Não demorou muito para Outubro chegar e com ele já se começar a falar de final do ano. Outubro assusta, avisa que o ano já passou do primeiro ato e já anuncia o fim do segundo - o tempo segue sua voracidade e, como uma pessoa que atravessa a crise da meia-idade, perguntamos: ainda dá tempo?
Outubro já nos provoca alguma nostalgia no sentido mais dolorido que esta palavra pode ter - talvez o ápice dessa dor em recordar seja vivido, convencionalmente, em Dezembro. Outubro, contudo, é mês pouco convencional. Descobri que é mês Nacional do Livro, da Biblioteca e - alguém se recorda? - do Poeta.
Essa nostalgia aumentou quando escutei há poucos dias, ainda em Setembro, um adolescente dizer que não lê livros, pois tem dificuldades de concentração. Alegou que há alguma coisa no livro físico - como chamou - que lhe faz dispersar e abandonar com rapidez qualquer volume. Acreditava no passado que tinha TDAH (Transtorno do Déficit da Atenção e Hiperatividade) mas, enquanto falava, como num insight, pensou em voz alta: “o livro é estranho, as letras são apagadas, sem luz”. Ao dizer isso, tomou um aparelho celular e automaticamente verificou a luz brilhante numa conversa em rede social.
Costumamos lembrar a Idade Média europeia como um longo período de trevas das ciências e dos saberes. Geralmente assistimos aos filmes medievais como se as pessoas vivessem permanentemente num longo inverno, com paisagens invadidas por neblinas e fumaças de chaminés. As residências igualmente escuras parecem, nesses filmes, trazerem a mesma opacidade da (suposta) ignorância dos que viveram nessa época. O formato do Livro tal qual conhecemos, com margem , pontuação, parágrafos, índice e sumário, veio justamente desse período culminando, no final, com revolução de Gutenberg quando surge o livro impresso, invenção tão ou mais importante quanto as tecnologias que hoje admiramos no mundo da informática.
Curiosamente, um modelo especial de pergaminho ou códice ( texto copiados em placas de madeiras) muito utilizado na Idade Média, eram os textos capitulares religiosos, confeccionados nos conventos e abadias, que constavam de grafia peculiar e de várias representações imagéticas iconográficas. Esses textos eram bastante coloridos e brilhantes, e naquele tempo, chamaram-no de Iluminura. - etimologicamente de_ iluminar . Se se tiver oportunidade os leitores poderão ver vários fotografias de iluminuras pela Internet (postarei algumas nesse artigo) Poderão constatar a beleza, o capricho e especialmente o brilho desses textos. As luzes do textos ganharam força, incrível e justamente no período medieval - período, aliás, não tão tenebroso (Da Idade Média veio, por exemplo a ideia de “academia”, de “universidade”, de “magistério”, “graduação”, “doutoramento”.
Ao ouvir as palavras do adolescente, constatei que o livro ou a mídia impressa, como costumam dizer, está desaparecendo de maneira avassaladora, e, em substituição, iluminam-se os tablets, smartphones e notebooks.
Que implicações que essa perda de materialidade poderia gerar? Penso, e isso pode ser pura ilusão, que o texto se enfraquece e se banaliza. Banalizado e enfraquecido multiplicam-se em milhares de conteúdos medíocres, o que dificulta sua apreensão e facilita seu esquecimento. O déficit de memória, uma queixa frequente entre as pessoas da atualidade, advém, entre outras coisas, desse excesso e dessa imaterialidade. Entre os elementos da pesquisa histórica, ou seja da memória, é justamente a busca da materialidade - a memória ainda tende a se prender à matéria. O mais conhecidos dos livros foi escrito em pequenos papiros egípcios, em formato de rolos e posteriormente em formato de o livro como conhecemos. chamou-se esse material de biblos e o livro, Bíblia - um livro sagrado impresso. o Corão (Alcorão) muçulmano significa "recitativo", o Torá judaico, "apontamento". Fiz uma ironia acima ao poeta e aqui retomo elaborando uma simplória pergunta. Existe poesia sem papel ou sem impressão? muito provavelmente existe. Onde estão os versos, os sonetos? Suponho que estejam mergulhados no oceano das redes sociais onde costumam habitar, em sua maioria, textos que nada dizem além de obviedades. a poesia e o poeta se dissolve frente a essa mundo incontinenti de palavras... perguntou: qual foi a última vez , leitor, que você comprou um livro de poesias.
Nesses primeiros dias de Outubro, coincidentemente observo as livrarias vazias, as ruas sem jornaleiros, as bancas, anteriormente de revistas, comercializando doces e bebidas. Outubro é inicio do apagar das luzes do ano.
Marcos Creder
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