domingo, 25 de agosto de 2013

A liberdade "politicamente correta"

Dua situações:
1. uma criança pequena está aos prantos porque é obrigada a ir para a casa da avó. Seu pai, rigoroso e autoritário, diz: “sei que é muito chato e desagradável ir  a casa de sua avó, sei porque está chorando, mas você vai mesmo que não queira. Vai porque eu quero que você vá.  Um dia talvez você compreenda as razões.”
2. um pai declina-se para o filho e diz: “olha, filho, sua avó está muito só, adoentada, praticamente não recebe ninguém, e parte desse sofrimento é por conta de uma solidão, do abandono. Ninguém a visita, os seus primos são uns egoístas, só pensam em fazer as coisas ao seu bel prazer.  Penso que ela ficará muito chateada se você não visitá-la e você muito feliz em vê-la”.

Estamos acostumados a ouvir por aí  que quanto mais argumento é dado para  justificar um ato, mais esclarecidos, conscientes e justos nos tornamos. Essa consciência estaria relacionada  ao "bem-estar" do sujeito e do  seu semelhante.  Provavelmente a maioria das pessoas argumentariam que o primeiro pai é um tirano e que por essas razões a criança quando vier a se tornar um adulto desenvolverá um sem número de problemas psíquicos em razão da repressão. “Será um neurótico recalcado”.Já o discurso do segundo pai, pautado na forte argumentação, parece ser mais adequado e  civilizado e, consequentemente mais  saudável. Sendo mais saudável,  o sujeito será, por assim dizer, menos reprimido e livre das "neuroses". Certo? vejamos.

Mesmo que não seja muito evidente, há na segunda figura paterna uma outra tirania, tão severa quanto a do pai autoritário, dessa vez uma tirania disfarçada, velada, que esconde ou desconsidera  o desejo do filho, culpabilizando-o, e, se necessário, colocando-o no lugar de insensível,  caso os apelos do pai não forem atendidos - por conseguinte, o desejo desse mesmo pai também fica pouco claro. Embora que esteja voltado aos bons sentimentos filantrópicos, vê, do mesmo modo que o filho,  a  visita de sua própria mãe, avó da criança, como uma obrigação solidária.  O que está bem evidente é a frase: visito minha mãe/ avó por obrigação - assim como no primeiro caso -  mas aqui acrescenta-se uma ideia não expressa: "talvez seja chato visitar sua avó, mas eu não posso admitir isso”, fato que o primeiro pai não teve nenhum pudor em relatar.  No discurso educado do pai solidário,  a palavra obrigação foi transformada em bondade e amor ao próximo. Quem não tem esse " amor" são os egoístas - os primos. A criança, como foi dito antes, poderá ter uma vida na idade adulto "civilizada",   educada, cortes, mas certamente será de uma cerimoniosidade  que beirará,  sem medo de errar, a hipocrisia. A fala  espontânea se perderá em eufemismos e frases atenuadoras. Desse discurso consciencioso, polido,  diplomático surgirá a fala do discurso chamado hoje de  “politicamente correto”. Não sei bem como se chegou a esse jargão, mas o "politicamente correto"  é maneira de expressar um eufemismo com afirmações aceitas para o senso comum, para o grande público, que muitas vezes se distanciam das verdadeiras intensões das palavras,das falas de maior franqueza. Na verdade, a franqueza se aproxima do desejo, e no discurso politicamente correto -se escamotear o desejo de maneira insolente, como se o desejo não fosse desejado, o que levará, paradoxalmente,    não ao discurso libertário, mas, pelo contrário, a censura da fala desejante.  
Estas proposições foram problematizadas pelo filósofo (e psicanalista) esloveno Slavoj Zizek que tentou relacionar  os mecanismos de repressão e da formação do superego no mundo contemporâneo - de uma sociedade aparentemente  não reprimida. O que se observa é que essas repressões continuam existindo, no entanto, sem a vestimento do autoritarismo. Nessa nova forma de repressão haveria dificuldade de se  expressar o desejo,  e a  ansiedade, que se ligaria ao desejo,  perderia a representação simbólicas levando ao um vazio heideggeriano - fonte de toda angústia humana. Slavoj  Zizek  faz uma comparação semelhante entre o as figuras parentais infantis autoritárias e pseudodemocráticas, como ilustrei hipoteticamente, com as figuras religiosas e não religiosas. 
Particularmente observo muito dessa subtrações própria do discurso politicamente correto como uma nova forma de censura, em alguns aspectos uma censura tão profunda que a convencional que a vivida no passado , pois cria uma defesa de um discurso muitas vezes hipócritas, em razão de defender um pensamento  “do bem”. Uma censura onde a própria palavra censura também é censurada. E assim, como nos anos da repressão dos anos 19060 ou 1970, as obras literárias, os filmes e programas de televisão, as opiniões já começam a ser ameaçados para o nosso "bem".   

Marcos Creder

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