quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

DIÁRIO DE FÉRIAS

MIOPIA AFETIVA



Uma pessoa empobrecida emocionalmente é alguém com sérias dificuldades em expressar seus sentimentos. Tal dificuldade expressiva é consequência de sua incapacidade em elaborar as experiências em termos psicoafetivos. Tal empobrecimento (em níveis elevados) é usualmente encontrado em pacientes psicóticos, mais precisamente aqueles que têm esquizofrenia. Há uma clara e manifestada retração emocional em muitos deles. O psiquiatra grego Sifneos criou a expressão alextimia, onde A (ausência) lexis (palavra) e timia (emoção). Ao pé da letra alextimia significa "sem palavras para o sentimento", isto é, não identificam subjetivamente suas emoções e, por isso, têm uma acentuada dificuldade para expressá-los. Realmente é como se faltassem as palavras, tanto para dentro quanto para fora. As emoções parecem mudas. 

Pessoas falhas na comunicação afetiva frequentemente são passionais sociais, ou seja, apresentam um elevado nível de conformidade social. Sua inabilidade intelectual para verbalizar os sentimentos dão aos mesmos uma certa expressão robótica ou algo como que meio abobalhado. São individuo chamados de "sem imaginação" que utilizam mais o pensamento operacional e utilitário. Em outros termos, verdadeiros "analfabetos emocionais". Todavia não nos equivoquemos em pensar a alextimia como uma entidade mórbida, mas sim um aspecto sintomático e clínico associado a alguma desordem de caráter psiquiátrico.
Traumas no processo de desenvolvimento (infância/adolescência), falhas na formação neurológica, influência socioculturais podem estar na etiologia da alextimia. Muitos acreditam que uma pessoa assim embotada afetivamente é resultado de quando desde cedo (bebê e criança pequena) o cérebro está em formação e é bastante influenciado e estimulado pelo meio externo. Dependendo do ambiente (facilitador ao crescimento ou não) e da experiências da criança com ele, pode-se se desenvolver uma disfuncionalidade cerebral e/ou uma imaturidade psíquica.
O sujeito embotado afetivamente (às vezes até cego emocionalmente) sofre uma espécie de amputação em seu mundo afetivo. Um enregelamento interno acontece, insensibilizando-o e, inclusive, esvaziando-o de prazer. O rosto externo e o rosto interno imobilizam-se e ficam indiferentes e irresponsivo. Quanto mais embotado for a afetividade da pessoa mais comprometida psicologicamente ela se encontra. Os casos mais extremado são a esquizofrenia (em suas formas deficitárias e de sintomatologia negativa) e a depressão maior. Do ponto de vista da expressividade vemos sua manifestação em: inalteração da expressão facial, diminuição dos movimentos espontâneos, carência de expressividade e escassez de animação, olhar inexpressivo, ausência de reatividade emocional, falta de inflexão vocal, lentificação e pobreza gestual.
Pelo acima exposto, claro que tratar psicoterapicamente alguém assim descrito passa pela estimulação da assertividade. Claro que pessoas com tal grau de dificuldade são pacientes com potenciais de baixo resultado terapêutico, não só pelo baixo nível de processamento emocional, como também a existência de déficits em processamentos subjacentes, tais como a consciência e a experimentação emocional. Claro, portanto, que são pessoas cujo enfoque terapêutico se faz em relação aos estados das tarefas afetivas. Neste sentido o modelo de terapia focada nas emoções (inicialmente desenvolvida por Les Greenberg) parece ter pertinência e relevância, onde nela o paciente é incentivado a identificar, explorar e gerir seus sentimentos. Igualmente parece ter pertinência a terapia comportamental dialética, que conjuga as técnicas da TCC com o treinamento de desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais, considerando que a regulação emocional contribui sobremaneira para a eficácia interpessoal.
É bastante útil o manejo psicoterápico com base na mentalização, pois esta volta a atenção terapêutica na estimulação da capacidade do paciente em compreender seu comportamento através da atribuição de estados mentais, tais como: necessidades, desejos, motivações e sentimentos. A mentalização é, pois, um forte aliado e recurso terapêutico ao levar o paciente a ter como objeto psíquico sua própria mente e o que se passam com ela.
Seja qual for o modelo de abordagem empregado ele sempre implicará focado nos aspectos subjacentes do funcionamento psíquico embaçado em termos emocionais e, consequentemente, em termos relacionais. Em termos de inteligência emocional (pessoas míopes afetivamente são pessoas emocionalmente analfabetas) a mesma compreende quatro fatores: percepção, compreensão, uso e manejo das emoções. Embora seja um trabalho terapêutico árduo, lento e custoso (um verdadeiro "trabalho de formiguinha"), deve-se visar - dentro dos limites existentes - uma gradual postura introspectiva do paciente (que não significa trabalhar em termos interpretativos) com finalidade a possibilitar um mínimo de sofisticação psicológica ao mesmo. O componente de apoio é basilar, explorando o mundo afetivo em termos não profundos e não provocador de ansiedade. Um trabalho de constante paciência por parte do psicoterapeuta, com objetivos menos ambiciosos do que uma psicoterapia dirigida ao insight.
O embotamento afetivo é também comum ser encontrado em alguns pacientes adictos. Nesses casos, sugere Glen Gabbard, que o paciente seja orientado nas fases iniciais da terapia , tendo o terapeuta a função de explicar como a experiência de sentimentos desagradáveis leva ao abuso de drogas. Descrever o estado interno com palavras é nossa principal meta. E não somente palavras frias, mas palavras, no mínimo, com algum colorido e mornicidade.


O esfriamento afetivo, ou a alextimia, não é um fenômeno tão incomum nos espaços clínicos. Sua prevalência é considerável, tendo estudos que apontam em cerca de 30% dos pacientes psiquiátricos. Por isso, é necessário uma maior atenção à questão e estudos mais aprofundados sobre o assunto.
Aos interessados deixo a sugestão do seguinte texto contido no link abaixo:
http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S0870-82312013000200007&script=sci_arttext&tlng=pt

Joaquim Cesário de Mello

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