domingo, 28 de dezembro de 2014

Andando em Círculos

Ouvi de uma pessoa: “minha vida é uma sucessão de círculos que se repetem”. Certamente todos já pensaram ou pensam assim de suas próprias vidas, e os que se incomodam com isso - muitos, por sinal – se esforçam para que o repertório dos acontecimentos se diversifiquem. Nestes tempos de final de ano se escuta discursos sinceros de que “de agora em diante tudo vai ser diferente” , ocorrerão mudança  dos hábitos alimentares às relações afetivas. Contudo, no final de mais um ano, revelam-se as mesmas frustração, pois pouco se fez para sair dessa máquina de repetição, não se foi mais ousado, diferente, ou original na vida; não se ficou lá tão mais feliz, tampouco, engordou ou emagreceu.

Negamos as nossas repetições; somos avessos a elas, e acreditamos que uma pessoa em especial –  eu ou você,  leitor – não caímos nessa lógica medíocre desses movimentos circulares. Mera ilusão. Os ciclos fazem parte, como diria os filósofo romano Tito Lucrecio, “da natureza das coisas”, mas nessas repetições há nuances que fazem desse “círculo”, paradoxalmente, um repetir diferente. Nessa nuance podemos nos utilizar da metáfora do filósofo grego Heráclito, que ao entrar sair de um rio, não seremos os mesmos, tampouco o rio o será. Nessa visão, da dialética de Heráclito, não ocorrem repetições, mas modificações sutis – que grosso modo, parecem idênticas. Há ciclos e pequenas diferenças neles.
Um exemplo de “repetir com alguma diferença” está na expressão artísticas dos pintores, escritores, músicos, etc. Poderia dizer por exemplo, que muitas pinturas de Frida Kahlo ou de Pablo Picasso tanto se parecem, que nos confunde, contudo, mesmo parecidos não são exatamente o mesmo tema; acrescentou-se algo diferente, mesmo que sutil. O mesmo se pode dizer de um texto literário, ou de uma melodia. Na música, em especial, uma mesma canção traz sucessivas repetições, o ritmo em si já é o leitmotiv da peça musical.


Se perguntarmos aos cosmólogos e astrônomos sobre os princípios do universo eles certamente usarão palavras de repetição: movimentos circulares, rotações, “Era” disso “Era” daquilo, “período” disso “período” daquilo, fases,  inícios, fins, reinícios,  fins. Na mitologia hindu o mundo oscila entre caos e harmonia, Shiva é deus de destruição e de criação.

Enfim, alguém vai ao analista ou psicoterapeuta e diz: “venho aqui há pelo menos três anos e parece que falo sempre a mesma coisa”. Esse sujeito frustrado mal sabe que muitos do que disse são  palavras que se repetem, mas que, de algum modo, se rearrumavam, se reorganizavam e, por fim, se ressignificavam, ou ainda, que foram acrescidas de outros dizeres e de outros sentidos - pois vai ter sempre algo novo a ser dizer. É dessa sutil novidade que se propiciam as transformações. Infelizmente ou felizmente, sempre queremos mais do que desejamos. Faltará algo aqui ou ali – aliás, o sentimento de  que algo sempre nos falta e outro vício que se repete no humano.

Há muito tempo assisti a um  filme desses que passavam na “Sessão da Tarde” – tive oportunidade de revê-lo recentemente .  Groundhound Day é  um filme da categoria que classifico de  pipoca cult (risos), nessa categoria incluo os filmes despretensiosos que repercutiram  mais do que o esperado. De fato, essa produção de 1996 e só foi descoberto pela crítica em 2006, dez anos depois. O título que foi dado no Brasil nada tem haver com o original: “Feitiço do Tempo”. A melhor tradução seria “O dia da Marmota”, mas não sabemos o que é marmota e se preferiu escolher um  título que trouxesse alguma coisa do seu enredo.


 Marmota é um roedor que hiberna no inverno e que, segunda a crendice popular do  interior dos EUA, preveem o fim do inverno. O filme, contudo, narra a história de um jornalista especializado em meteorologia que vai todo ano as festividades referente ao “dia da marmota”. Entediado com a profissão e com a vida, Phil – o  personagem –  vive experiência  inusitada e fantástica. Depois de pernoitar no hotel da cidade, acorda, no mesmo dia, no dia da marmota. E assim essa repetição ocorre por todo filme, todos os  dias era o dia da marmota. Os detalhes dos acontecimentos de maior ou menor se repetiam. Enfim, todo dia era o mesmo dia. Angustiado Phil começa a perceber que a única alternativa à repetição é  fazer o “mesmo dia”, um dia diferente e o filme nos surpreende com as infinitas possibilidades de, na repetição, fazer diferente. Fatos acessórios tornam-se principais, personagens sem relevância ganhavam destaque noutro (“mesmo”) dia. Fatos são revelados, sentimentos redesenhados.

Traçando um paralelo com o filme, podemos afirmar que o sujeito que vem à análise se queixará, assim como Phil, das muitas sessões  que se repetem   como no “dia da marmota”. Phil ainda sofreria mais, pois a palavra "tempo" parece-lhe ter uma significação especial – por que escolhera se especializar “no tempo” (era meteorologista)? Phil tenta dominar o tempo e transforma-lhe? apesar da feitiçaria do tempo que se repete, Phil, assim como nós, não consegue se livrar da repetição que a vida impõe.  


Marcos Creder 

Um comentário:

Alice disse...

Enfim, tudo igual... Pessoas diferentes, erros iguais.