domingo, 30 de junho de 2013

ASSISTA AO FILME OU LEIA O LIVRO




Pensei em continuar nesse artigo de hoje o tema que havia desenvolvido anteriormente, sobre o tema da música de cinema, mas preferi adiá-lo, para aprofundar  outro tema – na verdade, uma digressão ao tema anterior – que também é igualmente instigante: A relação literatura e cinema

A famosa frase “o livro é melhor do que o filme” é sempre uma afirmação complicada.  Complicada e controversa, mas geralmente é verdadeira. Eu, particularmente – pode ser puro preconceito – tenho uma tendência a valorizar mais o texto escrito, o livro, a ficção literária que a linguagem cinematográfica de um texto que foi inicialmente literário. A escrita, no meu entendimento, é a maior aquisição intelectual da humanidade. Penso que através dela que criamos uma sofisticada trama de cruzamentos de linhas de raciocínio, envolvido com estética e sentimentos. Não nenhuma novidade afirmar que a escrita inventou o passado, e, esse domínio do tempo, fez do texto um instrumento de aprofundamento do pensamento inteligente. Se revertermos o caminho que fez a escrita, transpondo as letras que formaram palavras, que formaram frases, que fizeram livro, em imagens novamente, temos uma tendência ao empobrecimento de um determinado tema.
 
 Tenho lá minhas razões para acreditar nisso e não sou único nessa forma de pensar. Saramago, por exemplo, por muito tempo, resistiu que sua obra se transformasse em filmes de cinema, até  ceder com “Ensaio Sobre a Cegueira” – o que foi um grande desafio para o diretor Fernando Meirelles, pois se utilizou de um livro em que as “imagens” eram naturalmente empobrecidas e as palavras eram os elementos que davam verdadeira sustentação a narrativa da cegueira epidêmica. (mesmo com toda a habilidade do diretor, ainda assim prefiro o texto). Outro autor que já teve alguns livros filmados, Gabriel Garcia Marquez, jamais permitiu que filmassem a sua obra mais famosa e talvez a mais cinematográfica: “Cem Anos de Solidão”. Argumentou, com acerto, que queria deixá-la na imaginação do leitor e disse que só entregaria o romance, caso fosse obrigado a cedê-lo, apenas ao diretor Hector Babenco.

O que talvez deva existir são textos para serem lidos e textos para serem filmados, ou seja, textos, ou roteiros para serem oralizados, lidos em voz alta, dramatizados. O que compromete muitas vezes a adaptação para o cinema, é fato de muitos pensarem que o simples fato de transpor uma obra literária de boa qualidade para o tela, mesmo com fidedignidade textual, já é meio caminho andado, e a obra já teria por si só dado  qualidade ao filme. Esse engano parece - pois não assisti - que vem sendo observado no recente filme o Grande Gatsby baseado na obra de S. Fitzgerald. Esse engano se repete freqüentemente. O mesmo poderia dizer de alguns filmes que, em conseqüência do sucesso, se transformaram em textos sofríveis – no passado, não faz tanto tempo, muitos filmes eram anunciados com a frase: “veja o filme e leia o livro”. Nessa época o livro tinha o papel de funcionar como souvenir, uma recordação do filme, época que não existiam recursos de arquivamento de imagens (VHS, DVDs, Blu-Rays etc.,) de cinema e o texto. O livro em si, muita vezes era a transcrição do roteiro do filme o que empobrecia o filme e o livro.


A única solução que encontrei para admirar o cinema e a literatura em igual proporção, um impasse muito pessoal, diga-se de passagem, foi qualificá-los como dois continentes artísticos diferentes. Ambos tem um parentesco com o teatro, mas o cinema cria uma dinâmica que só funciona com roteiros e adaptações bem elaboradas e focadas na imagem, ou seja, devem reescritas e devem guardar da obra inspiradora  apenas  o argumento as ideias e algumas frases.  Queiramos ou não, essa mudança de uma arte para outra propõe uma desconstrução severa, mas necessária. não raro   essas mudanças conseguem fazer duas obras de arte com enfoques distintos e maravilhosos.

Recentemente assisti ao filme “as Aventura de Pi”, no que achei, a princípio, um roteiro meio infantil, bobinho, mas que me surpreendeu com o desfecho – adoro desfechos que nos pregam  peças. Esse filme foi baseado num livro homônimo (Life of Pi), do canadense Yann Martel, que por sua vez,  foi inspirado – ou plagiado –  na novela do brasileiro Moacyr Scliar “Max  e o s Felinos”. Não li o livro de Martel apenas assisti ao filme e li o livro de Scliar. São ótimas obras, que com a mesmo argumento, trazem  enfoques  diferentes e, acrescento, que, em razão de formatos diferentes, não poderiam ser feito de forma similar. Por quê? Porque ao ser transposto para cinema, se utilizou de recursos que só no cinema seriam possíveis de serem valorizados e que num romance ou novela seriam enfadonhos.  Talvez seja conveniente ler Martel... A metáfora jogada sob forma de imagem no filme é maravilhosa, inspira-se em um "mais além" da literatura. chego a assistir a passagens borgeanas e lembrar deste aforismo de Nietzsche:

O que sabe propriamente o homem de si mesmo! Sim, seria ele sequer capaz de alguma vez perceber-se completamente, como se estivesse em uma vitrina iluminada? (...) repousa o homem, na indiferença de seu não-saber, e como que pendente em sonhos sobre o dorso de um tigre. (Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral, 1887)



 Se o leitor nada entendeu ou achou confuso, recomendo: veja o filme e leia o(s) livro(s).



Marcos Creder

Um comentário:

Unknown disse...

http://www.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY

Marcos, você já viu esse vídeo?