Nestes quase trinta anos de estrada profissional cruzaram por mim uma quantidade que não contei de pessoas. Com certeza centenas; provavelmente alguns poucos milhares talvez. Cada uma, ao seu modo e maneira, foi-me ensinando a humildade, tanto quanto respeitar as diferenças e melhor lidar comigo mesmo com minhas ansiedades e frustrações. Um oceano de pensamentos, sentimentos e jeitos de ser alargaram-me. Na intersubjetividade do encontro dual de nossos mundos internos desconstruímos e reconstruímos intimidades. Fiz conhecer e conheci em mim próprio também capacidades hibernantes, que não tinham ainda visto à luz do sol ou ouvidos de gente. Através de risos, choros, raivas, murmúrios, alegrias e tristezas, toda uma vida se descortinou com mais intenso brilho. É como dizia em um poema Pablo Neruda: "E entre as nossas cidades separadas/as noites, uma a uma,/juntam-se à noite que nos une".
Um dia fui novo, assim como serei velho um dia. O escritor e prêmio Nobel de Literatura (1946), Hermann Hesse, traçou a fronteira entre a juventude e a velhice. Para ele, "a juventude acaba quando termina o egoísmo, a velhice começa com a vida para os outros". Assim deixei o heroísmo irrequieto da juventude rumo à sabedoria dos mais velhos. Estou longe, sei. Porém menos longe hoje do que ontem.
Pretendo, quando mais adiante chegar, manter em meu corpo engelhado esta mesma rebeldia inventiva e criadora que ainda trago do menino e do rapaz: afinal, como escreveu Kafka, "quem possui a faculdade de ver a beleza, não envelhece". Quero, tal como Vinicius de Moraes, olhar as coisas através de uma filosofia sensata, e ler os clássicos com a afeição que a inexperiência de minha mocidade não permitiu. Assim, não é ruim envelhecer. Acalmam-se os nervos e diminui-se a sofreguidão da pressa. Passear pelas alamedas do tempo a contemplar minudências e perscrutar as frestas do silêncio assossegado do intervalar dos minutos. A vida é um vento. E no assanhar dos meus cabelos encanecidos chego à época dos desfazimentos. Tomo por mim o que dizia Fernando Pessoa: "Há um tempo em que é preciso/abandonar as roupas usadas". Embora no prazo permitido de minha existência não possa realizar todos meus sonhos, não fiz e nem farei de minha vivência um constante ficar à beirada de mim mesmo. Nunca nasci para ficar no raso.
Mais da metade da minha vida já foi consumada. De todas vontades muitas não pude fazer. Das que fiz me realizei. Lá atrás em meus pretéritos sonhei ser psicólogo, escritor, professor, esposo e pai. Cumpri o que de mim projetei. Aqui cheguei e aqui ainda estou, porém de tudo que fiz e consegui ser é menos da décima parte da metade de mim. Minha grandiosidade juvenil mudou de rumo. Frustrado, cansei de tentar alcançar as estrelas, e aprofundei-me. O infinito não está no céu nem acima de mim. O infinito está em mim. Se vivesse mais quatrocentos anos não escavaria mais do que apenas mais alguns palmos do que já cavei. Ah!, como daria todos estes anos vividos e todos os meus conquistados em troca de unicamente mais um palmo e alguns outros centímetros. A imensidão incalculável de um homem em seu interior não tem fim. Até quando a vida desistir de mim.
Joaquim Cesário de Mello
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