quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A PSICOLOGIA VAI AO CINEMA




O cinema de muito é utilizado nos cursos de Psicologia, subsidiando e embasando assuntos, exemplos e temas da área do conhecimento sobre os fenômenos psíquicos e comportamentais humanos. O cinema, decididamente, facilita a compreensão teórica dentro de uma perspectiva vivaz de movimento e cena. Contribui, sobremaneira, com o debate, a análise e a discussão de alguns processos psicodinâmicos estudados pela ciência.
                A relação entre cinema e Psicologia vem desde o surgimento da própria arte cinematográfica, visto que em sua estreia, em Paris, em 1895, quando os irmãos Lumiére exibiram ao público as imagens de um trem em movimento causou na plateia comoção e medo. As pessoas, à época, ao verem na tela um trem em deslocamento acreditaram ser real. Hoje sabemos o poder que o cinema tem de criar ilusões frente à dimensão ficcional de uma narrativa (diegese). Através da ilusão fílmica podemos representar como real o que é apenas uma reprodução rápida e sucessiva de fotogramas projetada em tela em branco em uma sala escura. É o que chamamos de “ilusão de movimento”. Como diz o crítico francês Gérard Betton. “a imagem fílmica suscita certamente um sentimento de realidade. A realidade estética, afirma Betton, captada pela percepção humana se mistura íntima e fecundamente à magia, ao sonho, à fantasia e à poesia.   Cinema – secamente falando – é a arte de transformar o ilusório em verdadeiro.


                As emoções que o cinema nos evoca é em grande parte manipulação que o realizador faz de vários elementos que constituem o universo diegético. A decupagem e a montagem, o trabalho de câmara, luz e de som, a forma de construir a história e seu ritmo, e toda a utilização de recursos técnicos e o uso de códigos e linguagem cinematográficos levam os espectadores a entrar subjetivamente em seus sentimentos e emoções. Embora não nos apercebamos, frente a um filme somos colocados em um lugar virtual. Todavia não confundamos o processo de significação como se o espectador fosse apenas um receptáculo passivo. A própria história do espectador e seu momento atual de vida interagem com a recepção expectatória. Assim, percepções, sensações, emoções, motivações, memórias, desejos e outros processos psíquicos se somam e se misturam em um complexo contexto de projeção e recepção.
       O relacionamento mágico entre imagem e subjetividade é elevado à quintessência no cinema. Este interjogo envolve por um lado a ilusão de profundidade e do movimento fílmico, e do outro imaginação, ideias e experiências anteriores. Se a mente é sugestionável, o cinema sabe bem explorá-la. O produto cinematográfico que nos é mostrado também é resultado do olhar de quem o vê. Alguém já disse, inclusive, que o cinema tornar visível aquilo que geralmente não vemos. Diria, até, que é uma visibilidade binocular, ou seja, sobre o que está fora de nós e não notamos e o que está dentro de nós e não nos tocamos.


                 Entramos tela adentro com o que está dentro de nós. O filósofo e antropólogo Edgar Morin, por exemplo, denominava isto como um mecanismo psíquico “projeção-identificação polimorfa”, fenômeno este onde o expectador não somente se projeta no ambiente ficcional, mas também o absorve de maneira inconsciente. 
           A experiência cinematográfica é, portanto, uma experiência psicológica onde nossas faculdades mentais e funções estruturais de representação (cognição) são incitadas. Abre-se, assim, a “caixa de pandora” de nossas imaginações e voamos nas asas virtuais da ilusão consentida. A fantasmagoria exibida na tela se reveste de nosso mundo interno projetado conjuntamente aos fotogramas do filme. Christian Metz, um estudioso da semiótica do cinema, em seu livro “A Significação no Cinema”, descreve que o espetáculo cinematográfico é “um vazio no qual o sonho imerge facilmente”.
Considerando que um filme é uma soma de imagens (e de sons também), uma estrutura de signos, a força expressiva da montagem do mesmo liga o expectador e seu olhar à narrativa do mundo ficcional. Todavia, destaquemos que a história contada é um ponto de vista, uma visão que, por sua vez, modela o nosso olhar que assiste a trama como uma espécie de testemunha. Através da manipulação do ponto de vista o olhar do expectador pode ser modelado, assim como sua interpretação. Embora saibamos que o que acontece na tela é um faz-de-conta, atribuímos às imagens características de realidade, envolvendo-nos no contexto da história como se ela fosse de verdade. Levados à ilusão, porém, não nos iludimos tão completamente, visto que são nossas faculdades mentais e investimentos psicológicos atiçados e projetados que dão ao filme uma roupagem de “realidade”. Hugo Münsterberg, psicólogo alemão, pioneiro da Teoria do Cinema, já no início do século XX deu ênfase à ideia do expectador ativo que preenche as lacunas textuais do filme mediante investimentos emocionais e cognitivos. Os eventos mentais que o filme produz não são da esfera do celuloide, mas da mente de quem o assiste. Explica ele que ao assistirmos um filme nos afastamo-nos de todos nossos compromissos cotidianos, e isolados do mundo real e com nossa atenção extasiada percebemos o filme em si mesmo, participando assim do jogo.
O cineasta russo Pudovkin, que desenvolveu importante teoria sobre montagem, afirmava que “existe em psicologia uma lei que diz que, se uma emoção dá origem a um certo movimento, a imitação desse movimento vai permitir evocar uma emoção correspondente”.  Ele mesmo trabalhava com as questões do tempo, ritmo e tensão para causar uma pressão emocional sobre o expectador. Obviamente que a utilização e manejo da câmara nos coloca dentro do filme sobre a perspectiva de quem narra. Deste modo, pode-se dizer que os olhos de quem assiste um filme se confunde com o olhar da câmara, dos personagens e do narrador. O olhar, portanto, á a porta de saída e de entrada do mecanismo mental chamado de identificação.


                O fenômeno da catarse (que significa evacuação, purgação) já era conhecido desde o teatro grego da Antiguidade. Segundo, por exemplo, Aristóteles, a catarse é a purificação da alma mediante uma descarga emocional provocado por um drama. E o cinema, como estética e arte, é um grande veículo para descarrego emocional (do choro ao riso). Através, portanto, de nossos heróis, vítima ou vilões, evacuamos uma miríade de sentimentos e anseios, momentaneamente aliviando ou pacificando nossas almas e aflições. Sentindo dentro, paradoxalmente, expulsamos pra fora nossos fantasmas. Ou como disse o célebre escritor e pensador alemão Goethe, “o que está dentro também está fora”.
               O cinema nos possibilita, pois, esta fluidez dos sonhos humanos, afinal o cinema nos dá a impressão de ter limites nem fronteiras, como dizia o cineasta Orson Wells. Também não é à toa o que já afirmava Charles Chaplin, isto é: “num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação”.
                Na sala escura do cinema a alma humana se transporta, seja para outros mundos, seja para outras personas, seja para outras biografias. Mas, na verdade e de fato, a alma se transporta é para dentro da própria alma, lá onde se encontram guardados nossos sentimentos ilhados, nossos desejos irrealizados e nossos sonhos inconsumados. 
Joaquim Cesário de Mello

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