sexta-feira, 9 de agosto de 2013

VALE A PENA VER DE NOVO


DOIS MENINOS TÍMIDOS: 

ALGUMAS PONDERAÇÕES ACERCA DA TIMIDEZ 







Em seu post de 02 de setembro passado Marcos Creder fala um pouco de sua adolescência tímida. Entendo, pois também a tive. Mais do que um menino tímido, eu tive uma infância tímida. Muito talvez, provavelmente, alimentada pelos meus pais que me tiveram único e em momento maduro de suas vidas. Meu pai, por exemplo, tinha 50 anos quando nasci e minha mãe já tinha passado dos 30. Tive uma infância feliz. Não fui uma criança triste. Senti-me amado. Explorei, brinquei e corri pelos corredores da casa. Tive os brinquedos que quis e até mais do que quis. Só não tinha companheiros ao meu lado, exceto os imaginários.
                Minha infância recolhida, debruçada em seu próprio mundo, em grande parte devo aos meus pais que ciente dos perigos das ruas e por me amarem talvez um pouco demais, protegiam-me como um castelo cujas altas muralhas aprisionam seu próprio príncipe. Não podia subir em árvores, roubar manga na quintal do vizinho, jogar bola nos terrenos baldios ou brincar com os garotos da redondeza além das cercanias do portão da casa. Não trago em meu corpo uma sequer cicatriz de criança. Tive uma meninice limpa e higiênica, tão purificada de germes quanto de amigos. Não, decididamente não: não fui um menino tímido, minha infância inteira é que foi construída de timidez e retraimentos.


                Fiz-me jovem a partir dos acanhamentos e do meu ontem antigo trouxe em minha bagagem minha inseparável timidez. Por isto, repito, entendo Marcos. Assim como ele troquei as brincadeiras do recreio pelos livros da biblioteca. Conheci mais Monteiro Lobato e Malba Tahan do que conheci qualquer colega de colégio. Cresci assim como uma ilha, cercado de livros e histórias por todos os lados.
                À vezes o senso comum confunde timidez com medo e, consequentemente, falta de coragem. Dicionários descrevem como acanhamento, insegurança, embaraço e inibição. Já antônimos comuns encontrados são bravura, confiança, audácia e destemor ou coisa outra que o valha. Mas o que é mesmo timidez? Psicologicamente falando timidez não é medo propriamente dito, mas sim ansiedade ou retraimento frente situações sociais. Embora ansiedade, latu sensu, possa ter uma forte vinculação com o medo, stritu sensu ansiedade é um desconforto ou apreensão ante não uma ameaça real, porém imaginária. Para fins de nossa rápida discussão assim separemos medo (apreensão ante ameaça real) de ansiedade (apreensão ante ausência de ameaça real).
Mesmo causando desconforto, sofrimento e interferindo na vida como um todo, timidez não é doença nem transtorno. Bem, embora uma pessoa tímida se manifeste retraída frente a pessoas ou situações sociais, a timidez se diferencia da introversão propriamente dita, visto que na introversão o afastamento do objeto externo não se faz por fuga ou evitação. É verdade, todavia, que muitas vezes alguém tímido se volte mais para dentro de si introversivamente, mas não é porque uma pessoa está se escondendo por detrás de livros, por exemplo, que sua atitude seja introversão pura, porém uma introversão consequencial a uma fantasia de cunho persecutório, como se o livro funcionasse como um escudo protetor, uma defesa. Enfim, timidez não é um fato em si, mas um sentimento. Fundamentalmente: vergonha.
                O sentimento de vergonha é um dos sentimentos fundantes da moralidade dentro do psiquismo humano. Conjugadamente a culpa a vergonha exerce importante papel regulador em nossas relações com os outros. Acontece que a vergonha que sente um tímido é uma vergonha demais, muitas vezes excessivamente fantasiosa, e que contribui sobremaneira para desregular as relações tanto interpessoais como intrapessoais. A vergonha como afeto se trata de uma emoção secundária, isto é, não inata e sim adquirida, adquirida em nossas experiências com as pessoas. Medo, surpresa, raiva, tristeza e ansiedade, estes sim são afetos primários. Vergonha, assim como culpa, pudor, sentimento de inferioridade, ciúme, empatia e outros, são sentimentos que envolvem uma consciência de si, algo que os americanos chamam de “self-conscious emotions”.
Vários pensadores, artistas, escritores, filósofos, poetas, intelectuais, celebridades e pessoas anônimas, entre tanta gente, já se debruçaram sobre o tema. O poeta chileno Pablo Neruda, por exemplo, já colocou que “a timidez é uma condição alheia ao coração, uma categoria, uma dimensão que desemboca na solidão”, assim como outro poeta, Fernando Pessoa, ele mesmo um tímido, já disse que a timidez é “o mais vulgar de todos os fenômenos. O que há de mais vulgar em todos nós é termos medo de sermos ridículos”, enquanto que o escritor francês Anatole France certa vez escreveu que “a timidez é um grande pecado contra o amor”, ou ainda como referia o novelista inglês Walter Scott: “aos tímidos e aos indecisos, tudo se torna impossível, porque assim lhe parece”.
                Sim o tímido geralmente é aquele que receia ou teme ser ridicularizado e/ou não ser aceito ou vir a ser rejeitado. Criação mental ou não condizente com a realidade, a timidez gera respostas somáticas, tais como calafrios, tremedeiras, sudoreses, mãos geladas, palpitações, mudez ou gagueira.  Origens diversas à parte, observem que nas fantasias há quase sempre um background ou pano de fundos grandioso, uma grandiosidade inversa ou em sentido negativo. Quantas e quantas vezes um tímido não se retrai em levantar a mão em sala de aula e fazer uma pergunta pelo simples temor de que todo mundo vai olhar para ele ou que todo mundo vai achar que sua pergunta é a maior “merda” do mundo. Realmente só em suas poderosas fantasias todo mundo vai olhá-lo ou achar que sua pergunta é a maior pior qualquer coisa. Não. Acaso haja um tímido aqui de plantão, I’m sorry, mas o mundo inteiro não vai ficar olhando pra você não. Seu comportamento ou sua aparência não é tão relevante e importante pra pessoas não. Mas num fique triste não: timidamente você pode estar chamando mais atenção do que se exibindo.
A timidez, segundo estudos, está presente em cerca de 13% da população geral, enquanto  estima-se que aproximadamente 50% das pessoas em algum momento da vida já experimentaram timidez. Existe a timidez situacional e a timidez crônica. A primeira, como o próprio nome diz, o desconforto e a inibição se manifestam em ocasiões específicas, enquanto na segunda a pessoa encontra dificuldade em praticamente quase todas as suas áreas de convívio social. Evidente que um tímido crônico é alguém apresenta déficit nas habilidades sociais e o prejuízo disto não é circunscrito, mas generalizado.
                As causas da timidez são múltiplas, mas, afora problemas genéticos, a timidez é resultado de um processo. Entre possíveis fatores ambientais mais recorrentes temos: a existência de um progenitor tímido ou a existência de um progenitor agressivo, excessivamente crítico ou e humilhador, bem como a vivência infantil em um ambiente familiar afetivamente frio. Superproteção parental e altas exigências e cobranças que o filho não consegue corresponder também fazem parte de fortes influências ambientais que podem causar timidez em uma criança. Claro que há crianças que já nascem predispostas à timidez, ao contrário de outras que são hiperativas ou outras que são tranquilas e sossegadas. Tal inclinação ou temperamento pode encontrar no ambiente cuidador dos primeiros anos de vida de uma criança um atenuador ou estimulador da timidez.
Solidarizo-me com todos os tímidos do mundo. Sei o quanto dói a palavra vinda da mente que morre na garganta antes mesmo de chegar à boca. Sufocamo-nos silentes em nossos anseios de convivência, pois o tímido, qualquer tímido, é sempre aquele que olha o mundo pelas frestas das janelas do receio da rejeição e da vergonha.
                O irônico em tudo isso é que quis o destino que conhecesse Marcos Creder nos corredores e salas de uma escola chamada faculdade. Não foi o professor de cá de um de nós que nos atraiu, mas sim nossas timidezes. Somos amigos de infância que se conheceram no caminhar da meia-idade. Hoje brincamos juntos na vida e aqui no blog como dois meninos cuja timidez nos nutriu de cultura e erudição. Contudo o que eu queria mesmo é ter empinado pipa, petelecado bolinhas de gude e soltado rojão.

(texto originariamente publicado em 23/09/2012)

Dedico este texto ao Marquinhos que habita no Marcão.
Joaquim Cesário de Mello

5 comentários:

Cristiane Menezes disse...

Estava no face quando minha colega Denise pediu para dar uma olhada neste blog! literalMente falando é muito confuso. Cheio de psiquismo. Provavelmente feito por e para mestres, professores e alunos da área de Psi... Psicologia, Psiquiatria, Psicanálise... E sei lá mais o quê! Achei também o layout do blog muito pesado, a letra vermelha chega a doer na vista. A fotografia deve está “fotoshopada” por cor em excesso. O logotipo do “Espaço do Colaborador” está quase ilegível, pelo negrito do vermelho. Dar uma vontade de mudar! As letras em cada postagem são disformes. Não que seja necessário seguir um padrão. Mas cansa a leitura, às vezes! Sem falar que são péssimas imagens sem fontes e referência. Quando há quadros, poucos estão com título/Autor. Se o leitor sabe de quem se trata, maravilha. Caso contrário. Fica vago. Não há índice. Não há datas nas barras laterais. E muita publicidade. Poluição visual! Mas se está no ar desde março de 2011. Vai que as pessoas gostam! Quanto ao texto sobre timidez. Até que achei interessante. Gosto de ver como são as pessoas. O que pensam na real, sem máscaras. Quando criança brinquei por demais com meus colegas. Mas na escola às vezes fugia da aula de educação física, eu queria muito participar, porque gostava. Mas a professora me obrigava a dar cambalhotas, e eu por ser gordinha, não conseguia, ficava com vergonha dos outros alunos. Quando tinha gincana eu queria participar, mas meus colegas não me queriam na equipe por ser gordinha, pois não conseguia correr e pular obstáculos como os demais “magros”! Ficava só no desejo! Ás vezes alguns gritavam comigo, por não conseguir o que eles queriam! Da educação física só ficou um belo dia que não sabendo dar laços no tênis, o professor falou alto no meio de todos amiguinhos: - Agora ela vai aprender! E apesar de ter ficado com raiva dele, eu aprendi! Até hoje. A cena está gravada na minha cabeça quando vou dar laço no tênis. Cresci. Entrei em academias, participava das aulas de dança e step, tornei-me amiga do professor(es). Algo mudou em mim com os tempos, pouco, mas mudou. Tornei-me mais comunicativa. Mas muitas foram às vezes que deixei de levantar a mão em sala de aula, ficava calada ou pedia a um amigo. Uma vez a professora disse excelente pergunta fulaninho de tal! (Era a minha pergunta, não que quisesse me exibir, mas ela ficou entalada a ponto de não conseguir falar! E o não conseguir às vezes dói)! E caramba, pensei, estava certa! Não era timidez, nem vergonha do que os outros iam pensar, era medo de ser repreendida. Tive um colega no colegial que era o nerd da turma, ele sempre fazia perguntas, a maioria “imbecis”. Passou em 1º lugar em Medicina na UPE. Na sala de aula quando ele fazia uma pergunta às pessoas diziam: “Cala boca Georges”. Hoje é formado em Traumatologia, trabalhava até então no Hospital Memorial São José. Às vezes penso nele por este motivo, dizia que conversava muito com os pais em casa. Talvez seja este outro problema meu, superproteção partenal. A ele sua palavra basta. Ele é o certo. Ninguém mais! Só!
Cristiane

Marcela Agra disse...

'Solidarizo-me com todos os tímidos do mundo. Sei o quanto dói a palavra vinda da mente que morre na garganta antes mesmo de chegar à boca. Sufocamo-nos silentes em nossos anseios de convivência, pois o tímido, qualquer tímido, é sempre aquele que olha o mundo pelas frestas das janelas do receio da rejeição e da vergonha." Parabens Joaquim, texto muito legal!! Essa timidez nao eh so sua, nem do Marcos, eh tambem da
Cristiane, minha e de muitos outros, mas o que observo mesmo eh que vc consegue entender e "arrancar" isso de nossas gargantas, em pouco tempo vc conseguiu que pessoas timidas se expressassem... Valeu!!!

Unknown disse...

Que texto maravilhoso, Joaquim!!! Reconheço-me em grande parte...
"Timidamente" eu ouso me expor pra falar que “sua timidez" fez de você um grande, "extrovertido" e "exposto" MESTRE!!! Beijos,

Janaína.

literalMENTE disse...

Menina, estás viva? Que bom sabê-la no pedaço. Manda notícias. Me liga.
Joaquim

Unknown disse...

(risos) estou viva sim!!! Pode deixar que eu ligo... Tenho lido os textos maravilhosos escrito por você e por Marcos. Gosto muito. Mandei uma texto pelo face (ta nas mensagens) veja o que achas.

Bjs,vou ligar.

Jana.