domingo, 16 de junho de 2013

A IMATERIALIDADE DA MÚSICA




Gosto de músicas, mas tenho me dedicado pouco a escutá-las –  escutar apenas, pois não tenho vocação para tocar instrumentos ou  compor canções. Considero a música uma arte sem igual pois nela se aglutina uma forma de linguagem sem palavras que “comunica”, por assim dizer, sentimentos, intensões e pesamentos. A melodia é esse palavreado, essa linguagem impronunciável de  um som sem idiomas, dialetos ou sotaques.  O estilo é talvez o que regionalize a música. Uma vez vi, ou ouvi, num filme oriental, do qual não me recordo do nome, um tema de Tom Jobim. A execução dessa música – se não me engano “Desafinado”-  parecia abrir uma fenda entre a imagem cinematográfica e a realidade fora das telas, como se colocasse o expectador dentro da telona ou o oriente tivesse sentado na poltrona ao lado.  É dessa relação do cinema com música, que falarei em algum momento – nesse ou em outro artigo. Antes, contudo...

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Quando eu era adolescente, o acesso à música, às gravações musicais, era muito restrito e exigia uma dedicação e pesquisa - dedicação que, sinceramente, nunca tive. Era preciso conhecer pessoas que sabiam de músicas, música da boa, pois sempre havia e sempre haverá músicas de má qualidade que turvavam o mercado fonográfico. Era também necessário economizar dinheiro para ter acesso aos discos (tanto vinil, como posteriormente CDs) que não eram nada baratos – a única cópia possível que se podia ter acesso era gravando em fitas cassetes, que tinha pouca durabilidade e pior qualidade sonora (embora achasse charmoso o chiado dos intervalos musicais).  No mundo da música, observava-se um sem número de colecionadores de  todos os tipos: desde os estilos musicais menos comerciais aos  de discos raros, com álbuns autografadas ou de  capas alternativas – as capas dos discos, especialmente em vinil, era uma arte à parte, desde a época do jazz que havia uma estética gráfica bastante sofisticada nas capas, fato que posteriormente entrou  em franca decadência com a redução do tamanho já no formato de CD .


No Recife existiam locais excêntricos e insalubres, verdadeiros labirintos, em que se caçava um disco de rock, de blues, uma versão antiga de Milton Nascimento, ou um tema de Paganini. Os discos de músicas instrumentais clássicos eram  geralmente comercializados em lojas especializadas e sempre havia um submundo da compra por contrabando de capas raras. A música tinha materialidade, era um objeto, uma relíquia, uma joia, um amotoado de capas de papelão com forte apelo visual. Com o passar dos anos os arquivos musicais foram ganhando (ou perdendo) outras formas, reduzindo-se gradualmente, até chegar aos dias de hoje, momento em que começam, de fato, a perder  a materialidade.  A música volta à dimensão do imensurável, do impalpável, dando ambiente sonoro as cenas cinematográficas, “fundos” musicais, animando encontros, festas, raves, recepções e solenidades. A música voltou a ser o que sempre foi: invisível.

O fácil acesso ao universo musical pode hoje nos propiciar a alegria  poder disponibilzar   músicas e versões raras com um simples teclar de computador, mas não excluiu  o trabalho dos caçadores de melodias e canções. Muito pelo contrário. Na medida em se facilitou a disponibilidade, paralelmamente fez crescer sobremaneira o número de “músicos” e novos “compositores”, e assim como no passado em que se garimpava na escassez, hoje garimpa-se no excesso – talvez um trabalho mais difícil. Fisgar uma boa canção num oceano de sonoridades é o novo percalço do colecionador - se é que assim podemos ainda chamar os que capturam músicas novas.  

Como nunca me dediquei  a busca de novas melodias, uma das maneiras de que fui capturado pela música, foi através das trilhas de cinema. O filme além de ter  bom texto, bom roteiro e elenco, geralmente, tem que ter uma boa trilha.   Sempre gostei de trilhas de cinema, sempre guardei curiosidade com a maneira com que determinados temas são escolhidos para a construção cênica – disseram-me que Taratino no seu processo de criação, faz o inverso, escolhe a música para pensar posteriormente a cena.  Enfim, se perdi a capa do disco, Hoje resta-me o cartaz de cinema.

Continuarei.

Marcos Creder



Um comentário:

Unknown disse...

Lembrei da primeira vez que escutei o disco de Amélie Poulain e comentei: "essas músicas dariam um filme lindo". Depois descobri que alguém fora mais ágil na ideia, e mais talentoso do que eu para colocá-la em prática rs
Fiquei muito feliz quando vi que o filme estava à altura da trilha sonora.