domingo, 2 de outubro de 2016

Outubro



Não demorou muito para Outubro chegar e com ele já se começar a falar  de final do ano. Outubro assusta,  avisa que o ano já passou do primeiro ato e já anuncia o fim do segundo - o tempo segue sua  voracidade e, como uma pessoa que atravessa a crise da meia-idade, perguntamos: ainda dá tempo?  

Outubro já  nos provoca  alguma nostalgia  no  sentido mais dolorido que esta palavra pode ter -   talvez o ápice dessa dor em recordar seja vivido, convencionalmente, em Dezembro.  Outubro, contudo, é mês pouco convencional. Descobri que é mês Nacional  do Livro, da Biblioteca e -  alguém se recorda? - do Poeta.

Essa nostalgia aumentou quando escutei há poucos dias, ainda em Setembro, um adolescente dizer que não lê livros, pois tem dificuldades de concentração. Alegou que há alguma coisa no livro físico - como chamou - que  lhe faz dispersar e abandonar com rapidez qualquer volume. Acreditava no passado  que tinha TDAH (Transtorno do Déficit da Atenção e Hiperatividade)  mas, enquanto falava,  como num insight, pensou em voz alta: “o livro é estranho, as letras são apagadas, sem luz”. Ao dizer isso,  tomou  um aparelho celular e automaticamente verificou a luz brilhante numa conversa em rede social.

Costumamos lembrar a Idade Média europeia como um longo período  de trevas das ciências e dos saberes. Geralmente assistimos aos filmes medievais como se as pessoas vivessem permanentemente num longo inverno, com paisagens invadidas por neblinas e fumaças de chaminés. As residências igualmente escuras parecem, nesses filmes, trazerem a mesma opacidade da (suposta) ignorância dos que viveram nessa época.  O formato  do Livro tal qual conhecemos, com margem , pontuação, parágrafos, índice e  sumário, veio  justamente desse período culminando,  no final, com revolução de Gutenberg quando surge o livro impresso, invenção tão  ou mais importante quanto as tecnologias que hoje admiramos no mundo da informática.

Curiosamente, um modelo especial de pergaminho ou códice ( texto copiados em placas de madeiras)  muito utilizado na Idade Média, eram os  textos capitulares religiosos, confeccionados nos conventos e abadias, que constavam  de grafia peculiar e de várias representações imagéticas iconográficas. Esses textos eram bastante coloridos e brilhantes, e naquele tempo, chamaram-no de Iluminura. - etimologicamente de_ iluminar . Se se tiver oportunidade os leitores poderão ver vários fotografias de iluminuras pela Internet (postarei algumas nesse artigo) Poderão constatar a beleza, o capricho e especialmente o brilho desses textos. As luzes do textos ganharam força, incrível e justamente no período medieval - período, aliás, não tão tenebroso (Da Idade Média veio, por exemplo  a ideia de “academia”, de “universidade”, de “magistério”, “graduação”, “doutoramento”.

Ao ouvir as palavras do adolescente, constatei que o livro ou  a mídia impressa, como costumam dizer, está desaparecendo de maneira avassaladora, e, em substituição, iluminam-se os tablets, smartphones e notebooks.

Que implicações que  essa perda de materialidade poderia gerar? Penso, e isso pode ser pura ilusão,  que o texto se enfraquece e se banaliza. Banalizado e enfraquecido multiplicam-se em milhares de conteúdos medíocres, o que dificulta sua apreensão e  facilita seu esquecimento. O déficit de memória, uma queixa frequente entre as pessoas da atualidade, advém, entre outras coisas, desse excesso e dessa imaterialidade. Entre os elementos  da pesquisa histórica, ou seja da memória, é justamente a busca da materialidade - a memória ainda tende a se prender à matéria.    O mais conhecidos dos livros foi escrito em pequenos papiros egípcios, em formato de rolos  e posteriormente  em formato de o livro como conhecemos. chamou-se esse material de biblos e o livro, Bíblia - um livro sagrado impresso. o Corão (Alcorão) muçulmano significa "recitativo", o Torá judaico, "apontamento". Fiz uma ironia acima  ao poeta e aqui retomo elaborando uma simplória pergunta. Existe poesia sem papel ou sem impressão? muito provavelmente existe.  Onde estão os versos, os sonetos? Suponho que estejam mergulhados no oceano das redes sociais onde costumam habitar, em sua maioria,  textos que nada dizem além de obviedades. a poesia e o poeta se dissolve frente a essa mundo incontinenti de palavras... perguntou: qual foi a última vez , leitor, que você comprou um livro de poesias.

Nesses primeiros dias de Outubro, coincidentemente observo as livrarias vazias, as ruas sem jornaleiros, as bancas, anteriormente de revistas, comercializando doces e bebidas. Outubro é inicio do apagar das luzes do ano.

Marcos Creder

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