Os autores de psicopatologia, psicanalítica ou psiquiátrica, costumam valorizar mais o discurso que a imagem, a escuta que a fisionomia do sujeito. em outras áreas da medicina, de maneira geral, os autores fazem justamente o contrário, e em muitas situações, médicos costumam esquecer o que seus pacientes falam, dando maior atenção a aparência do patológico do fenômeno da doença física.
Os antigos médicos de tradição hipocrática costumavam descrever o semblante, a expressão facial do sujeito, dando-lhe nomes as “fácies”. Fácies mitral aos portadores da doença cardíaca estenose mitral, fácies renal ao semblante edemaciado dos paciente renais crônicos, fácies "leonina" as marcas e cicatrizes decorrente da hanseníase, fácies hipocráticas - uma mórbida homenagem ao pai da medicina - em que o sujeito se mostra caquético à beira da morte.
Os livros da área "psi" não tem imagens ou retratos.Há exista desconsideração da imagem em detrimento da fala - a fala é fundamental, mas não se deve esquecer que a fala carrega uma fisionomia, um rosto, uma expressão, e muitas vezes os seus hiatos são preenchidos com a mímica, com o gesto. Na psicopatologia clássica descreve com algum detalhe caricaturas do sofrimento psíquico, mesmo assim, tem um caráter meramente descritivo-objetivo, enfim, classificatório e tipológico. Houve uma tendência, no final do século XIX e início do século XX, guiado por Lombroso e Kretschmer, que tentou relacionar personalidade a tipos físicos. Magros, obesos, altos ou baixos poderiam, por assim dizer, determinar um modo de ser. Obviamente, que hoje estes estudos são datados, mas ainda assim, restam descrições de traços discretos da expressão facial, que toma um ou outro "sinal", entre as terminologias médicas. Classifica-se o "ômega depressivo", a "perplexidade catatônica", "la belle indiferénce histérica", a "apatia psicótica". Esses descrições guardam algum valor. Um deprimido, por exemplo, nem sempre pode ser confundido com um apático, apesar de, eventualmente, tratarmos as duas palavras, depressão e apatia, como sinônimos. A imagem objetiva é valorizada objetiva, no entanto, se pudéssemos como os pintores e fotógrafos acrescentar à descrição a imagem subjetiva...

Um dos retratos, que se destaca, são os de sua mãe, Lucie Brasch, retratada nos meses que sucederam a morte do marido Enst - filho de Sigmund e pai de Lucian- nos anos 1970. O relato que se tem é de que a Sra. Lucie entrou em profunda melancolia. As pintura The painter’s Mother Resting I e II. podem ilustrar a captura estética do estado melancólico e do envelhecimento como comenta o crítico e biógrafo de Lucian, Geordie Greig:
(...) Os quadros de Freud vão muito além do biográfico. Ele nos visita as vicissitudes da idade. Ela (Lucie) é uma velha arquetípicas. Sua calma, passividade e aceitação, os braços para cima, as mãos no travesseiro, em rendição, tudo mostra sua vulnerabilidade.
Em entrevista a Greig, Lucian Freud disse que pintar envolve dor - dor (pain) na língua inglesa se assemelha a palavra pintura (paint) - e que o corpo humano é um tema profundo, e que por essa razão, necessita de minuciosa observação. O aspecto psicológico de seus quadros, ao contrário do método do avô, era retirado da palavra e colocado no olhar. A palavra parece-lhe um artefato: “O tema deve ser mantido sob uma observação rigorosíssima: se isso for feito, noite e dia, o tema acabará por revelar tudo” e conclui, “o quadro, para nos comover, não deve jamais nos lembrar a vida, mas deve adquirir uma vida própria, exatamente para refletir a vida”. Ao ser abordado sobre qual ingrediente essencial à sua arte, responde ironicamente: a tinta.
Avô e neto pensam diferente em relação à compreensão do humano? Sim, se considerarmos o método. Mas, de algum modo, os dois "Freuds" convergem ao revelarem aquilo que está à nossa frente e que não percebemos: a fala que diz mais que a palavra e a imagem que mostra bem mais que o retrato.
Marcos Creder
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