domingo, 30 de outubro de 2016

A vida e a Obra de uma Teoria

A biografia é uma modalidade sempre geradora de controvérsias e acredito que a maioria se deve a vulgarização, a má qualidade de seus autores,  e, por fim, ao próprio biografado consumiu livros volumosos. Calculei , depois de algumas leituras, que a vida de um sujeito dura mais ou menos 500 páginas  escritas incluindo as referências bibliográficas ( risos). Geralmente as cem primeiras contam a infância, em que se tenta desvendar das razões psicológicas que fizeram daquele sujeito gênio ou tirano, ou ambos. Nas duzentas páginas seguintes, descreve-se  as contribuições ou o legado que deixou a humanidade e de todos só percalços que atravessou. Por fim,  nas últimas cem ou cento e cinquenta páginas aparecem as doenças, os estertores e quando o vida termina consequente de alguma tragédia os detalhes de sua morte, são meticulosamente esmiuçados  - infelizmente nas biografias, trago o spoiler: todos morrem no final.

Gosto desse gênero literário - confesso que comecei a gostar mais recentemente, depois de longos anos de inexplicável  preconceito - Acho o texto biográfico  trabalhoso, dedicado, alguns muito bem escritos, mas noutros, muitas vezes, se peca por alguns equívocos que aqui destaco: existe uma tendência exagerada de demonizar ou santificar o biografado a depender do que ele representa para os segmentos que sua vida venha a interessar; outro erro ocorre, eventualmente, quando se tenta tornar a leitura mais agradável, romanceando a vida do sujeito fazendo dele, não mais uma pessoa, mas um personagem, uma invenção do autor. Isso ocorre acidentalmente, sem a consciência plena do autor que se  envolve sorrateiramente com a vida da personalidade pesquisada - o risco extremo é do texto passar a narrar uma autobiografia.  Mesmo que haja algo de ficcional nas biografias - não temos como fugir da ficção das palavras escritas -  não é ou não deveria ser  essa a intenção dos seus leitores.  Tenho entendimento que o autor deve ou deveria destituir o biografado do lugar de personagem,  da invenção e de ícone  e trazê-lo de volta  a sua condição de ser humano comum.

E é baseado nesses preceitos que li a mais recente biografia de Freud  de Elizabeth Roudinesco publicada recentemente no Brasil. “Sigmund Freud em sua Época e em nosso Tempo (belo título, aliás) é uma biografia mais perto da reflexão acadêmica do que dos detalhes sórdidos da vida do protagonista,  e isso a deixa mais perfeita. Suponho que para os que nunca conheceram esse sujeito Sigmund Freud - fato raro - talvez seja um livro por demais denso - acredito que seja uma biografia para os que tem alguma familiaridade com o jargão da psicanálise.  Traz, contudo, significativas vantagens perante algumas biografias anteriores,  pois é meticulosa e bem documentada, fato que põe por terra alguns mitos comumente ditos em relação a vida de Freud.   A famosa frase “Eu lhes trouxe a peste” atribuída a ele, quando estava chegando de  viagem ao continente norte-americano, é um desses mitos, essa frase  jamais foi pronunciada ou escrita por Freud.  A ideia romântica de que o livro “A Interpretação dos Sonhos” teria sido um fiasco de público e de crítica - ideia que  teria como objetivo fazer do pai da psicanálise um sujeito persistente,  obstinado, lutador, também é uma de outras inverdades. Esse livro, obviamente, não foi nenhum best-sellers, no entanto, foi acolhido com resenhas - não passou despercebido - pelos principais publicações vienenses. Talvez, como todo o escritores ou cientista,   Freud quisesse mais…   
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frase falsa atribuída a Machado de Assis, imagem de Monteiro Lobato
Freud é dos personagens  mais comentados desde o século XIX. Apesar de muitos contestarem suas teorias (assim mesmo, no plural) , ainda assim, se fala o nome de Freud com muita frequência desde os textos especializados aos comentários de rede social - nesta, em especial, se postam frases que certamente faria o falecido criador da psicanálise arregalar os olhos ou gargalhar. Nas redes sociais, muitos sujeitos de baixa auto-estima escrevem textos, em sua maioria, medíocres, para ser lido por outro semelhante (que nunca ousaram folhear alguns livros) e atribuem à Nietzsche, à Jung, à Clarice Lispector, à Rui Barbosa à Machado de Assis e obviamente Freud.  Um conhecido texto denominado "Se"  foi durante toda minha juventude atribuída a Jorge Luiz Borges, texto que jamais este escritor argentino escreveu. Esse texto equivocado, aliás, além de frequentar as redes sociais, comumente está em dedicatórias  e em epígrafes de livros, artigos e publicações científicas.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioW4wY4HFgYPLvTIrtW21McuuzspLT0D-GyKoR_ndtDalwR-Mg5oHAmiQfd39vfPXPcn93ExebIVLYW2oh2SXdHw_fNQVxKJTF3xq_STDQDsIXOPaJMWohhH87irA82tbGC2HXfUCU2-uu/s1600/12-04-29-austria-Central+Vienna+Early+Spring+1945.jpg


Essa nova biografia de Freud de Roudinesco traz nuances que antes não pareciam claras nas palavras dos  biógrafos anteriores. Na verdade, como disse anteriormente, muito desses biógrafos tiveram problemas em dosar o protagonista, ora reverenciando ora demonizando. Penso que este lançamento de Roudinesco aproximasse do equilíbrio, afasta-se de posturas maniqueístas, fazendo de Freud um personagem menos épico e mais cotidiano, um sujeito vaidoso,  eventualmente ressentido de seus pares, com maior autenticidade .  O texto contextualiza com mais precisão elementos históricos importantes  da conturbada primeira metade do século XX tempo em que  o movimento psicanalítico se iniciou, atravessou e se sedimentou. Período em que  duas grandes guerra, que fez com que o berço da psicanálise, Viena,  viesse a se tornar uma terra devastada.


Marcos Creder     

Um comentário:

Unknown disse...

Amigo, em 1º lugar, pergunto: de onde tiraste aquela frase absurda onde o Machadão (1839/1908) fala da internet.
Em 2º lugar, comento contigo: a frase explui mais um absurdo::: por que na internet não seria apresentada a REFERÊNCIA das citações? Referência sem citação á executada a toda hora por mil pessoas que se denominam "escritores", e eu duvide disso.
Ora!!! Na internet é TÃO NECESSÁRIA a apresentação da FNTE quanto em qualquer outra edição!!! Visite o https://zolerzoler.wordpress.com/ Quem fala? Zöler.Zöler de zzoler.zzoler@gmail.com