domingo, 15 de julho de 2012

RAÍZES PSICOLÓGICAS DA PSICOTERAPIA ANATOMIA DE UMA RELAÇÃO Parte II




Terminamos a primeira parte do presente texto destacando que uma relação interpessoal psicoterápica proporciona o acionamento de aspectos e fatores psicológicos salutogênicos que há em qualquer ser humano. Para tal é preciso ter consciência deles e saber manejá-los a serviço dos objetivos e propostas terapêuticas. E não se poderia adentrar no tema sem transitar por Bowlby e pela Teoria do Apego.
Bolwby, psicanalista e psiquiatra inglês que proporcionou uma conciliação entre a Psicanálise e a Etologia, postulou, com base em evidências etológicas, que laços afetivos existentes entre aves e mamíferos (incluso o ser humano) são processos psicologicamente desenvolvidos com base na tendência de adaptação para se estar próximo a uma figura de apego. Existe no bebê humano, como em outros animais, uma inata aptidão para o contato com outro ser do espécime, isto é, outro ser humano. Tal propensão ingênita representa a necessidade de um cuidador além de uma necessidade alimentar. O apego que nos é uma tendência inata é uma inclinação a um tipo de vínculo onde o senso de segurança está intimamente ligado a um objeto de apego. A partir das vivências relacionais com tal figura de apego (cuja presença proporciona segurança e conforto) cria-se naturalmente uma espécie de “base” ou “porto seguro” de onde se pode partir para explorar o mundo.

Os achados da Teoria do Apego, também chamada de Teoria do Convívio, abriram enormes janelas à compreensão dos processos de mudança em psicoterapia. Tais achados, portanto, demonstram que a principal tarefa de um psicoterapeuta é exatamente ser uma figura de apego. A relação terapeuta-cliente, nomenclaturas à parte, é sempre uma relação de apego-cuidado.
Os comportamentos de apego são condutas instintivas (sim, o ser humano além de ser um ser cultural, moral e social, é antes de tudo um animal) que são eliciadas em situações de stress e medo. Como mecanismo básico e biologicamente programado o sistema de apego envolve um objeto de apego que estando disponível oferece respostas e sentimentos de segurança. Todos temos necessidades de segurança e proteção. E é a partir das primeiras relações de apego (inicialmente com as figuras parentais) que a criança que um dia já fomos vai construindo internamente um modelo representacional de si mesma fundada na maneira como ela foi cuidada. Durante toda a vida do ser humano o comportamento de apego está presente. Emitimos sinais comunicacionais que buscam aproximações e interações com outras pessoas, isto é, buscamos responsividade as nossas necessidades psíquicas e vincularidades. As necessidades de figuras de apego que nos proporcionem uma “base segura” são tão vitais para a alma quanto é o alimento para o corpo.
Estudos mais apurados sobre a vinculação apontam para a importância desta no tocante a melhora clínica, isto é, a respeito dos resultados positivos alcançados pela psicoterapia. Embora alguns psicoterapeutas não se apercebam disso, muito das melhoras, êxitos e sucessos terapêuticos alcançados deve-se a relação vincular. O poder que tem a capacidade vincular do ser humano não deve e não pode jamais ser subestimada. Desde o nascimento o indivíduo humano é desaparelhado para os enfrentamentos de se estar vivo, sendo ele igualmente não dotado para viver sozinho. Tal imaturidade se traduz na necessidade de envolvimento com um objeto externo (pessoa), pois é esta a função primeva da vinculação, isto é, a sobrevivência. A sobrevivência de uma cria humana basicamente se dá através de uma relação interpessoal e desta relação inaugural vamos formando nossos primeiros laços afetivos e psíquicos.
Retornando à Teoria do Apego o sistema de vinculação, análogo a outros sistemas fisiológicos, é um sistema que nos dirige a busca de objetos de apego com os quais se obtém amparo e apoio psicológico, vitais a estabilidade e saúde psíquica. Podemos chamar isto também de tendência de afiliação. Tal tendência é mantida vida afora, mesmo após deixarmos de ser bebês ou crianças, e ela está nas entrelinhas de uma demanda de ajuda psicoterápica. E quando formada a díade terapêutica ela está lá presente e invisível como o oxigênio que se respira no espaço de um consultório.
Toda relação psicoterápica é uma relação profissional de ajuda. Como relação de ajuda nela temos alguém que busca ajuda e alguém que se dispõe a ajudar. O ser do psicoterapeuta é, pois, fundamental para o êxito da empreitada relacional. A própria origem etimológica da palavra psicoterapia assim aponta. Terapia vem do grego therapéia que significa o ato de cuidar ou tratar. Já psico também vem de grego psychê e todos sabemos que significa alma. Observem que tratamento é um termo que nos remete ao meio e não ao fim. É o que temos nas palavras como hidroterapia e aromaterapia. Tais palavras não significam “tratamento da água” nem “tratamento do aroma”, mas sim “tratamento por meio da água” e “tratamento por meio do aroma”. E assim também é com psicoterapia: não se trata de tratamento da alma (isto pode ser o objetivo de uma psicoterapia, mas não o seu meio), porém tratamento através da alma – e a alma de que se está falando é a alma do psicoterapeuta.
Inegavelmente a pessoa do psicoterapeuta, seus atributos e suas qualidades, é um componente de suma importância para os fins terapêuticos. E é exatamente isto que nos diz o filósofo e célebre escritor do livro “Eu e TU, Martin Buber, quando afirma: “a realidade decisiva é o terapeuta e não os métodos. Sem métodos, se é um diletante. Sou a favor dos métodos, mas apenas para usá-los, não para acreditar neles”.
Não estamos sugerindo, pelo até aqui exposto, um embate entre relação terapêutica versus técnica, mas sim defendendo a sua interligação complementar. Corre-se o risco de estarmos, sem nos aperceber, desumanizando a psicoterapia ao polarizarmos a quase idolatria da técnica pela técnica. Técnicas sozinhas não são absolutamente nada. É basilar à técnica uma relação que lhe dê sustentação. Se psicoterapia fosse somente tecnicismo científico – sem empatia, calor humano, intuição, criatividade e felling – então um psicoterapeuta seria uma espécie de robô a reproduzir livros, manuais, estatísticas, protocolos e questionários pré-elaborados. Esquecer-se-ia a força e o poder que tem uma relação vincular. Por isto DEFENDO em letras garrafais a humanização da relação psicoterápica.
Talvez estejamos vivendo uma época onde a inveja de não se ser médico aflora. A protocolização de algumas abordagens hoje em voga parece indicar um tanto isto. Dão-se ênfase às técnicas e aos protocolos e olha-se pouco menos ou quase nada para a pessoa do psicoterapeuta. O mesmo se indagam Martha Ludwig, Marlene Strey e Margareth Oliveira no interessantíssimo texto publicado na Revista Grifos (já citado na primeira parte do nosso), “Tratamentos Manualizados: Psicólogos Matemáticos?” , quando nos oferecem a seguinte questão: “até que ponto estamos atendendo a pessoa quando trabalhamos com os protocolos, e até que ponto estamos atendendo uma patologia”.
Continuaremos, pois, a seguir com a nossa defesa ao resgate do que há de humano nas ciências humanas.
(continua)


Joaquim Cesário de Mello
LiteralMente


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