domingo, 6 de julho de 2014

A MÚSICA DA ALMA







É bastante comum empregarmos termos como emoções e sentimentos como se os mesmos representassem a mesma coisa. Não é. Embora bastante próximos, emoções e sentimentos têm suas diferenças. O neurologista português António Damásio assim distingue: os sentimentos são orientados para o interior, já as emoções são o exterior. Os sentimentos são, pois, gerados das emoções, isto é, sentindo as emoções temos os sentimentos.
                Biologicamente a emoção é um conjunto de reações neuroquímicas do cérebro que se organizou durante milênios para darmos respostas comportamentais viáveis à sobrevivência da espécie. Nos seres humanos, por possuirmos um substrato neural complexo, as respostas são bastante variáveis, o que proporcionou aos nossos ancestrais uma flexibilidade maior de adaptação ao ambiente e suas mudanças. Mas também temos nas emoções um fundo subjetivo que torna a experiência emocional única e singular. Deste modo, embora as emoções façam parte da natureza humana, ela é sempre uma experiência pessoal que se encontra associada a nossa maneira de ser, personalidade e temperamento.

                A emoção tem a qualidade de nos tirar da tranquilidade, no sentido de nos colocar em movimento. Etimologicamente a palavra provém do latim exmovere, sendo ex = para fora, e movere = movimento, ação. Sim, a emoção nos provoca uma alteração intensa e passageira do estado de ânimo, podendo ser ou agradável ou desagradável. Um indivíduo sem emoções seriam um morto vivo, uma apatia perambulante insossa e incolor, pois são as emoções que nos despertam para a vida, mesmo que às vezes neste despertar nos faça doer.
                   O poeta chileno Pablo Neruda assim cantava a emoção:
Vamos buscando a emoção 
que não podemos encontrar 
neste tédio sempre igual 
que nos envolve o coração. 



                      Sentimos a vida pulsar porque nos emocionamos. Uma lembrança só é verdadeiramente uma lembrança não porque experimentamos um acontecimento, mas pelas emoções que o acompanham. Há algo de nostálgico em nossas recordações, afinal a própria nostalgia é um sentimento presente pelos momentos e emoções passadas que não mais podemos reviver. É por causa das emoções que um acontecimento não pode mais se repetir igualmente. E por mais que tentemos recontar e relatar como vivemos o ontem vivido, já não é mais a mesma coisa. A lembrança, qualquer lembrança, é sempre um misto de memória e coração.
             Em NO CAMINHO DE SWANN (do portentoso romance EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO, escrito em sete volumes, onde a memória é o tema central do texto), de Marcel Proust, somos introduzidos no mundo das rememorações do personagem-narrador. Quando este mergulha a madeleine (tipo de biscoito) em uma xícara de chá, nós é que somos mergulhados no mundo de suas lembranças, desde a infância até suas histórias de amor e ciúme por Odette. Os sentidos e as sensações transportam o personagem pelo fixado mundo de suas memórias dos momentos e tempos perdidos. São registros afetivos de toda uma vida que se inicia no prazer evocativo das sensações emotivas. Ou como escreve Proust, “Cessara de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria?"            
                Todo ser humano sente, e tem o direito de sentir, amor, raiva, ciúme, inveja, alegria, tristeza, medo, vergonha, mágoa, gratidão, orgulho, angústia, vaidade, remorso, ódio, culpa, felicidade. Assim como na música, quando combinamos as setes notas musicais e fazemos inúmeras sinfonias, é na combinação dos sentimentos e emoções que nos tornamos, cada um, uma singularidade humana. 

             Nossa vida afetiva é feita de emoções e sentimentos. Acima, no início do presente texto, destacamos que emoção e sentimento são distintos, embora próximos. A emoção opera no nível do sistema límbico e, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que é um forte veículo comunicacional (expressivo e corpóreo), na maioria da vezes muito difícil de ser verbalizado. Ao passo que os sentimentos, por representarem processos mentais resultantes das emoções, tem seu caráter subjetivo e cognitivo. Os sentimentos são verbalizáveis, podendo o sujeito revelá-los ou não. E como o ser humano, por ser dotado de consciência reflexiva e analítica, pode interpretar seus sentimentos, assim fazendo constrói sentimentos sobre os próprios sentimentos.
                Emoções e sentimentos, portanto, são o começo e o fim de um processo contínuo. Mas não confundamos sentimentos e emoções com afetos, visto que o afeto é uma sensação subjetiva que temos em relação a uma pessoa, coisa, objeto ou situação. Em outras palavras, afetividade é relação. 
           O estudo das emoções e dos sentimentos tem destaque no campo da psicologia. Na psicologia clínica nem se fala. Não é à toa aquela clássica caixinha de lenço de papel sempre próxima à cadeira ou poltrona onde se senta o cliente/paciente. Quanto mais a pessoa conhece suas emoções, a dinâmica dos seus sentimentos e melhor entende sua vida afetiva, mais ele se movimenta para dentro de si mesmo, em uma espécie de retorno à Delfos. Ou como diz Fernando Pessoa, “quando sinto, penso”, e sentimento que não se pensa é cego.


Joaquim Cesário de Mello


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