domingo, 8 de junho de 2014

As idades do tempo

Todo ser humano mede o tempo do mesmo modo? Tendemos a responder afirmativamente, pois se seguirmos os calendários, muitos deles se parecem na contagem dos anos, dos dias,  das horas, mas há exceções. Nem sempre se segue os mesmos parâmetros cronológicos. Descobriu-se não faz muito tempo que a pequena tribo Amodawa no Norte do Brasil que a noção de tempo era por demais escassa, lá não se conhece os dias da semana, a idade das pessoas, os anos e as horas ou qualquer parâmetro que  meça o tempo categoricamente, a contagem dos  números somam até quatro e a forma de ver o envelhecimento tem como referencial o semblante, ou seja, se dá pela mudança do aspecto que vai mudando gradualmente o nome do sujeito. complexo? confuso? Talvez sejamos para eles muito mais confusos porque, apesar de termos parâmetros sofisticados, em nós, parte desse tempo “atemporal”, tempo que não se conta, insiste em presentificar em nossa existência. 


O psiquismo humano inconsciente tem uma ideia de tempo muito escassa, muitos acontecimento aparentemente amortecidos pelo esquecimento vem à tona como se tivessem acontecido há pouco, como se tivesse em concomitância com os fatos presentes. As vezes num sonho ou num pequeno insight revificamos ocorridos que jamais pensaríamos que seriam, por assim dizer, ressuscitados em nosso pensamento. Num sonho, as vezes, nos observamos criança e adulto,  e a depender do seu roteiro, podemos fazer diversas incursões anacrônicas no tempo, e no mesmo sonho podemos começar adulto e terminar criança.  Na vida acordada muitas vezes nos deparamos e nos surpreendemos com as mesmas birras da criança que tinha menos de dez anos que ainda existe em nós. Desse modo, o tempo é uma especie de contrato que estabelecemos com o mundo social, um contrato que como diz o poeta Ferreira Gullar nos deu a ideia de finitude de velhice e de morte - para alguns, inclusive para o poeta, uma infeliz invenção. Nesse mesmo contrato nos despedimos de  nossa infância em que o narcisismo nos fazia imortal, divino e eterno, mas paralelamente com noções precárias  de calendário,  de dia, de semana,  de ano. Muito provavelmente, nesse hiato aflitivo, surgiu  a religião.


Essa ideia de tempo desingessado do modelo de aferição ocidental, um tempo subjetivo, faz com que seja relativizado a depender do momento histórico da civilização. Por exemplo, os personagens bíblicos como Adão , Matusalém ou Noé teriam vivido quase mil anos. Seria isso um fato,   ou havia uma aferição de tempo diferente da atual, ou ainda, seriam parte de um tempo mitológico que o tempo se distende de acordo com os feitos de seus heróis? a resposta talvez esteja num pequeno fragmento de texto escrito pelo cronista  Rubem Braga que traz um pouco de sua  visão de tempo na década de 1960.:

"Faço cinquenta anos. Não é divertido. Para falar com franqueza, eu preferia (e obscuramente sinto uma vontade de dizer: eu merecia) fazer quarenta anos. não tenho saudade dos trinta, quero dizer, não teria vontade de ser como eu era aos trinta anos - e muito menos aos vinte. Cinquenta anos. uma injustiça, sem dúvida alguma. Logo comigo, que tinha tanta vocação pra ser rapaz".

Interessante é a ideia de velhice arraigada a idade de cinquenta anos, hoje cada vez menos citada. Realmente , a população mundial vem aumentando paulatinamente a expectativa de vida e além do mais, os aparatos estéticos vem, concomitantemente, ganhando cada vez mais mercado na tentativa de manter o sujeito na “eterna” juventude. Algumas celebridades, por exemplo, não teria a aparência de hoje se não fosse essa cosmética do seculo XX e XXI    e atores como George CLooney, Brad Pitt, Antônio bandeiras, Sandra Bullock, que já passam dos lamentáveis  cinquenta, os mesmos  que  se queixou  Braga, se mostrariam bem mais envelhecidos. 

É  possível que de meio século para cá o parâmetro de tempo, embora siga rigososamente o mesmo calendário, venha se modificando paulatinamente dando ênfase a aparência dos sujeitos, fato que ironicamente faz repetir o mote  dos índios Amodawa. Ou seja, a aparência nos daria suporte a essa falsa eternidade

Marcos Creder

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