quarta-feira, 3 de outubro de 2012


ANDREZA CRISPIM (PSICOLOGIA FAFIRE)

Fora de visão: Enxergar além do que os olhos podem ver.


Um dia desses fui levada despretensiosamente a pensar mais uma vez em psicoterapia. Foi bastante interessante como as coisas ocorreram. Pensando em Jung, diria que não foi coincidência. Depois de certo tempo finalmente me propus a ler um artigo no blog de meus professores Joaquim Cesário e Marcos Creder, o literalMENTE (http://literalmente-literalmente.blogspot.com.br), intitulado "Raízes psicológicas da psicoterapia: Anatomia de uma relação" de autoria do primeiro. Porém, antes de lê-lo fui presenteada pelo meu amigo Lucas Garcia com um belo curta metragem chamado Out of Sigth. A partir disso fiquei impulsionada a escrever um pouco mais sobre psicoterapia.

Fiquei encantada com a trama do curta e decidi juntá-lo às ideias do texto e organizar sob meu ponto de vista. Para tal é necessário falar um pouco sobre o vídeo, no entanto indico ao leitor que o veja antes, por isso aqui está o link do mesmo: http://www.youtube.com/watch?v=x6dnqnsdBOg&feature=plcp. Ele foi o trabalho de conclusão de curso de três estudantes da Universidade Nacional de Artes de Tawain e relata a história de uma jovem cega que após ser roubada e largada pelo seu cão guia vê-se sozinha e com o mundo todo a sua frente para ser descoberto. Ela empreende uma busca ao seu animal de estimação e instrumento facilitador de locomoção e socialização, e nessa aventura descobre um universo encantador. Passa a ter experiências novas e prestar atenção a tudo que a rodeia. Os seus sentidos são despertados e sua imaginação pinta o mundo a maneira que lhe parece ser correta. Ela passa a vivenciar as coisas de forma intensa, porém no momento que reencontra seu cachorrinho tudo volta ao que era antes: as cores se apagam, a sua criatividade se dissipa e a cidade assume a sua forma original. 


 Com o enredo do vídeo podemos discutir dois pontos que acredito serem primordiais em psicoterapia. O primeiro diz respeito ao desenvolvimento da independência do cliente sobre a figura do psicoterapeuta e o segundo se refere aos profissionais que se escondem atrás de técnicas e permitem que estas sejam a sua bússola. 

Quando se busca uma psicoterapia se vai atrás de respostas. Respostas que possam causar mudanças, respostas que consigam acalmar a tempestade emocional que inunda cada um. Existe a crença que aquele que está ali nos “esperando” possui as soluções para as aflições daqueles que o procura. Algumas vezes a esperança é depositada mais na figura do psicoterapeuta do quê em si mesmo. Inicialmente esse processo é interessante, pois colabora com a criação do vínculo terapêutico e na confiabilidade do cliente. No entanto, não se deve cultivar tal comportamento. Para maiores esclarecimentos, profissional algum possui a fórmula mágica que irá transformar a vida do solicitante. Não há modelos. Não existe nenhum livro de cabeceira que dê a nós, psicólogos, o dom de transmutar os problemas alheios em lembranças engraçadas e em material de experiência de vida, apesar de ter aqueles que carregam tal ilusão.
Retomando então ao curta citado a cima, quero dizer que alguns indivíduos entregam aos terapeutas o poder de guiarem suas vidas. Deixam-se ser levados pelos conselhos e opiniões bondosas dos profissionais que lhe acolhem, o que é um engodo de ambas as partes. Tais sujeitos dependentes delegam a habilidade para lidar com seu dia-a-dia e esperam ansiosamente até a próxima sessão onde poderão pensar sobre seus assuntos. A responsabilidade pela construção de sua história foi deixada em alguma esquina da cidade ou em algum cantinho do consultório terapêutico. Deixam de experimentar o mundo da sua forma singular e passam a perceber os fatos com os olhos dos profissionais que os atendem.

Não digo que agir contrário a essa postura impedirá que obstáculos surjam no caminho, em ambas as posições não há seguranças, os dois modos são arriscados, afinal de contas viver é um risco. Porém alguns podem dizer que carregar sobre os ombros suas próprias decisões é muito desgastante. Concordo. No entanto o enriquecimento pessoal e o prazer irremediável de ser o principal autor de sua história, não tem preço. É uma experiência assustadora, admito, mas é fascinante descobrir-se. Vale a pena tentar.

 

Quanto ao segundo ponto, a instrumentalização da psicoterapia, pode-se afirmar que esta cega o profissional e o impossibilita de fornecer o melhor de si para o cliente. A ferramenta mais importante que o profissional possui é a sua própria subjetividade. A maneira como o cliente o toca, a relação estabelecida, trabalhar no que há entre e não unilateralmente, respeito pela singularidade e a criação de um vínculo de confiança são os instrumentos mais válidos no setting terapêutico. Um psicoterapeuta que não leva em consideração as repercussões que ocorrem dentro de seu ser terá dificuldade de escutar o outro e de possibilitar que o mesmo se escute. Terapia não se desenvolve em um indivíduo, é uma troca que ocorre dentro de uma relação assimétrica, porém sincera e coerente com suas finalidades.

Teoria e técnicas são importantes. São recursos sérios que moldam e possibilitam a profissionalização. No entanto, como diria Jung em sua célebre citação: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. Assim, observando o curta, posso dizer que o psicoterapeuta que se refugia em técnicas bem estruturadas e pratica terapias instrumentalizadas, vazias de interação, perde a criatividade e torna o espaço terapêutico um vácuo onde o sujeito fica em segundo plano e o que se vê são apenas os jogos sociais e a superficialidade do ser que não transmite a verdade do indivíduo. 

A visualização do curta desperta, ao menos em mim, diversos sentimentos e um questionamento: Até que ponto o cão guia estava colaborando com a garotinha? Refletir sobre o nosso papel com o outro é fundamental, e digo para aqueles que se vangloriam quando escutam da boca de algum profissional que não precisam se responsabilizar com as escolhas e o processo do cliente, que não cabe a nós nos devorarmos com os caminhos tomados pelo paciente: Parem e pensem qual a nossa função e, principalmente, não se acomodem com essa defesa. A responsabilidade é ainda maior devido a isso.


Um comentário:

rotina criativa disse...

Notei que o link que coloquei no texto logo quando o escrevi foi desativado. Um novo link para acessar o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=4qCbiCxBd2M