domingo, 25 de setembro de 2016

O PRÍNCIPE: REVISITANDO MAQUIAVEL

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Em tempos de turbulência política pode ser interessante e educativo ler ou reler o livro O PRÍNCIPE, de Nicolau Maquiavel. Embora tenha sido escrito no longínquo ano de 1513, porém publicado em 1532, o texto parece-nos ainda bastante atual, dadas as devidas proporções históricas, para ajudar-nos a compreender a dinâmica do jogo político. Como tratado político a obra é fundamental para o entendimento do conceito de Estado como hoje conhecemos, pois o mesmo serve como esteio para perscrutar as estruturas do poder dos tempos modernos. Maquiavel é reconhecido como o "pai" da ciência política principalmente por ele haver estudado e escrito não como a política deveria ser (visão normativa), mas sim como ela de fato é (visão realista). Talvez por isso mesmo, conjugado a uma leitura apressada e enviesada, seu nome gerou o adjetivo (não elogioso) Maquiavélico que significa esperteza, astúcia, ardilosidade, malícia e até maldade.
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O Príncipe é escrito em 26 capítulos e logo no primeiro ele descreve rapidamente duas espécies de principados: o hereditário (ereditari) e o conquistado (nuovi). O hereditário aquele que é governado por muitos anos por meio de linhagem (antigamente, à época de Maquiavel, seria por consanguinidade; modernamente por continuidade partidária e/ou oligarquia política), enquanto o conquistado seria o principado novo que seria recentemente fundado por captura ou apossamento. As monarquias hereditárias, diz Maquiavel, se fazem pelo sangue ou pela tradição. Já as monarquias adquiridas se fazem pela usurpação do poder. A dificuldade de se manter uma monarquias hereditária é menor em relação à manutenção de uma monarquia nova (adquirida), visto esta correr mais riscos de uma revolta popular ou conspiração.
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O povo, lembra-nos Maquiavel, é constantemente ávido por mudanças, razão pela qual a alternância de quem se encontra no poder ser sempre lastreado por um desejo de melhora. O príncipe, portanto, conquistado um novo território, necessitará extinguir a linhagem de governância anterior, porém mantendo os costumes, as leis e a tradição. Na arte de conquistar e manter o poder, o detentor do poder assim o maneja como na célebre colocação de Tomasi de Lampedusa, em seu livro O Leopardo, quando na fala de seu personagem príncipe Falconeri afirma que "algo deve mudar para que tudo continue como está". Caso o(a) leitor(a) que até aqui chegou estiver encontrando algum eco com a nossa realidade política contemporânea, precisa ir mais adiante em O Príncipe de Maquiavel.
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O livro em questão, mesmo escrito séculos atrás, tem um caráter fortemente atemporal. Assim vejamos quando nele se encontra escrito que "a um príncipe, portanto, não é necessário que de fato possua as sobreditas qualidades; é necessário, porém, e muito, que ele pareça possuí-las". A pertinência de tais palavras é bastante atual no uso excessivo e no maquiar do marketing político. É conhecido o provérbio que diz "a mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta".
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Um príncipe deve saber, de acordo com circunstância e cenário político, ser bom ou ser mau. Sempre que puder deve ser bom, porém, dependendo das necessitadades políticas do momento, deve ser capaz de fazer maldades. Ensina-nos Maquiavel que o mal deve ser feito de uma vez para ser com o tempo esquecido. Já o bem deve ser feito aos poucos para ser, assim, degustado lentamente e ser sempre lembrado.
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Em uma rápida ida a um dicionário encontramos definição de política como "a arte de governar". Pessoalmente prefiro uma outra definição que diz que "política é a arte de ocupação de espaços". Sabemos, histórica e cientificamente, que não existe vácuo em política. Segundo Maquiavel, o que move a política é a luta constante e ininterrupta pelo poder. Atribui-se a Maquiavel a frase "os fins justificam os meios". Ele inexiste em O Príncipe, embora a essência de seu sentido sim. O que verdadeiramente escreve Maquiavel, por exemplo, é: "procure, pois, um príncipe vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo" (vulgo significa povo/plebe).

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Maquiavel, pioneiramente e melhor do que ninguém, arranca as máscaras, isto é, rompe com a ética cristã ao distinguir a questão da ética sob a dimensão do público e do privado. O público é a política e política é a arte da dissimulação por natureza. A ética, por sua vez, estaria na ordem do privado. Em sua visão aguda e visceral de política Maquiavel afasta-se da concepção clássica da Antiguidade e Idade Média e busca conhecer a dimensão simbólica, figurativa e aparente do mundo da política. Trata-se de uma teoria da simulação. Talvez por isso falemos de teatro político e chamemos seus personagens de atores político/sociais. Assim podemos entender o que ficou conhecido como "o escândalo das parabólicas" quando o então ministro da Fazenda no governo Itamar Franco (1994) em conversa informal com seu cunhado, o jornalista Monforte da Rede Globo, antes de entrar no ar com o Jornal da Globo, foi captado por um sinal privativo de satélite, sintonizável por meio de parabólicas, e disse "não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". Mais Maquiavel impossível. Já em 1968, quando da reunião para implantação do AI-5 pela ditadura militar da época, o então ministro do Trabalho e da Previdência Social, o coronel Jarbas Passarinho, enunciou "às favas, senhor presidente, neste momento,todos os escrúpulos de consciência". Mais maquiavélico impossível. Pois é, "em terra de cego quem tem olho é rei".


Joaquim Cesário de Mello

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