sexta-feira, 26 de outubro de 2012

CESTA DE VERSO & PROSA


POESIA EM MOVIMENTO

Joaquim Cesário de Mello
 

Conheci Francisco (Chico) Espinhara no início dos anos 80 do século XX. Tive este privilégio, embora tão passageiro, de conviver um pouco com um poeta verdadeiramente poeta, não daqueles que somente fazem versos, mas daqueles que vivem diuturnamente poesia. Chico não era apenas um poeta. Chico era a própria poesia em pessoa.
 
Como um dos principais idealizadores do Movimento de Escritores Independentes (conjuntamente Cida Pedrosa, Eduardo Martins, Héctor Pellizi e outros), editou o jornal alternativo Lítero Pessimista. Quando por aqui viveu e militou teve intensa participação na cena literária local. Publicou e participou de vários livros, entre eles Vida Transparente e Bacantes, e produziu o CD Vários Poemas Vários. Sua existência intensa em nosso meio marcou toda uma geração, principalmente aquela que respirava a existência e transpirava literatura e que orbitava pela Livraria Livro 7, na Rua Sete de Setembro, seus arredores, vielas, becos, botecos e adjacências . Nós, transeuntes das noites e conviventes com a “dama bastarda”, como assim Chico chamava a poesia.
            Se reconhecendo um pessimista por convicção Chico – que era leitor de Augusto dos Anjos, Dostoievski, Kafka, Edgar Allan Poe, Nietzsche, entre outros de igual quilate – sempre se orgulhou de ser uma espécie de soldado e guerreiro a serviço de uma causa: a boa literatura. Vale a pena ver sua entrevista reeditada em 18/05/2010 no blog VersuDiversus coordenado por Cecília Villanova onde Chico fala por Chico, sem nenhuma reticências.
            Falecido em 2007, aos 47 anos, Chico Espinhara deixou-nos um rico legado que transcende aos seus textos. O que dele herdamos é esta agradável lembrança de um homem que viveu até seus últimos instantes coerente com suas ideias e que fez de sua vida vivida um inesquecível poetizar pulsante e perambulante. Não, Chico Espinhara não fora um “poeta marginal”, pois marginais são aqueles que vivem à margem da vida e Chico existiu no centro da vida, seja lá o que isso for.
            Para mim apenas sei que Chico Espinhara foi o Charles Bukowski da minha juventude.
            Pude me despedir dele semanas antes de sua morte, conversando poesia e literatura como sempre fizemos, isto é, no verdadeiro underground recifense que são os bares da Rua do Riachuelo, tomando cerveja e queijo coalho assado. O Chico daquele dia era exatamente igualzinho ao Chico dos anos 80.
            É, Chico, você não vai ao meu enterro e talvez por isso num fui ao seu. Afinal, de verdade e de fato, em mim você não morreu.
* * * * *
EPITÁFIO N° 529

Não vou a enterros.
Que o morto
Se guarde no que é seu.
Se incorro em erro,
Perdoem-me: irei ao meu.

 

                                               FANTOCHES

                            
Os fantoches da rua Sete
                                       Seguem cegos na procissão.
                                       A puta diurna da Palma
                                       Traz uma venérea na alma
                                       E uma cova diária na mão.
                                       Da Ponte Velha a secular ferrugem
                                       Reticente ao trajeto branco da nuvem
                                       Come o estrado, o arco, o vergão.
                                       Os poetas esquecidos no beco
                                       Transam sangue a trago seco
                                       Dormem como trapos sobre chão.
                                       Recife, musa, maldição
                                       Cadela suja, traiçoeira
                                       Seta certeira
                                       Encantada cidade do cão.
 
Francisco Espinhara

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