domingo, 21 de outubro de 2012

TANTOS AMIGOS, POUCAS AMIZADES.




                Em tempos de facebook uma das palavras mais usadas e gastas é amizade. Todo mundo lá é amigo. Dezenas, centenas, milhares de amigos. Amigo hoje virou artigo de consumo quantitativo, ou seja, mede-se quem é mais querido e mais amado pelo número de amigos disposto em uma página de entrada em um site de relacionamento atualmente em moda. Lá as pessoas se chamam mutuamente de “amiga” ou “amigo” com uma facilidade e velocidade megabitianas. Realmente (ou seria virtualmente?) se vive cada vez mais o oposto do que um dia expressou o poeta Carlos Drummond de Andrade para quem “a amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas”.


                Mas não fiquemos em queixumes do tipo hoje é assim e ontem era assado, como se o canto do pássaro na gaiola de agora não fosse melhor do que o do pássaro na gaiola de outrora. Tolice. Toda uma geração anterior – quando não havia celular nem internet – cantou ou se embalou pela voz de Roberto Carlos que cantava “eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar”. Enfim, quem não gostaria de ter um milhão de amigos ou até mais? A questão talvez não seja esta (quantitativa), mas outra (qualitativa), afinal é necessário primeiro saber o que quer dizer amigo quando digo, escrevo ou penso em amigo. Amigo é uma palavra, um conceito, um sentimento, um desejo, uma premência, uma ilusão, um ideal, uma realidade, um sonho, uma simulação, ou o que? O que significa amizade?
                Como termo, amigo origina-se do latim amicus que por sua vez derivou-se amore. Há quem diga que a origem etimológica da palavra amizade não pode ser determinada com precisão. Cícero (filósofo e orador romano), por sua vez, escreveu De Amicitia, obra em discorre não em responder o que é amizade, mas como se vive a amizade. Já Aristóteles, em Ética a Nicômaco, expõe a sua visão da amizade como uma virtude essencial à vida. Para este fundamental pensador ocidental são três as espécies de amizade, a saber: 1) a amizade pelo prazer, 2) a amizade útil e 3) a amizade perfeita. Se formos ao período medieval vamos encontrar a ideia de amizade associada à coragem e à lealdade. Enfim, seja como for, ao longo da história do homem o mesmo deu importância ao tema e o cultivou.
                O que estamos querendo destacar é que o conceito de amizade e o que se deseja de um amigo sofre variações ao longo do tempo, bem como de sociedade e de cultura. Para os antropólogos a amizade parece derivar de uma necessidade de sobrevivência, isto é, a necessidade de proteger e de ser protegido. Todavia alguns aspectos ou critérios se fazem relevantes, tais como confiança, reciprocidade, cooperação, cumplicidade e familiaridade. Seja como for, a amizade é uma relação afetiva (um laço) entre duas pessoas.
                E de que espécie ou tipo de amizade estamos falando quando falamos do facebook? Lembremos que o facebook da vida só é o sucesso que é graças ao background sociocultural contemporâneo onde o que conta é ser visto, onde o cartesiano “penso, logo existo” parece haver sido substituído por “sou visto, logo existo”.  Ou como bem escreve o sociólogo Zygmunt Bauman: “O que o Facebook, o Myspace e similares ofereciam foi recebido alegremente como o melhor dos mundos. Pelo menos foi o que pareceu àqueles que ansiavam desesperadamente por companhia humana, mas se sentiam pouco à vontade, sem jeito e infelizes quando cercados de gente”, afinal prossegue Bauman “é possível fazer “contato” com outras pessoas sem necessariamente iniciar uma conversa perigosa e indesejável. O “contato” pode ser desfeito ao primeiro sinal de que o diálogo se encaminha na direção indesejada”.
                A amizade retira o homem de sua solidão, pois é próprio da natureza humana recusar o isolamento. Nascemos sendo apoiados por alguém (função materna) e continuamos vida afora com a inescapável necessidade de colo. Nada é mais doce – como já dizia Cícero – que o coração de um terno amigo. Não basta encontrarmos alguém que chamemos de amigo, é preciso igualmente que ele nos chame de amigo. Em outras palavras amar uma pessoa e ser por esta amada.
                Os gregos, ah sempre os gregos!, utilizavam de várias palavras para falar de amor, desde eros até philia. Philia é o amor virtuoso e desapaixonado, que inclui altruísmo, dedicação e generosidade. Até um deus eles tinham para a amizade, Storge. O amor storge é o amor do compartilhamento, da confiança mútua, do entrosamento, da integração e dos sonhos compartilhados. Ou se preferirmos a voz de um poeta sobre o assunto, diremos que “a amizade é um amor que nunca morre” (Mário Quintana).
                Das três áreas afetivas importantes do ser humano - família, relacionamento sexual-afetivo e amizade – as duas primeiras são, de longe, as mais pesquisadas e estudadas. Os aspectos psicológicos da amizade carecem, pois, de investigação mais acurada. Embora seja menor a literatura específica sobre o tema, a partir de meados dos anos 80 do Século XX, a amizade começou a ser tema de maior reflexão e foco de indagação teórico-acadêmica. Mas ainda é proporcionalmente escasso na literatura das ciências sociais e psicológicas o tema como figura e não como fundo. Frequentemente a amizade é vista ou descrita como uma relação afetiva e voluntária, que envolve práticas de sociabilidade, trocas íntimas e ajuda mútua, e necessita de algum grau de equivalência ou igualdade entre os sujeitos amigos.
                Há o discurso da amizade e há a prática da amizade. Como uma relação humana íntima que é a amizade esta é colorida não somente pelos sentimentos, mas também pelas emoções. Evitando idealizar a amizade, consideremos que ela é passível de ambiguidades e de momentos até de mágoas e ressentimentos. Cabe a maturidade das pessoas envolvidas e suas tolerâncias a frustrações o exercício e a capacidade de compreender, perdoar e superar. Praticar amizade assemelha-se a um cuidar de jardim. Por isso que muitas amizades da adolescência (período das paixões e das intensidades) não sobrevivem à própria adolescência. Laços mais consistentes e duradouros requerem uma certa adulteza entre as partes. Erik Erikson, por exemplo, diz que é a partir de aproximadamente 20 anos em diante que o ser humano, psicossocialmente falando, acha-se em condições maturais necessárias ao estabelecimento de verdadeiras relações íntimas (amor e amizades), sem o idioma idealizante da infância e adolescência.
                Não há regras nem dicas de como preservar e perpetuar uma amizade. Cada pessoa a seu modo e maneira, carência e desejo, é que encontra seu melhor espaço de convivência e manejo. Claro que alguns pré-requisitos parecem inerentes, tais como não ser invasivo nem cobrador de atenção, o respeito mútuo (embora possa haver divergência de opiniões) e a aceitação das limitações tanto do amigo em questão quanto da própria relação em si. Fazer novos e renováveis amigos até que é fácil; difícil é conservá-los ao longo das intempéries da vida. A manutenção de uma autêntica amizade a ser desfrutada por anos e décadas é algo mais raro, bem mais raro, do que as amizades ocasionais ou casuais. Encher a boca e dizer que fulano ou sicrano é amigo não significa que de fato seja. Amizade não é somente agradabilidade, simpatia e compartilhamento de gostos e valores. Claro que isso tem sua importância, mas amizade, amizade mesmo, é cultivo. Tal cultivo, por sua vez, exige tempo, disposição e disponibilidade. Amigos festivos vêm e se vão no acabar das festas. Aqueles que ficam quando as coisas não estão para sorrisos de facebook, aquele que não desaparecem nos momentos ruins e que estão lá presentes como sempre estiveram, estes sim são os que devemos chamar de amigo.


                Segundo um antigo provérbio chinês “na seca conhecem-se as boas fontes, e na adversidade, os bons amigos”. Não, não se iluda caro leitor ou leitora, em uma sociedade ideologicamente de consumo amizades viraram abundância e descartabilidade. Remetendo-me a um post (Um Mundo Desatento, em 24/06) do amigo Marcos Creder e comparando um amigo a um bom e denso livro é necessário o prazer e os esforços de usufrui-lo e de se fazer usufruir lentamente e sem pressa. Amigos não são abas abertas em uma tela de computador e o excesso e a intensidade de conectividade social nos engana de saborosas relações pseudo-amigas, como um delicioso hambúrguer no McDonald’s servido com Coca-Cola.
                Entre uma cutucada e outra, entre um dedinho de curtição ou outro, vamo-nos empanturrando de amigos falsobookeanos. Aos meus cerca de 300 amigos que arrecadei em um mísero mês de rede social dedico este despretensioso texto, se é que a maioria deles conseguiu chegar até o final do mesmo.
                Até o próximo post, amiga(o)...
Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

Cristiane Menezes disse...

Minha mãe dizia que o melhor amigo da gente somos nós mesmos, será? Amizade é algo raro. Sou amiga de quem conheço os gostos, o sim e o não, os momentos, o coração. As amizades de hoje se dissolvem muito rápido, pede e exige demais, não resistem ao tempo, nem muito menos as palavras, você diz algo que o outro não goste de ouvir, e já era! Sem falar que são muitos que buscam amizades ideais como se o próximo fosse um projeto dele. O próprio Facebook como outros meios sociais, e mesmo livros, novelas e filmes quebrou o conceito de amizade, confundindo a cabeça das pessoas e as deixando se levar pelo mundo supérfluo. Se salva o clássico O Pequeno Príncipe ao dizer "A gente só conhece bem as coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!" Talvez este cativar seja o cultivo que temos que ter ao outrem. Sem ele não há relação que se solidifique a ponto de resistir aos baixos e altos da vida. Curioso os “tantões” de pais, filhos, irmãos, esposas, maridos que não são amigos entre si! E só recebem tal denominação! Pois também não são pais, filhos, irmãos, maridos, esposas! Antes de sermos outras coisas é preciso ser amigos. Acredito eu ter mais colegas do que amigos! Acho curioso como às pessoas se surpreendem ao saber que há alguém que só tenha um ou dois amigos! Mas pergunto ao autor, se este blog, é feito por dois amigos de tempos de escola, como se deu o cultivo para sobrevivência aos longos dos anos? Talvez um exemplo a ser seguido.
Cristiane