domingo, 29 de junho de 2014

SOBRE VÍNCULOS E VINCULAÇÕES

"Meu Deus! Como é engraçado!Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço... uma fita dando voltas.Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço.É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.
É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo,no vestido, em qualquer coisa onde o faço.E quando puxo uma ponta, o que é que acontece? Vai escorregando...devagarzinho, desmancha, desfaz o abraço.
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido.E, na fita, que curioso, não faltou nem um pedaço.Ah! Então, é assim o amor, a amizade.Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita"
...
(Trecho do poema O Laço e o Abraço de Mário Quintana)


Vínculo é o laço subjetivo que liga duas ou mais pessoas. Em termos psicológicos implica a existência de afetos. Evidente que as primeiras experiências humanas relacionais são com os seus primeiros objetos cuidadores, aquele ou aqueles que frente ao pequeno infante funcionam maternalmente. O objeto materno, assim compreendido, nutre de alimento e proteção o bebê, e desta relação básica e primordial desenvolve-se a primeira relação objetal do sujeito humano. Muitos têm sidos o estudiosos e pesquisadores que se dedicam a melhor compreender tal desenvolvimento afetivo-relacional e seus impactos na vida posterior do indivíduo. Entre eles destaquemos: Bowlby, Melanie Klein, Winnicott, Bion, Margaret Mahler, Mary Ainsworth, Esther Bick, entre outros. É a partir do tratamento dado pelo objeto cuidador (materno) ao seu bebê que parte o ser humano rumo ao crescimento.
Todos nascemos inseridos em um grupo social (familiar ou institucional), pois se assim não fosse não sobreviveríamos, dado nossa completa vulnerabilidade e fragilidades iniciais. As relações estabelecidas dentro de tal grupo social primário constituirá mais adiante nos chamados objetos internos. Ao longo da vida continuaremos nos relacionando com outras pessoas (objetos externo), fazendo de tais vínculos um interjogo entre objetos internos e externos. Desse modo, percebe-se a verticalidade e a horizontalidade das relações vinculares contemporâneas de um dado sujeito qualquer. Para que haja vínculo, na acepção da palavra, haverá de haver no mínimo duas pessoas (bicorporalidade), contudo em termos psicodinâmicos para o sujeito que se vincula ele é triangular, isto é, envolve o sujeito e seu objeto externo, assim como seu objeto interno. A coisa fica mais complexa considerando que o objeto não é algo inerte e passivo, visto tratar-se ele também de um sujeito. O sujeito e o objeto se alimentam recíproca e mutuamente (retroalimentação). Por isto podemos definir o vínculo psicológico e afetivo como uma estrutura dinâmica movida por motivações psicológicas que resultam em um comportamento que espelha externamente uma relação objetal interna. Tal definição evita olharmos a vincularidade apenas em termos atitudinais e externos, enfatizando os componentes subjetivos e internos envolvidos na questão. O vínculo é, pois, uma relação interativa dialética, um interjogo entre o sujeito e seus objetos internos e externos, que se expressa em determinada conduta. Uma verdadeira unidade interrelacional onde sujeito e objeto atuam um sobre o outro.


As características sociais dos relacionamentos adultos repousam nas relações primitivas dos seres humanos. Tal preconização é cada vez mais comprovada experimentalmente, donde se observa que os precoces vínculos infantis têm impacto e influenciam os demais relacionamentos posteriores. Hoje, com o conhecimento adquirido, é praticamente impossível no campo do estudo da Psicologia dissociar comportamentos vinculares atuais do primeiros comportamentos vinculativos da criança com suas figuras parentais. Tais vivencias infantis são internalizadas durante o processo de organização da personalidade humana. Assim sendo ou assim ocorrendo, desenvolve-se no psiquismo de cada um de nós representações mentais básicas aos outros, com consequentes expectativas, fantasias e imagens antecipatórias, que lastreiam tanto nossas reações comportamentais quanto nossas percepções em termos relacionais. Mecanismos psíquicos conhecidos e denominados de Identificação Projetiva afetam sobremaneira nossas relações afetivas vinculares, embora não nos demos conta visto tratar-se de um fenômeno psicológico da ordem do inconsciente humano. A Identificação Projetiva, em rápidas palavras, é quando aspectos do próprio sujeitos são negados em si e atribuído ao outro. Não se trata apenas de projeção (dimensão psíquica), pois tais parte projetadas no objeto externo visam dele alguma resposta (dimensão interpessoal). É como um evacuar emocional não somente sobre o objeto, mas dentro do objeto, isto é, provocando um ecoar igualmente afetivo no objeto receptor da projeção, mediante uma espécie de pressão interpessoal. considerando a complexidade de tal fenômeno e o exíguo espaço deste blog, remetemos o leitor à leitura do assunto descrito por Glen Gabbard em seu livro Psiquiatria Psicodinâmica, páginas 44/46. Vide Google Books http://books.google.com.br/books?id=9zXxbtE-jdYC&pg=PP40&dq=identifica%C3%A7%C3%A3o+projetiva&hl=pt-BR&sa=X&ei=YYShU7C8DYmosATJnoHgBg&ved=0CBoQ6AEwADgK#v=onepage&q=identifica%C3%A7%C3%A3o%20projetiva&f=false


O ser humano é um ser comunicacional por natureza. Vincular-se com alguém não é unicamente uma questão de aproximação afetiva, mas igualmente uma questão de comunicação. Bem descreve Pichon- Rivière ao dizer que quando alguém adjudica algo a outrem aí reside o princípio fenomenal básico da comunicação. Afirma Pichon: "na medida em que um adjudica e o outro recebe, estabelece-se entre ambos uma relação que denominamos vínculo". Prossegue: "o conceito de vínculo é operacional, configura uma estrutura de relação interpessoal que inclui, como já dissemos, um sujeito, um objeto, a relação do sujeito frente ao objeto e a relação do objeto frente ao sujeito, cumprindo uma determinada função".
Inquestionável que nossa primeira relação de amor - e por que não também de ódio - se faz com o objeto cuidador. O vínculo objeto cuidador (mãe) e filho é denominado por Bowlby de attachment, que em português se traduz por apego. Para Bowlby o apego modula o impulso exploratório humano que permite a criança explorar o mundo em bases mais seguras. Nisto se destaca a função adaptativa do vínculo com vistas à autonomia, independência e aquisição de uma identidade pessoal. Assim, o estudo da relações de apego nada mais é do que o estudo das relações vinculares. Para aprofundar ver http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/40/57

O que se passa emocional e psicologicamente entre duas ou mais pessoas e que as liga entre si, que desencadeia sensações, afetos, efeitos e transformações em cada uma dos elos envolvidos, é de fundamental importância à compreensão da dinâmica relacional entre elas. Fatores explícitos e implícitos movimentam o encontro e o desencontro interpessoal. Partir da premissa óbvia de que influências sociais, psicológicas e biológicas estão presentes, e de que somos todos uma história em continuação, em muito nos contribuirá ao entendimento do processo de vinculação entre as pessoas. Nós seres humanos temos propensão à estabelecer vínculos afetivos com os outros, e quanto mais clarearmos a questão mais estaremos próximos de entender muitos dos mistérios da alma humana. Como diz a escritora e filósofa francesa Simone Weil, "dois prisioneiros cujas celas são adjacentes comunicam-se entre si batendo na parede. A parede é aquilo que separa, mas também é o meio de comunicação... cada separação é um vínculo". 
Deixo com o leitor interessado, como complemento ao texto acima, o seguinte vídeo:


Joaquim Cesário de Mello

Nenhum comentário: