quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

DIÁRIO DE FÉRIAS


O MEDO MAIOR QUE O PERIGO









Você está sentado assistindo distraidamente televisão quando uma leve brisa, de repente, balança a cortina da janela projetando sua sombra na parede ao lado. Imediatamente, sem nem pensar, você toma aquele susto, o coração dispara, você se arrepia todo e pula da cadeira. Passado o susto inicial você logo nota que era apenas uma sombra em movimento. Você, então, respira aliviado. O que aconteceu? Resposta: foi seu cérebro. Estima-se que o cérebro humano ao longo de milênios evolutivamente aumentou cerca de três vezes. Sua massa cinzenta foi crescendo e ganhando novas camadas. No avolumar cada vez mais complexo o cérebro desenvolveu o que chamamos de neocortex, hoje a área mais sofisticada no córtex cerebral, responsável pelo pensamento e pela linguagem É, de ancestral em ancestral, evoluímos. Porém, isto não quer dizer que lá dentro, lá no miolo do cérebro deixemos de ter nossa herança mais primitiva: o sistema límbico. É através do sistema límbico que o cérebro coordena nossas emoção. Isto, pois, o que aconteceu na base do seu susto, afinal o cérebro foi programado pelos nossos antiquíssimos antecessores primatas para evitar o perigo. E lá atrás, milhares e milhões de anos atrás, nossa sobrevivência dependia de nossas mais rápidas respostas a qualquer indício de algum predador. O sistema límbico não pensa, reage. Não importa se reage a uma mera sombra, afinal podia ser um animal que nos ameaçasse. Nosso medos são, então, disparados por esta parte primitiva do cérebro.
Desde o início de nossa infância vivemos cercado de medo, a maioria imaginários. Embora não haja de fato algum perigo real externo, nossa mente internamente os cria. A mente mente. Nos ilude. Acreditamos nela. Temos medo de ruídos fortes, do quarto escuro, que a mãe desapareça para sempre, de rostos estranhos, de fantasmas e de bicho-papão. O mundo fora do escurinho aquoso do útero é vasto, estranho e desconhecido. Mesmo que tais medos sejam infundados do ponto de vista da realidade, não os subestimemos: eles assustam mesmo. Os perigos que os disparam parecem tão reais, reais até mais do que a própria realidade.
Convencionou-se classificar o medo como positivo e negativo. Positivo é aquele que nos faz buscar proteção frente a ameaças reais. Já o negativo é aquele imaginado pelo nosso psiquismo e que é muitas vezes resultado de estados de ansiedade, insegurança, raiva ou depressão, e que nos desequilibra emocional e comportamentalmente. Ah!, essa nossa mente imaginativa! Ela é capaz de criar desde príncipes encantados até monstros no fundo de um armário. O medo em si é uma coisa saudável, pois nos avisa fugir frente a um perigo que ameace a nossa sobrevivência. Todavia o medo quando alavancado pela imaginação é lá outra história. É quando podemos estar no âmbito da fobia. E a fobia é o medo deformado pela imaginação. O médico e escritor Moacyr Scliar, em seu livro "Território da emoção", propõe compreendermos tais medo pela seguinte fórmula: F = M x I, onde a fobia (F) é o medo (M) multiplicado pela imaginação (I).
São tantas as fobias e os termos que usamos para falar delas que a lista parece interminável. Temos, por exemplo, ablutofobia, atazagorafobia, cacofobia, catsaridafobia, elurofobia, hilofobia, ilingofobia, metifobia, odinofobia, quimofobia, surifobia, tonitrofobia, xilofobia, entre tantos outros, além dos mais conhecidos como agorafobia, fobia social, acrofobia, aerofobia, escotofobia e outras fobias específicas. Se o ser humano é rico em criar seus medos, até os mais estranhos e exdrúxulos medos, também é criativo em batizá-los. Vai longe essa danada capacidade humana de criar coisas até que não existem.
É comum que uma fobia surja na elevação do nível de ansiedade do indivíduo. Há situações, inclusive, que a fobia seja desencadeada após uma experiência traumática de perigo real. Estímulos, objetos ou situações não perigosas são associadas psicologicamente a perigos fantasmáticos. Até mesmo o contexto social pode influenciar no surgimento de uma fobia. Não há faixa etária específica para a fobia. Qualquer um, em qualquer fase da sua vida pode desenvolver medos irracionais. Criança, jovem, adulto ou idoso.
Mecanismos psíquicos associativos, cognitivos, projetivos e fantasiosos estão na essência dos nossos medos que não encontram correspondência na realidade. Os behavioristas falam do condicionamento e da aprendizagem vicária (por modelagem), os cognitivistas de pensamentos e crenças disfuncionais, os analíticos de mecanismos defensivos neuróticos, os neuropsicólogos a questões neurais, os analistas comportamentais de experiências repressoras e humilhantes na infância, os fenomenológicos a trocas emocionais entre o ser e o mundo, os gestálticos a perturbações da auto regulação, e por aí vai. São tantas as possíveis explicações e origens que chega até dar medo, não?
A boa notícia é que há tratamento para tais medos, com resultados bastante satisfatórios e eficazes na maioria das vezes. Há abordagens psicoterápicas que trabalham com técnicas de exposição, seja através da dessensibilização sistemática ou exposição imaginária, principalmente para fobias específicas. A psicoterapia dinâmica expressiva de apoio também é tão efetiva quanto a dessensibilização. Recursos de reestruturação cognitiva são também muito usados no campo das psicoterapias. Do ponto de vista construtivista da personalidade e da pessoa humana, o foco terapêutico volta-se para os processos pelos quais os sintomas foram sendo construídos no sujeito ao longo de sua vida. Trabalha-se, assim, não com recortes históricos ou somente atuais, mas com a história de vida como um todo. Estratégias de controle e enfrentamento (coping) são elaboradas e estimuladas no embatimento da questão fóbica. Muitos psicoterapeutas entendem que o paciente tem em si, inconscientemente, todos os recursos necessários para resolver a maioria dos seus problemas, sendo preciso, pois, fazê-lo entrar em contatos com os mesmos.
Importante é não temer os nossos medos. Melhor conhecê-los e manejar de maneira funcional com os mesmos. O medo faz parte de nossa vida. É necessário. Nos faz ser cautelosos. Todavia não o medo neurótico, pois ele, além de infundado, nos imobiliza e nos congela na vida, atrapalhando nosso crescimento como pessoa e ser. Ou como diz o poeta Alexandre O'Neill:

"Penso no que o medo vai ter
 e tenho medo que é justamente 
o que o medo quer". 

Joaquim Cesário de Mello

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