quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

ESPAÇO DO COLABORADOR


“A multidão me acompanha, eu vou... eu vou e venho, pra onde não sei...”


Depois das manifestações de 2013 quando diziam: “o gigante acordou” – frase que faz menção a um trecho do hino nacional - ficou, ao menos em mim, a sensação de que não são mais necessárias grandes reivindicações para que algumas pessoas se reúnam e expressem seu livre direito de manifestação impedindo, por vezes, o direito de ir e vir de outros. Embora, os tais manifestantes ainda se reúnam aqui e ali, em menor número é verdade e por razões bem menos abrangentes, esses movimentos que expressaram uma insatisfação, primeiro com aumento de passagens e em seguida com a política e seus atores em geral,parecem ter perdido sua força.
Mais próximo, temporalmente, que o rápido despertar do gigante que voltou ao profundo e costumeiro descanso estão os ‘rolezinhos’, apelido carinhoso para um fenômeno social, até então restrito à região sudeste, que consiste em encontros, marcados através das redes sociais, por um grande número de jovens adolescentes, que terminam por provocar medo e correria nesses locais, alguns dos poucos que sobraram para a diversão de um povo que não tem muitas opções. 
No país ‘hospedeiro’ da Copa, não restam muitos recursos para investimentos em parques, praças e lugares de convívio público e aberto, onde as famílias possam se divertir em segurança, a qual também é pobre de recursos. E ora, o abandono do poder público a esses locais não se dá por acaso, pois em praças e parques se consomem apenas interação e afeto e tais elementos não geram renda e consumo para uma sociedade que se sustenta através deste. Os shoppings ocupam então esse lugar, tendo praças de alimentação para sentar, falar e consumir.
 Mas este é um blog sobre Arte e Psiquismo, e eu sou uma estudante de Psicologia. Então vamos à parte que interessa: quecurioso fenômeno permeou as manifestações de 2013 e tantas outras que ocorreram ao longo da história, e permeia essesrolezinhos, e as atuações em grupo? O que acontece com os sujeitos, com seu funcionamento psíquico, que os fenômenosinfluenciam e balizam suas ações quando neles estão? Muitos deles, diz Freud em Psicologia das massas e Análise do Eu, sentem,pensam e agem de modo diverso do que sentiriam, pensariam e agiriam caso estivessem isolados. Talvez, nem se reconhecessem caso pudessem ver a si mesmos em atuação nos grupos.
Se parássemos para observar os sujeitos agindo dentro dessasmultidões que manifestam suas idéias; dos rolezinhos ou mesmo nas confusões ocorridas dentro dos estádios de futebol (há um texto interessante no blog sobre esses últimos confrontos dentro das arenas), perceberíamos algo do que é dito por Freud e diversos outros autores sobre essa espécie de mente coletiva que toma cada membro do grupo, distanciando-os de seu comportamento rotineiro.Algo, diz Le Bon, de uma inibição coletiva do funcionamento intelectual e de uma sobrepujança da afetividade. Esse autoracredita que dentro de um grupo o inconsciente racial emerge fazendo desvanecer, diante do homogêneo, o que é da ordem do heterogêneo. Ou como diria o próprio Freud: as dessemelhanças desaparecem, ficando exposto o que é comum a todos, o inconsciente.
Le Bon afirma ainda que quando em grupo, o individuo, por questões numéricas, adquire uma sensação de invencibilidade a qual lhe permite render-se a instintos que quando isolado mantêm sobre coerção. A sugestionabilidade é também, e de longe, um fator de extrema relevância, e no período da adolescência – fase em que se encontram a maioria dos participantes dos rolezinhos - essa talsugestionabilidade, creio eu, está ainda mais viva. Todas essas características e muitas mais fazem com que, como diz McDogall, dentro do grupo as emoções se excitem até um grau que raramente ou jamais alcançariam em outras condições. E ele tem razão ao dizer que, entregar-se tão irrestritamente às paixões é uma experiência assaz agradável, com poucas exceções. Certamente se perguntássemos aos caras pintadas da década de 90, aosmanifestantes de 2013 ou aos participantes dos rolezinhosteríamos confirmação do que foi dito.
No que toca as manifestações, as conquistas alcançadas pela nação não foram lá grandes coisas ou pelo menos nada além doque deveria ser normal. Além disso, não duvido que logo sejamesquecidas e tudo volte ao estado anterior. Mas, apesar disso, nãopodemos deixar de reconhecer que, mesmo sem uma forte presença física, aquele ligeiro despertar ainda está presente no consciente das pessoas, e ele teve o poder de re-despertar o país depois de 21 anos, tempo transcorrido desde os caras pintadas. E ver juntas,gritando de modo uníssono por mudanças que não privilegiariam a todos, classes diferentes e indivíduos tão heterogêneos, corrobora com o que foi dito por esses autores: os grupos podem ter princípios éticos mais elevados que os de seus membros separadamente, sãocapazes de desprendimento e devoção – os movimentos da época da ditadura mostram isso - e fascinam o individuo como sendo detentor de um poder insuperávele quem não deseja, ao menos inconscientemente, essa onipotência?

Quanto aos rolezinhos, esses parecessem se mostrar um fenômeno social de uma classe menos favorecida em busca da atenção do outro. Esse outro, em quem essa classe se espelha e de quem busca aproximar-se, vestindo-se e fazendo uso de acessórios e aparelhos os mais semelhantes possíveis. Aparentemente, é uma busca desenfreada pelo reconhecimento que atualmente parece sero degrau mais alto a se atingir numa sociedade consumista onde, o que diferencia uns dos outros é o poder que se tem sobre o dinheiro. Num país onde a segregação social predomina, apenas o consumo é capaz de unir ou separar os grupos. Os shoppings são lugares em que a linguagem utilizada pelos diferentes é a mesma, a do consumo, a diferença hierárquica está apenas no grau de poder quecada um exerce sobre a mola propulsora do capitalismo.
A dialética psicológica, para mim, neste caso está em: de um lado as verdadeiras classes médias e altas que temem perder seu espaço de privilegio, os shoppings. E do outro a periferia que nãotem nada a perder e vai à busca da notoriedade das classes opostasnas quais se espelham. E vão em grupo por quê? Por incerteza, insegurança? Ou pela tal sensação de poder e invencibilidade trazida pelos teóricos de grupo? E o medo sentido pelos que estão do lado oposto, seria uma histeria de massa de uma sociedade que vive consumida pelo medo? Será que esses jovens representam um perigo real? Ou essa reação de impedir a entrada dos adolescentes,é apenas uma tentativa de manter os ‘favelados’ onde os economicamente privilegiados acreditam que eles devam permanecer?
São muitas as nuances e modificações que acontecem no funcionamento psíquico de um sujeito dentro de um grupo; são inúmeros os motivos que poderiam explicar esses movimentos, teria ainda muito mais a ser dito. Freud, Le Bon, SigheleMcDogall e tantos outros autores discutiram e discutem sobre esse assunto sem jamais esgotá-lo. Então seria, obviamente, impossível fazer aqui mais que um en passant nesse vasto campo de discussão. Tendo muito ainda a pensar, principalmente, sobre a da atuação daPsicologia numa sociedade gregária, sim, mas com conceitosdistorcidos, valores invertidos e forçada a viver com pouca ou nenhuma criticidade, que apenas reproduz conceitos já instituídos de dominação e segregação.

Patricia Stephany (Psicologia FAFIRE)

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